Sábado à noite. Um dia casual de céu limpo e muito azul. Acordo um pouco ansiosa: tenho dois eventos festivos e preciso me organizar. O dia está em silêncio, mas minha cabeça ferve: preciso estar em dois lugares quase ao mesmo tempo. Depois do café da manhã, sento para ouvir um pouco de rádio. Estranho não? Descarto meus vícios tecnológicos para escutar um rádio de pilha encontrado numa gaveta do quarto. Eu o experimento e ele funciona perfeitamente. Engraçado o ato de escutar, ato simples, mas que demanda movimentos complexos e seletivos dos sentidos. Em casa tudo é som, porém escutar é selecionar harmonias que me preencham com paz, tranqüilidade e pequenas exaltações. Sentada na cadeira da cozinha, não consigo desligar o rádio e aspiro seus sons e sentidos tal e qual uma liturgia. Escutar é uma solenidade à minha capacidade de sentir algo imaterial. Sem fechar portas emocionais, sou preenchida por uma massa organizada de novas aprendizagens e fortes experiências. A casa não se move com a ação das pessoas e eu me aceito dentro deste tapete mágico sonoro por muito tempo. Pela pele me deixo invadir e aposto: vou viver mais um pouco. De repente o rádio se cala. O mundo profano destrói meu enlevo sagrado e me lembro de que preciso agitar os membros para honrar meus compromissos: as festas, outros momentos em que novas celebrações emocionantes me fariam escutar a música do coração, da amizade e da alegria. Estes pontos me retroalimentam tal e qual as pequenas percepções sensíveis do carinho, aconchego, interesse e confiança dos outros. Estou certa: hoje é um sábado de celebrações importantes! Dia de diferentes festejos ao gosto, aos amigos, às relações, aos ídolos, à energia positiva, às minhas (nossas) manias camaleônicas de viver a vida em busca de amor. Isso! Todos nós estamos em busca de amor, dos festejos do amor incondicional a todos que, minimamente, nos devolvam um sorriso, estendam as mãos e/ou nos reconheçam, em meio à multidão de desconhecidos fanáticos por nossa alegria de ser. Estou pronta: depois da festa de aniversário de um vizinho muito querido, verei, de novo, o show do grupo Celebrare, na Lona Cultural João Bosco, em Vista Alegre. Eu vou celebrar publicamente todo o meu carinho por eles e sua doação de saúde e vitalidade. Eu vou celebrar momentos cada vez mais especiais de reconhecimento e valor. Eu vou celebrar minhas motivações de vida. Eu vou celebrar mais essa oportunidade de estabelecer um ritual de passagem entre o que sou e o que posso ser simplesmente no dia seguinte. Eu vou celebrar a perda do tempo rígido e a fluência desordenada das batidas do meu coração e das minhas potencialidades. Eu vou celebrar a perda paulatina das minhas reticências quanto a pegar autógrafo de parte do meu imaginário. Por algum insano motivo, estou na fila dos autógrafos: coragem é um negócio dolorido. Ao redor novas escutas: força, alegria, desejos. Escuto os silêncios das bocas, mas os estopins dos sentimentos. Todos bastante ansiosos. Aos poucos vamos entrando e começo a assumir minha timidez. O que fazer? Falar o que? Só foto? Foto e autógrafo? Só autógrafo? Muitas dúvidas que seguem me travando as pernas e que pensam num desvio de caminho. Estou surda para o som do meu nome. Estou surda para o chamado: ‘Claudinha!’. Estanco, surpreendida: ao chamado do meu nome segue-se um abraço incrivelmente sincero de um (quase) ídolo. Será verdade? Será que mereço? É comigo mesma? Eu não sei, mas uma amiga, certa vez, me disse: em toda relação de amor ou de amizade se não houver ADMIRAÇÃO, não há continuidade, é fácil o desrespeito e o fim é uma realidade. Escuto aquele olhar, aquele abraço, com tamanha pureza, que só tenho tempo de sorrir e torcer para que este seja entendido como correspondente há tanta delicadeza. Hoje, depois de assistir (e estar com) o grupo Celebrare aceito o pensamento de minha amiga por dentro da alma. Ainda não peguei meu autógrafo, mas carrego, por dentro, a alegria forte de uma noite vulcânica e de um abraço sincero e delicado. Sylvia e Celebrare, obrigada por tudo!
