sábado, 9 de julho de 2016

NETWORKING: todo cuidado é pouco


Uma palavra tem aparecido muitas vezes em minhas leituras e vida: networking (‘net’ = rede; + ‘working’ = trabalhando). Fora essa mania besta do brasileiro de utilizar palavras em inglês em suas relações pensando que isso incorpora status e força ao que se expressa, ‘networking’ representa ‘rede de contatos’ e foi introduzido ao cotidiano profissional e pessoal pela administração e pelo marketing.
Em tempos de muita exposição, muitos ambientes para exposição e pouco tempo para reflexão e seleção do que / como expor ou se expor, surge o ‘networking’. Novidade? Não! Apenas outra forma de se sentir incluído em sociedade a partir dos seus desejos, objetivos e/ou interesses. Estamos falando de ‘relacionamentos’, de ‘rede’, e de como construímos a vida todos os dias, no que percebo, por causa de interesses. Hoje em dia networking é outra forma de conectividade só que embutido está o interesse no que o outro pode lhe proporcionar ou criar diferentes nichos / visibilidades para si mesmo.
É uma palavra incomoda. O sistema de recompensa e o bolso agradecem, afinal contatos, mesmo os potenciais, geram possibilidades reais de ascensão, por exemplo, na vida profissional. Mas será que sabemos quais passos éticos a dar nesse processo? Será que sabemos organizar os contatos e mensurar suas reais consequências, por exemplo, na vida afetiva ou amistosa? Será que ganhamos mais do que perdemos ou seria ao contrário? Realmente networking é uma palavra que me incomoda.
Na vida vamos conhecendo pessoas e ambientes; emoções e habilidades; e tudo cria uma sinergia com nosso hipotálamo (gerente da memória), fortalece nossas redes neurais (inteligência) e transforma nossos comportamentos e decisões (córtex prefrontal) para que nos desenvolvamos com boas ferramentas estratégicas e criatividade. Sendo assim, networking é uma expressão que representa uma rede de contatos e de informações com as quais interagimos para ter sucesso, tanto nas relações em si, quanto em ambientes de trabalho. Só que, como tudo realizamos o tempo todo (excesso), networking em tempo integral coloca o ser humano num outro espelho a olhar para si mesmo: menos sensibilidade, menos paciência, menos feeling, menos empatia, menos verdade.
Networking tem lado bom e lado ruim como tudo na vida.
O lado bom são trabalhos e atividades que fazem com que sejamos visualizados por pessoas interessantes e dai surgem grandes oportunidades profissionais e afetivas, além disso, surgem encontros inusitados e estes causam alteração positiva em nossas vidas.
Os ‘networkers ‘:
ð  tem organização e foco;
ð  fazem planos em médio prazo;
ð  criam redes uteis de trabalho;
ð  aumentam seus níveis de influencia;
ð  antecipam ações, gestos e presenças;
ð  pesquisam ambientes em que há possibilidade de retorno afetivo e/ou financeiro;
ð  observam os tempos de forma a reorganização suas redes pessoas e profissionais;

De outro lado, o lado ‘ruim’, aparentemente (e por isso incomoda), os ‘networkers’ parecem:
ð  perder a delicadeza, o olhar carinhoso, além do gesto sereno e parceiro;
ð  ter menos alegria para conviver com as coisas mais simples;
ð  ter comportamentos mais tensos, atentos à emissão e quase monocórdia;
ð  as vezes, ser assolados por uma depressão de algo que não tem mais;
ð  ignorar o outro no processo de conquista / sucesso
ð  perder a noção de ética, principalmente, com os amigos;
ð  separar bem ‘insiders’[1] dos ‘outsiders’ profissionais.

