sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

INSENSATO CORAÇÃO

Embora se faça presente de todo jeito, o amor acabou... Embora o choro tenha sido compulsivo, o amor acabou... Embora o tempo traga muitas idades, o amor acabou... Novas direções podem ser escolhidas para viver as permutas do amor: a profissão, a independência, a autoestima, o reconhecimento. Ainda assim tudo isso é parte de um todo esperado, incerto, incompleto.

Sem amor, mesmo transmutado em muitos nomes, a vida é um conjunto de sombras cheias de potencial. Na mesa da boate, diante de um copo límpido de vodka, ela treme com o som potente: ‘não quero pensar!’, ela se diz. Ela rodopia o líquido do copo com o dedo, no fundo de um salão, acima da pista de dança. A cada volta, em cada brilho mais forte, ela se procura, procura uma idéia de felicidade, algo retome sua vida como gostava... como se acostumara...

Ao seu redor, observa o que chamam de emoção, tesão e sedução. Tal e qual as tribos indígenas e seus rituais bacantes, o que ela vê são corpos procurando formas de encontro ininterruptas com muito prazer. O que ela está fazendo ali? Ora, ela também quer um encontro que modifique o que lhe aconteceu. Ela quer o ‘por dentro’ dos sentidos, o ‘por dentro’ de seus vales emocionais atingidos por uma realidade impensada: de novo, ela está sozinha...

Ela não vê as cabeças dançantes, ela vê membros e olhares se tencionando na antecipação do toque mais ‘por dentro’, sem seleções bobas. Ela vê a ocorrência do prazer. Mas o amor acabou... Mas seu amor acabou... Sua luta não tem mais sentido. E agora? Ação ou reação? Anos acreditando em análises, compreensões, silêncios e promessas para, hoje, ter apenas uma rua vazia e mal iluminada para voltar. Nada tinha mais controle e sua inteligência evaporou-se: ela estava em um projeto ‘solo’ novamente...

Na madrugada da boate, o reflexo da vida: turbilhão de desejos, carinhos, frustrações, amizades, descasos, perdas, diferenças sem parada para o raciocínio ou a lógica. Ali e aqui se instala o atemporal cuja ação é não distinguir o que é real e o que é criado pelo pensamento confortável: ‘o que farei de mim amanha?’ e seus olhos acompanham os malabarismos dos abraços sem fim.

Nova volta dos cubinhos de gelo no copo e a música não irrompe em seu coração porque uma certeza fez morada e assumiu o controle de suas emoções. Ela está cansada, mas a certeza lhe ‘alimenta’: ‘ele foi feito para mim! Ele foi feito para mim!’ Seis meses antes, um telefonema: ‘nossa relação acabou!’. Em casa, a respiração fugiu do comum: ‘como assim?’. A ligação foi cortada.

Desnorteada, ela foi a um parque de diversões: ‘eu quero minha alegria de volta!’ gritava ‘por dentro’ e em cada passo. Ela se senta junto à barraca do mágico, olha o alvo dos dardos, fecha os olhos e vai até suas emoções com muita garra. A liberdade forçada quanto à relação, os desrespeitos verbais, as traições antes e agora, dizem apenas que ele perdeu o controle, sujou seu caráter, tem desvios de comportamento e não a quer. Porém (ela se diz), não dizem que a relação é ruim ou que não pode sobreviver a tudo: ‘eu tenho pena dele, coitado...’.

De repente, está de volta aos cubos de gelo, lá está sua ordem, solidez e clareza sobre sua certeza e são suas tábuas de salvação. No guardanapo, embaixo do copo, um plano de construção: ‘quando ele retornar, eu serei diferente, mais amiga, parceira, compreensiva, afinal é disso que ele mais precisa’. A batida da música segue não a deixando pensar. Ela fecha os olhos, sonha e suspira: ‘nossa cama, nossas pernas, nossas bocas, nossas aventuras um no outro... esse mundo é meu!

Ao lado um casal se beija profundamente e seu corpo se arrepia: ‘eu tenho saudade!’ A palavra não sacrifica sua certeza. A ação não arranha o seu sonho: ‘ele vai voltar para mim!’. Os casais mudam, o homem sai e vem outro; noutro momento, a mulher se retira e logo surge outra. As formas de vida se transformam, mas o casal nunca deixa de estar composto. Diante dela, a loucura da conquista com a ‘espetacularização’ dos beijos: ‘ eu não sei fazer isso... eu não preciso fazer isso...’. Sua certeza não aceita mudanças aceleradas. Sua certeza conforta, esquenta, fixa o sonho numa base forte e duradoura: ‘duradoura? Isso! Isso é muito bom!’.

Já no terceiro copo de vodka, ela chora, se sente atropelada pelo passado. Sua certeza está prensada no canto da imaginação. Já em cima da mesa, tem a língua solta, os ‘chakras’ abertos e as divindades ao redor explorando recantos numa ebulição intensa e interior: ‘ela é mais... ela precisa de mais... ela pode mais!’ Diante de anos de contenção, hoje ela precisa da maior erupção que conseguir e o primeiro estágio é o descontrole emocional, é a descompostura social.

As músicas lhe atravessam enfim e começam a ter sentido em seu corpo, mãos, sorriso e vontades. Sai da mesa, atravessa o salão e, eletrizada pela descoberta de si, escolhe e beija vorazmente seu primeiro olhar. É uma loucura, mas há muito tempo ela não sentia a beleza de mãos e boca tentando lhe conhecer e aspirar. Tudo é forte e vigoroso, e ela está ali plena de sua escolha e de seu momento. Ela se esvazia, se areja, se despe, se sente atravessada pelo mundo dos sentidos sem pudor. Quando o tempo passa, ela agradece, nega seu telefone, paga sua conta e vai pegar seu carro. Ela não se vingou, ela se experimentou no desconhecido e se sentiu maravilhada. Seus passos são trêmulos porque não quer saber o que fez, ela sente o que fez, e isto intensifica as cores da realidade e de quem ela pode ser sempre ou quando quiser. Ardor e esperança são suas parceiras de noitada.

Uma música interfere no fio da navalha do prazer, seu fio de prata com o futuro é cortado, é o celular: ‘amor, onde você está?’. Enregelada em fração de segundos, ela responde: ‘Onde você me quiser...’.

Profa. Ms. Claudia Nunes

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