O mundo é desconhecido e estou desbravando a mim mesma para aceitar o mundo como ele é. Como professora (Estado), Tutora em cursos de EAD, Revisora de Material Didático e MESTRE em Educação (UNIRIO), estou seguindo a vida fazendo o que gosto, como gosto e com quem gosto muito. Escrevo e publico textos para me esvaziar de mim e poder aceitar o Outro como vier. De resto meu vicio é o mundo virtual, ainda que eu nao seja dissimulada. Mutante? Isso! Eu gosto de ser mutante!
domingo, 27 de março de 2011
LIBERTAÇÃO
Enfim o divórcio. Ele era carinho e agradável, mas sumiu. O amor dedicado sumiu. Depois de 05 anos de casada, a casa ficou em silencio. Depois do trabalho, Sura imaginava: ninguém em casa. Sem filhos, tinha como parceiras as ausências e a solidão. A vida girava sem se importar com seu coração, sua pele ou seus desejos. No banco do ônibus, um pensamento: ela não sabia fazer escolhas. Um som a distrai: marchinhas de carnaval. De janelas e portas fechadas, o mundo teimava em invadi-la. Músicas antigas, emoções novas. Sura não podia acompanhar: estava sem fantasia e descascada das capas sociais e emocionais mais confortáveis. Sura só podia imaginar: sua paixão de 05 anos evaporou-se pelos dias. Sem justificativa, ela se ausenta da própria presença e se inspira: sou um vento sem cheiro! Sua alma esvoaça e procura espaços mais iluminados. Sua alma procura mergulhos renovadores em qualquer lugar. Sura se perde e está feliz. Como ser inconquistável, ela mergulha nas harmonias musicais com prazer. Há um medo crescente e contagiante: Sura fugiu e se derramou nas esquinas da cidade com figuras humanas histriônicas. Mas Sura está bem: dentro do rebanho humano, seu corpo está oferecido às fantasias da liberdade.
SUSTO...
É dia do aniversário de Leandra. É um dia de benção, de mistérios, de magias, de energias. Leandra é do signo de Leão. Ela não se importa com isso. Mas todos afirmam: leonina nata. Ela se levanta, prende os cabelos, toma banho e já pensa em suas atividades do dia. É seu aniversário! Um novo ano se acabou e ela tem objetivos, não sonhos. Seus objetivos servem de guia para suas atitudes e sua realidade. Sonhos são românticos demais. Nunca foi ‘desantenada’, nunca se deixou levar pelo caos, nunca se colocou em posição ambígua: ela se formava por certezas. Pronta, pega as chaves do carro e começa a dirigir pela cidade. O caminho é o mesmo. Os telefonemas são iguais. No ponto do ônibus, as mesmas pessoas. Por quê? Será que sonham? O sinal de trânsito está amarelo. Ela trava. Atenção? Que susto! Seu corpo não obedece mais. Seu olhar está apavorado. Atenção a quê? Ela sente que cometeu um erro. Seu senso de responsabilidade foi fissurado. Mas o que aconteceu? No ponto de ônibus, não há mais ninguém. Está com taquicardia. Não é justo! Ela precisa de explicações. Sua vida parou. Sem perceber o mundo começa a se distorcer. As cores se misturam. Os objetos se juntam. E ela não sabe mais onde está. Será isso tudo um sonho? Não há mais nada material ao redor, só um borrão imenso que arrepia sua pele intensamente. Será loucura? Será doença? De uma caixa de lixo, voam penas e plumas de todos os tipos. Ela escuta as buzinas dos outros carros, mas está atraída pelo vôo das penas em toda parte. Ela está tremula, suando, sem memória e sem sentido. De dentro do carro, uma musica estampa seu corpo apaixonado: Leonardo!
