domingo, 10 de julho de 2016

ENREDO DA PORTELA 2017

Paulo Barros é um profissional que gosta de desafiar a caretice. Em 2016, muitos atribuíram à água jogada na pista pela Comissão de Frente a perda de pontos que poderiam ter dado à Águia o tão esperado reencontro com as vitórias. Pois bem, se falaram mal da água, esperem em 2017 um tsunami, ele tem brincado. O enredo da Portela vai falar de… água: Foi Um Rio Que Passou Em Minha Vida E O Meu Coração Se Deixou Levar.

Em tempos de patrocínios escassos, o carnavalesco emplaca outro enredo autoral: um passeio pelos cursos de água doce, o bem mais precioso do mundo e toda o impulso que deram à humanidade, a religiosidade, manifestações culturais, crenças e lendas em torno deles. É um arsenal riquíssimo para fantasias e alegorias.

A introdução da sinopse, divulgada na quinta (7) por Paulo Barros, o president Marcos Falcon e a comissão de carnaval, permite antever a lógica da narrativa:

O rio inspira os homens. De suas águas, pescam o sonho e o conhecimento, colhem a história e o encantamento. O rio azul e branco nasce da fonte de onde se originam a vida e as culturas humanas. Prima matéria, a água doce está associada aos mitos de criação do universo das antigas civilizações, é a manifestação do sagrado nas religiões e a maior riqueza para as sociedades modernas. A Águia bebe dessa água cristalina em sua nascente, onde brota o bem mais precioso criado pela natureza. No berço do samba, o pássaro abençoa a passarela, leito do rio da Portela. Segue recolhendo a poesia de muitos outros rios, enquanto mantém o seu rumo. Atravessa a Avenida, lavando a alma de quem deseja ver o rio passar, saciando a sede de vitória, irrigando de alegria o povo que habita a beira do rio. Suas águas purificam o corpo, afogam a tristeza e renovam as forças a cada alvorada. Convida a conhecer seus mistérios, cruzando aldeias e povoados, cidades e países distantes.

O rio é velho e por ele correm muitas histórias, porque sempre esteve ali a guardar os segredos das águas que deram origem ao mundo. O rio é novo porque está sempre em movimento e nunca passa duas vezes pelo mesmo lugar. O rio não pode voltar. Ele segue em busca do seu destino. Nasce como um fio d’água, calmo e sereno, e continua para receber muitas contribuições em seu curso. Enquanto cresce, irriga e fecunda as margens de onde se colhe o alimento do corpo e da alma. Avança sobre a terra e não se deixa vencer pelas pedras que encontra no caminho. Passa inspirando canções e poemas, linhas e formas sinuosas. Em sua exuberância, desfila entre matas, plantações, casas humildes e mercados, do interior até chegar às grandes metrópoles e receber as imensas construções fincadas em suas margens. O homem e o rio estão ligados pelo corpo e pelo espírito. Os artistas, músicos e cantadores, arquitetos e escritores incorporam a alma do rio e refletem suas imagens. Aqueles que se entregam à devoção e murmuram suas preces, pedidos e promessas fazem procissões e oferendas, agradecidos pelos desejos atendidos. O homem tira a vida do rio. A vida é como um rio que corre em direção ao seu destino.

Dá pra perceber que não se trata de uma mera “volta ao mundo em 80 rios”. O desfile começa pela constatação de que a água é origem da vida e a Águia bebe dessa fonte para fazer sua viagem por esse “universo”. Em seguida, aborda-se a importância dos rios para as civilizações, desde as primeiras técnicas de irrigação, até sua mistura de ciência e mitos.

Os mitos abrem a porta para falar dos seres do Rio, a Iara, a Boiuna (cobra dos olhos de fogo). Esse setor lembra a importância dos aguapés para filtrar a poluição, mas também podem esconder criaturas bem reais, como o crocodilo.

Essa menção à poluição nos joga de volta ao real, pelas vidas que giram em torno do rio. Do zum zum das lavadeiras, dos mercados abastecidos pelos barcos. O final desse setor nos joga de volta para o imaginário para falar da Alma dos Rios, dos sons e poemas inspirados pelas águas.

A tristeza expiada pelo soul Americano promove, por meio da música, o encontro com as águas portelenses do último setor, batizado de “Meu Coração se Deixou Levar”. Os cânticos de fé, as barqueadas, os cultos dos negros brasileiros que fazem a Águia aterrissar de novo na Sapucaí. O rio azul e branco, imortalizado por Paulinho da Viola  nos anos 1970 e comparado a uma religião por Clara Nunes, em um de seus maiores sucessos, Portela na Avenida.

Paulo Barros contou na divulgação da sinopse que este foi um enredo que fluiu naturalmente (com trocadilho!) e ele parece empolgado. Falcon, o presidente, afirmou que a Portela está se preparando em todos os segmentos para não perder os décimos que lhe faltaram para o título em 2016. O enredo promete colaborar para um desfile de escola que não tem medo de vencer.

Momento da Saudade


Essa não é a primeira vez que a Portela fala de água. Em 1981, a Águia de Madureira levou para a Sapucaí o enredo Das Maravilhas do Mar Fez-se o Esplendor de Uma Noite. O samba-enredo era então uma paixão nacional e este, em especial, uma coqueluche. Na época, os desfiles não tinham a organização quase militar de hoje. Tanta gente invadiu a pista pra sambar com a Portela que a escola desfilou espremida. O carnavalesco desenhou os chapéus das fantasias com o mesmo padrão, para dar a ilusão do mar azul e branco. A Águia acabou em terceiro lugar naquele ano.

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