Lógico que, como afirma Pierson (2010, p.15), “de vez em quando devemos ampliar os limites de nossas zonas de conforto, mas isso é totalmente diferente de nos comportarmos de maneiras questionáveis”. É preciso que o ‘networker’ fique atento ao seu entorno de antes: não há presente sem passado; e, no passado, sempre estão pessoas que, um dia, foram importantes nos primeiros planos / objetivos afetivos e profissionais.
Parodiando Pierson (2010, p.36), a necessidade de conhecer muita gente; de focar-se nas pessoas de ‘altas patentes’; de acreditar basicamente no poder do networking constante; de ter o conhecimento de tudo; de conviver apenas com o grupo de retorno certo (networking); e de acreditar que, no processo, se constrói amizades; são mitos do networking e estes não deixam o simples (belo, afeto, sorriso, respiração, olhar, abraço, beijo) acontecer.
Networking em excesso transforma os comportamentos relacionais e afetivos; tende a eliminar o ‘feeling’ (sentimento / sensibilidade) e afastar pessoas outrora importantes porque o foco está em outra dimensão de interesses; causa distanciamento afetivo às vezes insuperável pela falta de percepção sobre até onde essa atitude pode alcançar ou o que se pode atingir / a quem se pode magoar com ela. É uma pena, ainda que seja uma opção e, por outro lado, se pensarmos um pouco mais sério, um grande esconderijo de si mesmo.
Networking como mecanismo de defesa precisa ser melhor esclarecido pela psicologia urgente!
Nunca estivemos fora da conexão. Conexão é nossa forma de aprender e crescer. Agora as formas de conexão é que dependem das nossas experiências e dos nossos objetivos. Nossos afetos e nossas decisões são muito importantes para montar essa plataforma / suporte de informações as quais acessamos sempre que precisamos dar um salto profissional ou dar ‘o pulo do gato’ pessoal. E as pessoas com as quais nos ligamos e lidamos são nossas grandes fontes de energia, de saber e de sucesso; por isso, é preciso ter cuidado com o networking.
Em cada etapa da vida, de forma surpreendente ou a partir das oportunidades, nossas conexões formam ‘networkings’ emocionantes. Mas, de novo, cuidado com o egoísmo e a indiferença. Há conexões afetivas cujo beneficio está no longo prazo. Não se pode querer aproveitar do outro indiscriminadamente em lucro próprio. Isso fundamenta o isolamento e a solidão.
Em muitas leituras sobre o ‘networking’, palavras como reciprocidade e colaboração surgem como maneira de frear quaisquer transformações de perfil de personalidade de quem se dele utiliza por muito tempo. O benefício deve ser mútuo: mesmo com grande experiência, uma pessoa sempre pode aprender alguma coisa com a outra; uma pessoa sempre deve procurar momentos de relaxamento total de quem precisa ser para ser quem realmente é; uma pessoa sempre deve ter espaços para reencontrar sua essência em ambientes e pessoas afetivas e sorridentes. Filosofia? Ilusão? Sei lá... Mas bom demais!
Nós conhecemos muitas pessoas, mas de acordo com nossos desejos presentes ou futuros, é preciso aliá-las às pessoas certas e convenientes. As competências são necessárias, mas as habilidades para fortalecer essas competências (espaços, status e/ou pessoas) são fundamentais. Todos nós precisamos encontrar pontos de referencias ou nos introduzir em grupos que, potencialmente, nos deem indicações. Só que é preciso conquistar e manter sem deixar rastros de mágoas desnecessárias ou inconsequentes.
Quem faz ‘networking’ não pode perder a atenção quanto aos seus contatos presentes e passados. É uma rede de pessoas para potenciais trabalhos e afetos? Sim! Mas também é uma rede de pessoas com sensibilidade e expectativas. Foco, atenção e cuidado faz do ‘networking’ uma ação de qualidade. Tudo dependerá, então, da aptidão social e afetiva de alguém dentro dos links que for atraindo ao seu cotidiano. É um pacto quente com a vida, logo é preciso ser eficiente na construção de relacionamentos interpessoais. Só vivemos o presente. O futuro é pura suposição.
Segundo administrador de empresas e palestrante Max Gehringer, networking é "uma questão de paciência e não de urgência". Na urgência, as perdas são maiores e mais graves; e o preço das coisas e/ou das pessoas torna-se mais importante que seus valores.
Parabéns pela vitalidade do networking em sua vida e cuidado com o tempo de imersão em networkings em que preço e valor têm diferenças tênues porque, em certo momento, ainda que com muita gente ou muitos movimentos na vida, pode-se deparar com a aridez e o silencio de uma casa descolorida e/ou de um mundo cheio de magoados.

Profª Claudia Nunes

Referências:
PIERSON, Orville. O networking eficaz: como se relacionar com as pessoas certas para ter o emprego ideal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.



[1] Segundo Pierson (2010, p.15), os ‘insiders’ são as pessoas que tem posições privilegiadas.

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