O GOZO DA VIDA
Um orgasmo é o obscuro objeto do desejo de toda mulher. Um real orgasmo que a faça libertar o corpo ao prazer de ser mulher. Mas Amanda ainda não tivera essa sorte. Na adolescência, lera muito sobre isso. Na vida adulta, fingira muito mais. Homens e mulheres tentaram demais, mas ela ainda estava pura. Sua transformação interna fora muito precoce, 12 anos. Mas partilhar espaços para o sexo incluía o outro como mero detalhe. As emoções eram intensas, mas o gosto do fim era desconhecido. Ela não sabia. Os outros não a entendiam. Suas relações eram por curiosidade. De manha, ela se arrumou para uma corrida diurna num parque de diversões próximo de casa. Animada, tomou seu suco e saiu. Em algum lugar o mistério do orgasmo teria um fim. Ela era jovem e ‘desencanada’. O tempo passa e Amanda se torna amante dos seus mil encontros: era a sua forma de busca. Sem residência fixa, seu desejo se tornava mais difícil de localizar. Ela e o mundo eram voláteis, errantes e clandestinos. Um dia, em frente à TV, percebe movimentos no quintal. O medo lhe inspira: um desconhecido está ao seu redor. Sozinha aguarda... Não respira, suspira por partes. Alguém quer entrar em sua vida pela porta dos fundos. Sua mente se transborda em caos. Como será isso? Como acontecerá? Está desorganizada. Novo barulho, agora na porta de frente. Ela sabe que sua casa está trancada. Ela prima pelas minúcias. Quem será? Seu coração perdeu o ritmo. Um estampido faz com que grite absurdamente. Silencio! E agora? No escuro, os fantasmas crescem muito. A noite passa e ela, tímida e solitária, está bloqueada aos novos ares. Ainda o silêncio... Seus olhos se abrem. Uma luz intensa surge e projeta imagens eróticas. O que é isso? Será seu imaginário lhe pregando uma peça? O dia nasceu. Ela está molhada... As combinações sensórias da noite passada trouxeram um novo cenário que não se perderá por entre seus dedos: o gozo da vida.
quinta-feira, 24 de março de 2011
Um outro CARNAVAL
Hoje entendi a expressão ‘a ficha caiu’: o Carnaval passou. Hoje, na poltrona nova do meu quarto, releio o noticiário impresso sobre o resultado do Carnaval. Tudo é muito complicado. Antes a cidade tinha como certa a vitória da Beija Flor. Nada demais, afinal o povo é apaixonado por Roberto Carlos (RC). E depois do fogo repentino na Cidade do Samba, muita lenha caiu nessa fogueira: sua maior concorrente, Grande Rio, estava fora do páreo. As intuições / previsões eram várias, mas RC permanecia no pódio e nas apostas. Em meio às falas e ações de superação das escolas de samba atingidas, as análises suspeitavam outras concorrentes: Unidos da Tijuca, Imperatriz e Vila Isabel.
A cidade estava em ebulição sem precedentes. As pessoas contavam nos dedos a chegada dos dias de Momo e dos grandes desfiles. Enquanto isso, todos iam e vinham aos pulos, aos gritos, braços ao alto, vida esquecida, sorrisos marcantes por inúmeras vielas nos vários blocos de rua. O Carnaval é um ritual de passagem importante ao enfrentamento do Ano Novo no Brasil. Em cada percurso, a expansividade promove momentos encantados, divertidos e de muita sensualidade. O clima sustenta uma idéia: liberdade aos corpos e às mentes. Nesta liberdade, nossa mais importante brasilidade: um povo sem diferenças, repressões, recriminação e regras, solto pelas ruas e se sentindo ‘dono do mundo’!
Acordar, nestes dias de Carnaval, é uma aposta diária com a vida, suas surpresas e outros humanos. É verdade que a fantasia e as máscaras se desdobram, se explicitam e protegem, mas toda descaracterização tem limites. Essa é a hora do expurgo sem heranças, lembranças e alianças. A cada bumbo, pandeiro e tamborim batidos, tocados e ouvidos, éticas, normas, costumes e hábitos se eletrizam, enlouquecem e deixam a pele continuamente arrepiada.
