Paulo Barros é um profissional que gosta
de desafiar a caretice. Em 2016, muitos atribuíram à água jogada na pista pela
Comissão de Frente a perda de pontos que poderiam ter dado à Águia o tão
esperado reencontro com as vitórias. Pois bem, se falaram mal da água, esperem
em 2017 um tsunami, ele tem brincado. O enredo da Portela vai falar de… água: Foi
Um Rio Que Passou Em Minha Vida E O Meu Coração Se Deixou Levar.
Em tempos de patrocínios escassos, o
carnavalesco emplaca outro enredo autoral: um passeio pelos cursos de água
doce, o bem mais precioso do mundo e toda o impulso que deram à humanidade, a
religiosidade, manifestações culturais, crenças e lendas em torno deles. É um
arsenal riquíssimo para fantasias e alegorias.
A introdução da sinopse, divulgada na
quinta (7) por Paulo Barros, o president Marcos Falcon e a comissão de
carnaval, permite antever a lógica da narrativa:
O rio inspira os homens. De suas águas,
pescam o sonho e o conhecimento, colhem a história e o encantamento. O rio azul
e branco nasce da fonte de onde se originam a vida e as culturas humanas. Prima
matéria, a água doce está associada aos mitos de criação do universo das
antigas civilizações, é a manifestação do sagrado nas religiões e a maior
riqueza para as sociedades modernas. A Águia bebe dessa água cristalina em sua
nascente, onde brota o bem mais precioso criado pela natureza. No berço do
samba, o pássaro abençoa a passarela, leito do rio da Portela. Segue recolhendo
a poesia de muitos outros rios, enquanto mantém o seu rumo. Atravessa a
Avenida, lavando a alma de quem deseja ver o rio passar, saciando a sede de
vitória, irrigando de alegria o povo que habita a beira do rio. Suas águas
purificam o corpo, afogam a tristeza e renovam as forças a cada alvorada.
Convida a conhecer seus mistérios, cruzando aldeias e povoados, cidades e
países distantes.
O rio é velho e por ele correm muitas
histórias, porque sempre esteve ali a guardar os segredos das águas que deram
origem ao mundo. O rio é novo porque está sempre em movimento e nunca passa
duas vezes pelo mesmo lugar. O rio não pode voltar. Ele segue em busca do seu
destino. Nasce como um fio d’água, calmo e sereno, e continua para receber
muitas contribuições em seu curso. Enquanto cresce, irriga e fecunda as margens
de onde se colhe o alimento do corpo e da alma. Avança sobre a terra e não se
deixa vencer pelas pedras que encontra no caminho. Passa inspirando canções e
poemas, linhas e formas sinuosas. Em sua exuberância, desfila entre matas,
plantações, casas humildes e mercados, do interior até chegar às grandes
metrópoles e receber as imensas construções fincadas em suas margens. O homem e
o rio estão ligados pelo corpo e pelo espírito. Os artistas, músicos e
cantadores, arquitetos e escritores incorporam a alma do rio e refletem suas
imagens. Aqueles que se entregam à devoção e murmuram suas preces, pedidos e
promessas fazem procissões e oferendas, agradecidos pelos desejos atendidos. O
homem tira a vida do rio. A vida é como um rio que corre em direção ao seu
destino.
Dá pra perceber que não se trata de uma
mera “volta ao mundo em 80 rios”. O desfile começa pela constatação de que a
água é origem da vida e a Águia bebe dessa fonte para fazer sua viagem por esse
“universo”. Em seguida, aborda-se a importância dos rios para as civilizações,
desde as primeiras técnicas de irrigação, até sua mistura de ciência e mitos.
Os mitos abrem a porta para falar dos
seres do Rio, a Iara, a Boiuna (cobra dos olhos de fogo). Esse setor lembra a
importância dos aguapés para filtrar a poluição, mas também podem esconder
criaturas bem reais, como o crocodilo.
Essa menção à poluição nos joga de volta
ao real, pelas vidas que giram em torno do rio. Do zum zum das lavadeiras, dos
mercados abastecidos pelos barcos. O final desse setor nos joga de volta para o
imaginário para falar da Alma dos Rios, dos sons e poemas inspirados pelas
águas.
A tristeza expiada pelo soul Americano
promove, por meio da música, o encontro com as águas portelenses do último
setor, batizado de “Meu Coração se Deixou Levar”. Os cânticos de fé, as
barqueadas, os cultos dos negros brasileiros que fazem a Águia aterrissar de
novo na Sapucaí. O rio azul e branco, imortalizado por Paulinho da Viola
nos anos 1970 e comparado a uma religião por Clara Nunes, em um de seus
maiores sucessos, Portela na Avenida.
Paulo Barros contou na divulgação da
sinopse que este foi um enredo que fluiu naturalmente (com trocadilho!) e ele
parece empolgado. Falcon, o presidente, afirmou que a Portela está se
preparando em todos os segmentos para não perder os décimos que lhe faltaram
para o título em 2016. O enredo promete colaborar para um desfile de escola que
não tem medo de vencer.
Momento da Saudade
Essa não é a primeira vez que a Portela
fala de água. Em 1981, a Águia de Madureira levou para a Sapucaí o enredo Das
Maravilhas do Mar Fez-se o Esplendor de Uma Noite. O samba-enredo era então
uma paixão nacional e este, em especial, uma coqueluche. Na época, os desfiles
não tinham a organização quase militar de hoje. Tanta gente invadiu a pista pra
sambar com a Portela que a escola desfilou espremida. O carnavalesco desenhou
os chapéus das fantasias com o mesmo padrão, para dar a ilusão do mar azul e
branco. A Águia acabou em terceiro lugar naquele ano.
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