sexta-feira, 2 de abril de 2010

ALBERTO e sua memória

Num congresso de neurociência, Alberto aguardava ansioso seu horário de apresentação. Anos de estudo, vários livros, e agora sua apresentação. Por causa de sua avó materna, tornou-se um estudioso da perda da memória humana. Suas mãos estavam geladas. Olhava ao redor e se deparava com suas referencias bibliográficas. Seria ilusão? Aquele espaço era seu? Não tinha mais família. Dependia emocionalmente de sua maritaca a mais de 14 anos. Nos dias do congresso, teve encontros estonteantes: muitas novidades em sua área, porém nenhuma mulher em sua cama. Na juventude foi chamado de nerd, mas agora perdera o sentido. Afetivamente seu cérebro escolheu um foco: o desenvolvimento mnemônico científico. Aprendera que por tentativa e erro, a possibilidade de acertos crescia em progressão. Mas diante da porta do auditório, sentia dores mentais: era um ser invisível ao gosto feminino. Outra dor: o trauma desta descoberta. Múltiplas regiões de seu cérebro são alcançadas por feixes altamente nervosos, afetando a circulação e o funcionamento do sistema nervoso. Alberto treme. Alberto tem taquicardia. Alberto suspira profundamente. Alberto precisa descansar. Perto, um banco salvador. Ele ainda tem alguns minutos. Que sintomas são esses? Sua cervical está latejando. Seria isso (des)paixão? O tempo não lhe dá permissão para se superar e, na véspera da prazer, ele vive um tormento. Devia experimentar mais? Devia SE experimentar mais? Não sabe... Há modelos que possa seguir? Modelos devem ser seguidos? Não sabe... Diferente dos seus camundongos do laboratório, ele não se recupera facilmente do choque. O que comera de manha? Seu professor dizia "uma dieta rica em gordura e baixa em carbohidratos afeta qualquer taxa de recuperação!' Será isso o que acontece com ele? Ele precisa de tempo. Ouve os aplausos no auditório. Sua vez está próxima. Como acalmar a respiração? Ele não podia estar descomposto agora. Ele não podia se descompensar agora. A porta se abre e um brilho absurdo atinge seus olhos. De um lado, um auditório lotado; de outro, de passagem, as mulheres da sua vida. O que fazer? Tal e qual as células-tronco, ele está isolado, o que evita o surgimento das sensações desagradáveis do amor, do afeto e do carinho. Levanta vagarosamente. Lembra do tanto de alunos e professores ansiosos por ver o ‘filho pródigo’. Sem perceber, sua recuperação se realiza pela própria plasticidade neural da medula. Pela corrente sanguínea, um manancial de células, responsáveis por múltiplos movimentos compensatórios do organismo, adicionam mais coerência às suas emoções. Alberto se levanta e experimenta sorrir. Uma atendente, a muito e ao longe observando aquela figura de movimentos estranhos, em frente a porta do auditório, se aproxima delicadamente e segura sua mão com coragem: "Podemos?". Noradrenalina direto no corpo. Sem olhar para o lado, Alberto aceita a reorganização das suas redes neuronais, em meio às suas memórias a tanto tempo estocadas e cujos teores reverberam em uma felicidade corporal intensa. Abrem-se as cortinas e o amor diz sim a uma vida plena. Aplausos...

Profa. Ms. Claudia Nunes

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