No Rio de Janeiro, os blocos garantem o Carnaval popular; clubes, ginásios e casas de show refulguram com gente bonita e de estirpe; e as casas em geral ganham música, vizinhos e muita cor: ‘É Carnaval, o rio abre as portas para folia...’ É Carnaval e o povo adentra as ruas como uma tsunami sem freio. Os dois dias de desfiles das escolas de samba do Grupo Especial agitam a cidade, suas mídias, seus becos, morros e bairros. A defesa da escola do coração é imprescindível e a vitória sempre é certa. Todos se esforçaram muito, fizeram seu melhor e acreditam no sucesso (recompensa). Isto é certo! Mas a vitória só chega para uma delas e o transe é perfeito!
O domingo é tenso: irritante ouvir comentários das ‘famosidades’ na TV sem conhecimento de causa em boa parte do tempo. Se os ‘gringos’ aportam aqui sem roupas, aumentando o nível de prostituição e acreditando que o mundo é Copacabana, tudo bem, mas Carnaval também é cultura, demanda contexto histórico, análises profissionais, informações mais claras e respeito ao telespectador. Mas, diante da distribuição do dinheiro e da reserva de mercado quanto à transmissão, perde o Carnaval, ignora-se o telespectador. Esclarecimentos, explicações e apontamentos síncronos, dentro dos quesitos julgados, são completamente ignorados. Ainda assim, uma exceção: ave Haroldo Costa! E por isso cadê Pamplona? Cadê Maria Augusta? Cadê até mesmo Lecy Brandão, Sandra de Sá ou Dudu Nobre? Estamos diante de uma TV insossa e acéfala.
Os desfiles passam: São Clemente, Imperatriz, Portela, Unidos da Tijuca, Vila Isabel e Mangueira. Carros maravilhosos, detalhes quase perfeitos, cores quentes e originais. Todavia uma pergunta não se cala: por que sempre carros tão grandes e largos? As metragens nunca batem apesar de o sambódromo ter as mesmas medidas sempre, por quê? Carnavalescos experientes esquecem as passarelas de um lado, e as curvas acentuadas, de outro. Carnavalescos experientes jogam destaques cada vez mais alto mesmo sabendo que a base foi construída em ferro exposto ao relento (sol e chuva) por quase 300 dias. Por quê? Por quê?
Bom os seis enredos passam e anunciam: somos ‘cariocas da gema’ sim, com DNAs multicoloridos, acreditando que ‘navegar é preciso’, sem medo, com força na peruca, com muita arte e cultura, porém construímos criatividades e sonhos, estética carnavalesca, sob ferragens e motores velhos e frágeis demais. Num domingo de retumbantes baterias, o povo escolhe suas preferidas: Unidos da Tijuca, Imperatriz e Mangueira. Esta última promove uma ‘paradona’ na avenida de arrepiar e recordável por anos a fio. Em quase todos os setores, ouve-se o grito do ‘já ganhou!’ ou ‘é campeã!’. Desconfio disso. Aprendi a desconfiar da preferência popular. É decepção certa. Tal e qual o prêmio americano Oscar, o melhor nunca vence e ai a sabedoria popular é perfeita: ‘cabeça de jurado e de camarão contém a mesma coisa’.
É noite de segunda-feira. União da Ilha, Salgueiro, Mocidade, Grande Rio, Porto da Pedra e Beija-Flor. Estou na avenida de novo! É noite cheia de lua cheia. O Salgueiro está sozinho na Presidente Vargas: está lindo! Seu vermelho ensangüenta as ruas como um todo e os flashs pipocam por toda parte. Depois da minha ‘águia’ portelense, que carro era aquele? Dava medo e não era da Unidos da Tijuca! Em frente a Candelária, aquele macaco imenso tapava sinos e prendia os olhos. Maravilhoso e angustiante: com 13m20cm, como faria uma curva e entraria num sambódromo de 14m de largura? Renato Laje e companhia não aprendem!
Volto para casa tensa: os carros do Salgueiro são imponentes, brilhantes e altamente sofisticados. Meu coração acelerou: é campeã! O rito do desfile começa. O palco da folia está tomado de expectativas e animação. Como em uma aula universitária, seguem mais seis enredos: a ciência darwiniana inaugura o seminário; exige luz, câmera e muita ação; semeia felicidade, fertilidade e esperança em todos os rostos e corpos; apresenta cidades e espaços em festa; aceita saudosismos e a vontade de ser criança; e traz experiências emocionantes de poetas antigos como Nelson Cavaquinho. Ai atravessa RC. Literalmente atravessa enredos, alegorias, harmonia, baterias e conjunto; atravessa nossos corações, invade nossas emoções e ocupa nosso imaginário.
