quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

LOST e nossa humanidade

Não sei se há mesmo uma onda ‘Lost’, mas sei que milhares de pessoas em diferentes países aguardam o ‘grand finale’ desta série de televisão. O trabalho montado para atingir o imaginário dos telespectadores foi muito inteligente e partiu do princípio de que, em todos nós há um pouco de detetive e de medo, diante de um grande segredo ou de uma situação complexa. A atenção gira em torno das relações iniciadas numa ilha deserta, após um grave desastre aéreo e de quando seriam, por fim, resgatados. Dois grupos de passageiros são jogados em cada ponto da ilha e precisam sobreviver enquanto ‘o socorro não vem’. Tal e qual a história de Robinson Crusoé, na solidão de um lugar sem as regalias das cidades modernas, todos se vêem frente a frente com seus próprios medos e tendo que reorganizar seus cotidianos junto a desconhecidos, o mais rápido possível. Não é uma tarefa fácil até porque a ilha surge como outro personagem independente, cheia de mistérios, atividades e seres estranhos. Como a mente das pessoas é atingida diante de tal situação? Depois do susto, a realidade que se instaura destrói, aos poucos, conceitos, certezas e formas de vida anteriores. A questão maior é a sobrevivência de si e de todos. Semelhante a uma mudança radical de comportamento pessoal ou profissional que demande intensas superações por sobrevivência, o psiquismo dos sobreviventes acorda para um mundo, cuja manutenção de si mesmo deve ser ‘custe o que custar’. Os outros são os outros e por isso vêm depois, mas intensificada está o processo de adaptação. Levanta-se outra questão: é possível estabelecer novas conexões com o real, dentro de uma performance de ‘lobo solitário’ humano? Embora em certos momentos acreditemos que seja uma das melhores opções na vida, não se pode encarar a dinâmica social sem o Outro. Ainda que diante de uma situação de exceção, somos seres cuja combinação genética e interativa nos fez/faz respirar todos os dias em conjunto. Ou seja, o Outro é nosso outro ‘eu’, produtor de nossas maiores ponderações, equilíbrios e reflexões sobre a (nossa) vida, como transferência. É uma gripe social que necessita anestésicos, analgésicos, antibióticos e muitos banhos purificadores. Com este entendimento, mais do que respostas aos segredos da vida ou ao final de ‘Lost’, nos reinventamos por nossos questionamentos e dúvidas, cujo ponto de partida é o seguinte: ‘na dúvida, siga os instintos’ ou, como diria minha avó, ‘na dúvida, siga o coração’. Seria isso incentivar uma alucinação coletiva ou as benesses dos sonhos? Como em ‘Lost’, a expectativa é sobre o fim deles ou nossos. ‘Ainda que vaguemos pelo vale da sombra da morte’, nossas histórias têm um sentido que, entre diferentes rascunhos e roteiros, pode mudar constantemente, dependendo do quanto nos emocionarmos. A arena da realidade exige o tempo todo de seus personagens, inteligência, força, criatividade e muito amor, de forma que, em cada transformação interior ou inserção de um novo personagem, haja amarrações bem feitas nos sentimentos e pensamentos. Caso não seja esse o compromisso, a solução está no distanciamento ou na morte. ‘Lost’ ou ‘Perdidos’ recupera o ser humano em seus sigilos, sua honra, sua animalidade, sua candura e sua solidariedade porque não há mais os véus dos hábitos e/ou dos costumes. O desastre de avião é um desapego compulsório. Os reversos da vida são motores da (re)valorização do simples, belo e objetivo na vida. Diante do inusitado e da perda total de uma identidade espacial, e se rejeitadas estão suas formas de subterfúgio, ilusão, escape e defesa, o homem pode tornar-se o objeto da promessa de vida. Em tempos ‘inumanos’, a humanidade (e os personagens de ‘Lost’) é temperada com a dor da solidão e da restrição numérica. Será o futuro delineado por ‘Matrix’? Será a percepção da presença de outra dimensão real? Tanto em ‘Lost’ como no contexto atual do que melhor nos valemos é de nosso cérebro reptiliano (primitivo) cuja impulsividade e reatividade reafirmam nossa possibilidade de sobreviver na terra, apesar de qualquer coisa. Pode-se viver num castelo, mas este deve ser transpassado, vez por outra, por ventos arejadores e organizadores de idéias, decisões e emoções em prol também do Outro. Janelas e portas abertas para a aventura de viver e conviver, mesmo obrigados pelos ‘abracadabras’ da vida. Segundo William Irwin, em seu livro ‘Lost e a filosofia’, nossa dimensão tem o concurso dos opostos e deve priorizar:
L = Love;
O = origem;
S = sobrevivência;
T = transformação.


Profa. Ms. Claudia Nunes

Nenhum comentário:

Nada nunca é igual

  Nada nunca é igual   Enquanto os dias passam, eu reflito: nada nunca é igual. Não existe repetição. Não precisa haver morte ou decepçã...