quinta-feira, 15 de abril de 2010

Culpada? Nossa eterna ATARAXIA!


Depressão é nosso ‘mal do século’! Nós desconsideramos nossas limitações e diante de um susto como as últimas chuvas no Rio de Janeiro, ficamos frente a frente com nossa imensa fragilidade. Para além do corpo, encaramos a certeza de uma fragilidade com muitos adjetivos: social, política, psicológica, comportamental. É triste... Foi triste... Está sendo aterrador...

Segundo Manzano (2010), o filósofo Pascal inicia uma busca entre emoção e razão, mas, na prática, o que vimos e o que vemos é uma profunda indiferença, um profundo descaso sobre a Natureza e seus desígnios, por princípio. Mantemos um olhar firme sobre os próprios pés e afins. Caminhamos acreditando que conceitos como ética, moral, verdade, cuidado e respeito não têm praticidade e nem trazem bens materiais ou conforto financeiro. Daí não prestarem para nada. Logo, em nossa pretensa ação de visibilidade procuramos o estrelato e não qualquer aglomerado de asteróides.

Diante de nosso raciocínio plasmamos em nossa genética a idéia de que temos (ou podemos ter) respostas para tudo porque tudo só existe a partir da nossa existência. É muito abuso! Com essa idéia, cada vez menos nos sensibilizamos ou exploramos nossa inteligência a serviço da cooperação, colaboração ou solidariedade no cotidiano.

A sociedade em geral reclama das desigualdades. Os detentores do poder político discursam textos amplamente subjetivos. As instituições mais importantes como família e religião apresentam-se com diversos antolhos. Logo, no barco que nos carrega pela vida, estamos seqüestrados de atitudes transformadoras do real porque nos falta ferramentas como articulação, reflexão, entendimento, conhecimento e pensamento sobre passado, presente ou futuro das próprias comunidades e da sociedade.

Como aconteceu ao Titanic, a humanidade imerge num grande caos com velocidade. Não há nada previsto por Nostradamus ou no Apocalipse, não se enganem, sofremos as conseqüências das ações da própria humanidade e o melhor que podemos fazer é nos aterrorizar e entristecer diante dos acontecimentos. Manzano (2010) afirma que ‘nunca se desprezou tanto a questão afetiva’ e ele tem razão. Até nossas doenças tomaram outros rumos e ganharam novas nomenclaturas, como depressão, síndrome do pânico etc. No bojo disto ainda convivemos com ‘friezas, superficialidade nas relações interpessoais, estresse’, o que, de acordo com Manzano (2010), são ‘sinais de uma sociedade doente emocionalmente’.

Por que será? Porque nos percebemos ao relento de qualquer qualidade de vida. Porque fomos obrigados a assumir nossa incompetência organizacional. Porque estamos sendo ceifados da Terra às dezenas a cada minuto do relógio. Desta forma, ‘as pessoas, cada vez mais se isolam e se sentem cada vez mais sozinhas’. Desta forma, só as hecatombes (terremotos, aguaceiros, avalanches, por exemplo) nos despertam de um crescente ‘embrutecimento e insensibilidades atuais’ e nos convocam a reconhecer a presença do Outro como um ser em necessidade e/ou como espelho de nossas próprias incapacidades.

Quando fomos iluminados por uma genética que nos fez pensar, solucionar problemas e criar; quando fomos presenteados com habilidades mutantes e competências híbridas em meio às tantas relações/redes que construímos; também deveríamos entender (e aceitar) que somos incompletos, inconstantes e que ainda não chegamos ‘ao ápice de nosso desenvolvimento’. Esta seria nossa atitude de sucesso/salvadora, porque envolveria ‘o reconhecimento de nossa limitação’ e nos ajudaria a ‘repensar nossa existência’.

A sensibilidade de hoje é inócua, desculpem. Ela será sobrepujada (já está sendo) por novos dias com mais sol, seguidos de novas (outras) notícias como Copa do mundo, Olimpíadas, Eleições, Corrupções, assassinatos torpes dentro outros. Neste ínterim, as comunidades atingidas abruptamente pelas avalanches de terra continuarão soterradas em problemas e por promessas ambíguas ou irrealizáveis, porque aproveitando Manzano (2010), estamos nos renovando dentro de um estoicismo exacerbado, ou seja, dentro de uma ‘grande indiferença quanto aos diversos problemas da vida, o que eleva a grandiosidade do homem, que uma vez pautado pelo seu lado racional, pode se sentir ileso a qualquer problema de vida’. Então, ‘o máximo que temos é uma relativa comoção que não se aprofunda’ porque seu acontecimento tem limites.

Em tempos de religações intensas com o astral, os deuses ou Deus, a culpada das nossas mazelas pode ser nossa indiferença (‘no grego, chamado ataraxia – ausência de preocupações, impertubalidade’). Descartamos do processo o entendimento e solução dos problemas, a emoção, como se esta pudesse nos levar a recantos e situações sem perdão.

O estoicismo e Rene Descartes criaram uma marca profunda em nossa massa encefálica e em nossa memória: de um lado, a razão; de outro, a emoção. Com isso ‘esfriamos a cabeça’, tendemos a acreditar que sucesso e conquista acontecem quando ‘colocamos a cabeça no lugar’. Uma pena..., pois, com isso nos desconectamos da verdadeira solidariedade, aquela que se faz todo dia, aos poucos, mesmo aos desconhecidos e sem olhar a quem.

O jogo de desvalorização da vida precisa ter um fim. Tanta racionalidade, criatividade, tecnologia, leis e ainda menosprezamos todo e qualquer capital intelectual e humano instalado ao nosso lado todos os dias. Há um ‘mecanicismo no qual os próprios seres humanos caíram’ e agora não há escadas para voltar, tendo em vista que ‘nunca se acreditou tanto na superioridade do homem’.

Diante dos fatos ocorridos em São Paulo, Santa Catarina, Rio de janeiro e, agora, Salvador (além do Haiti e China) observou-se o quão de lado estão os homens, seres humanos, que não tiveram a oportunidade de desenvolver o mínimo de sua capacidade racional; e, por conseguinte, mesmo com tantos avanços, o quanto a humanidade não se superou em termos de ‘problemas básicos, como a fome, o analfabetismo, a distribuição desigual de renda entre outros’.

O que se grita, no século XXI, é por equilíbrio, ou algo que, pelo menos, funcione como referência tranqüilizadora às diferentes populações; algo que alcance a imaginação coletiva como zona de conforto em situações de revés, por hábito. Eu acredito que este algo seja o ACESSO. Acesso com mínimos limites ou recortes. Acesso à informação, aos direitos, á cultura e lazer, aos estudos, à saúde. E, principalmente, por agora, o acesso á morte e moradias dignas e sem estampamentos nas páginas dos jornais.

Estou chateada. A humanidade fede!

Referência:
MANZANO, Rodrigo dos Santos. Por um resgate da sensibilidade. Filosofia, Ciência & Vida, nº 45, ano 2010, p. 18-26.

Profa Ms Claudia Nunes

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