As escolas estão se superando, tem um mesmo padrão de beleza e um ‘chão’ energético estonteante. Mas isso não vale ponto na baia julgadora. Diante da TV ou debaixo de chuva, os olhares fanáticos e àqueles julgadores in loco são completamente diferentes. Em nenhum momento denigro a performance ou o campeonato da Beija Flor, apenas reflito, triste, sobre a relevante incompetência das outras escolas. Para ganhar o carnaval carioca é preciso ser estrategista em todos os setores e pulso forte para segurar/manter acordos, contratos e combinados claros obscuros. Como a vaidade impera, ave Laila!
Dentro do sambódromo, enfim, não se vende apenas o refrigerante, o churrasquinho, o salsichão, o queijo coalho e a cerveja ‘a rodo’, vendem-se sonhos, industrializam-se esperanças e comercializam-se notas ‘musicais’. Fora o povão que se aglomera nas arquibancadas de ferro na Presidente Vargas, entre arquibancadas ou mesmo nos setores 1, 6 e 13, o carnaval carioca é para poucos porque seus lucros perpassam o ano todo. É uma grande empresa cuja emoção popular nem está mais no plano de negócios! Sem precisar ser expert no assunto, e segundo (de novo) nosso sábio povo excluído: ganha quem paga mais! E se para isso for necessário humilhar a Mangueira com 9,0 para bateria e 8,9 para alegorias e adereços, sem problemas, não temos memória cultural mesmo. Se para isso for preciso destruir trabalhos de ano inteiro, também sem problemas, porque a palavra superação vai prover tudo. Quem se importa em rebaixar uma Caprichosos? Quem discute a ascensão da Renascer este ano? Quem sugere o desmembramento de uma Portela? A quem interessa tudo isso? Maria Helena? Quitéria? Paulinho da Viola? Arlindo Cruz? Beth Carvalho? Não! É importante a quem já aprendeu a esfriar a avenida com sabotagens financeiras às claras.
Sem pensar, nesses cinco dias de folia, as necessidades de viver num mundo encantado de recreações coletivas, onde o delírio de se aceitar noutra dimensão é sentido como fonte de compensações internas, têm seu ponto alto, no RJ, nos desfiles mais concorridos do planeta, cujo burburinho de opiniões, nos meios de comunicação e botecos da cidade, se concentra no dia da apuração. Mais do que saber o resultado dos desfiles, sabemos sempre quais artimanhas e contratos foram estabelecidos e confirmados. Pena! Pena mesmo! Nesta hora, com a mente e o corpo muito sensíveis às formas de olhar e julgar, nos surpreendemos com a inutilidade das horas que ficamos em frente a TV torcendo por toda aquela beleza. E mesmo assim, nos conformamos rápido, e, dias depois, estamos lá, na avenida ou, de novo, em frente a TV, revendo as escolas campeãs e tentando entender o que interferiu em nosso olhar para que errássemos tanto em nossos julgamentos.
Ave 2012!
Profa. Claudia Nunes
sábado, 12 de março de 2011
APRENDER A PENSAR
Fevereiro foi o mês das observações e das experiências. Os alunos, hoje, chegam carregados de informações. Mas ainda chegam às escolas como espectadores de um futuro incerto. Muitos já são alunos da vida, mas, ainda assim, como os outros, sentem faltas que não sabem explicar, sabem apenas que, na escola, seus objetivos serão alcançados com mais facilidade. Ali, pensam, ganharão instrumentos que facilitem suas vidas.
Na primeira semana, o encontro com várias disciplinas e vários professores é um choque sério. Muitos (pré)conceitos percorrem seus pensamentos: ‘ai, eu não sei escrever’, ‘puxa, nunca aprendi química direito’, ‘será que conseguirei essas expressões todas?’, ‘nossa, é muita coisa, muitos trabalhos, muitas leituras’, etc. A expectativa dos alunos é atacada pelas obrigações escolares e por posturas docentes mais duras. É preciso aprender cada especificidade com clareza, agilidade e coerência. Será?
Em disciplinas separadas em um ou dois tempos de 40min, as informações devem ser absorvidas (e memorizadas) de forma a capacitar os alunos aos testes e provas. As cognições em processo têm apenas um objetivo: passar com nota azul (de 5,0 a 10,0) em cada bimestre. Não há mente que suporte isso! Não há aprendizagem que se amplie desta forma. Portanto, há uma mentalidade que deve ser limada da escola: os alunos devem prestar a atenção, em silencio, aos parcos conceitos apresentados pelos docentes para passar. Escola é mais do que isso.
Ensinar é aprender junto. Aluno é parceiro do conhecimento. Professor é mediador da aprendizagem. Estas são pertinências que devem integrar as práticas de ensino a cada promoção do conhecimento. E neste ponto as ações ‘inter’, ‘multi’, ‘trans’- disciplinaridades são imprescindíveis. Não há mais espaço para ações isoladas de cada disciplina articulando conteúdos com temáticas diversas. O usufruto dos conceitos de ‘compartilhamento’, ‘conexão’ e de ‘colaboração’, em tempos de novas tecnologias, por exemplo, precisam constar nas metodológicas a serem avaliadas em cada atividade sugerida pelos docentes.
Professores em equipe. Alunos em equipe. Criatividade em expansão. Como afirmam alguns autores, em projetos educacionais, onde as idéias anteriores estejam bem articuladas, o tempo para pensar e encontrar soluções precisa ser saboreado (refletido) junto. Mesmo diante de múltiplas vozes, o conhecimento demanda tempo, um espaço entre o encontro, memorização e utilização das informações. E neste contexto, não há acasos, inspirações ou coincidências em meio à formação do pensamento. Mais do que o currículo, aprender a pensar exige contextualização, emoção e trabalho, muito trabalho, fato que, por vezes, não se encontra em diferentes performances pedagógicas docentes.
Os alunos, ainda que tenham expectativas e esperem que a escola ofereça ‘surpresas’, não querem ser passivos em seu próprio processo de aprender. Eles têm o que dizer. Eles querem se dizer. Eles necessitam participar. Por hábito ou costume, chegam à escola, querendo surpreender e serem surpreendidos. E a palavra ‘inovação’ é a grande senha para a diminuição, por exemplo, da evasão. Por que não? Evasão significa desinteresse, chatice, mesmice, e disso ele quer fugir rápido.
Os docentes, como eles dizem, precisam estar antenados quanto a essa diferença discente e se experimentar em outro lugar, ou seja, precisam se assumir como mediadores da aprendizagem, não mais como transmissores de informações. E nesta mediação devem procurar afetar sua sala de aula com dinâmicas que construam uma relação melhor dos alunos com o próprio docente, com os conteúdos e com sua aprendizagem. Por conseguinte podem irromper, no imaginário discente, como interessantes, legais, confiáveis, parceiros.
Aprender a pensar ‘passa’ por se construir proximidades afetivas e cognitivas, mediadas por recursos diversos, dos mais antigos aos mais contemporâneos, com atenção às soluções encontradas. Mas como dissemos sempre quando realizamos reflexões sobre nosso cenário político: se isso demanda incentivo governamental, também demanda vontade docente.
E ai? Ficamos como?
Profa Claudia Nunes
quinta-feira, 10 de março de 2011
O CLUBE DO LIVRO
Este Carnaval não foi igual aquele que passou. Os mesmos blocos estavam nas ruas. As mesmas escolas de samba desfilaram no domingo e na segunda. Mesmos amigos estiveram por perto e outros longe demais. Indo e vindo minha casa estava num silencio impressionante. Adorável! Prazeroso! Era hora das limpezas então.
Fora os rodopios pela cidade de carro ou a pé, era hora das limpezas: primeiro as roupas (sacos para doação); daí geladeira, papéis (sacos e mais sacos de lixo); e por fim, os livros. Ai eu travei: livros? Jogar livros fora? Doar livros? Aqui que dor! Ainda que os espaços precisem ser abertos, passar os olhos nas estantes e escolher os livros ‘desnecessários’ era muito difícil. Os olhos não escolhiam, os olhos lembravam. Sim, cada título implantava uma imagem, uma emoção, uma lembrança de um momento, uma pessoa ou um sentimento. Mas era preciso separar; ensacar e doar.
Comecei pelos livros mais antigos. Coloque-os na bancada. Limpei-os. E parei: alguns tinham dedicatória. Como descartar o carinho de alguém? Separei-os e ensaquei o resto. Então separei os romances e poesias. Fácil descartar as poesias, mas os outros... Alguns eram ‘do coração’; outros, ‘da profissão’; ‘dos amigos’; ‘do status’; e outros ainda nunca foram abertos. Escolha fácil então: primeiro os repetidos e aqueles com capas muito velhinhas. E os livros de Malba Tahan, do meu avô? Ninguém toca! Foram guardados.
E agora, os piores: os livros teóricos. Num mundo que exige multidisciplinaridade em quase tudo, livros de diferentes ciências são importantes para se entender o próprio mundo: é o tal do ecletismo. Fico tensa: livros teóricos são livros de formação.
Já é madrugada, as escolas de samba estão desfilando e eu vivenciando muitas dores: quais livros me desfazer? Separo por grupos: mitologia, história, filosofia, tecnologia, psicologia, psicanálise, comunicação, crítica literária e sociologia. Décadas de estudos, leituras e escrita cujas referências eu agora pretendia jogar fora. Mas ainda assim, sei que alguns eu jamais lerei. Foram compras de impulso, tinham relação com determinados estudos e pessoas, ou simplesmente são de outro tempo, desejo e vontade. Além do que, detesto ler em bibliotecas. É mania.
Em meio a esse volume de decisões, tomei coragem e comecei. Não separei para decidir como antes. Separei e joguei direto dentro do saco preto do lixo. Não podia revê-los. Foram dois sacos de lixos tomados. Muita poeira. Muitos espirros. Cheiro de lavanda nas prateleiras. Enfim espaços vazios. Muitos objetos acompanharam os livros porque eram lembranças demais e minha cabeça estava doendo com tantas mexidas.
Parei e olhei as prateleiras. Uma sensação de ‘nada’, perda, vazio grande. Os livros sempre foram meus companheiros de viagem; sempre me acalmaram e responderam várias questões. Desde criança, são espaços de fuga, de compreensão, de entendimento sobre ‘as coisas da vida’ e de discussões interiores. O melhor era poder desaparecer por entre eles e me encantar com os enredos. O mundo todo alterado ao meu redor e eu debaixo da cama da minha avó nas casas de Monteiro Lobato, Malba Tahan, Machado de Assis, José de Alencar, Clarice Lispector, Raquel de Queirós, Agatha Christie, Sidney Sheldon, Henry Miller, Irving Wallace, Fredrerick Forsyth dentre outros.
Agora alguns deles estavam no saco, porque a modernidade pedia passagem. Evolução e limpeza têm o mesmo tom. Com muito pesar, fui (re)arrumando os meus amigos livros. Muitos livros relidos milhares de vezes. Muitos livros ainda não lidos. Muitos livros gostosos de ter. Tudo limpo. Tudo cheiroso. Madrugada intensa. Eu quero ler. Quero me acalmar e ler. Ano passado ganhei muitos livros e um deles me atraiu: O CLUBE DO LIVRO: ser leitor – que diferença faz?, de Luzia de Maria. E me surpreendi positivamente.
A autora apresenta a leitura como algo da moda, importante e capaz de municiar os sujeitos de elementos que os façam compreender e pensar a realidade de maneira multifacetada devido aos tantos enredos nos quais imergem. Mas a pergunta dela é importante: por onde começar? Para mim leitura está vinculada a uma necessidade. Por outro lado, para outros, ela está ligada às formas de sedução. As questões de gosto e interesse são subseqüentes e ganham profundidade de acordo com as rotinas realizadas.
Em todos os casos, grandes descobertas e muitos intercâmbios. Em todos os casos mudanças de comportamento, postura e de escrita. Particularmente, nos livros, desejei muito integrações, aceitação e liberdade. Muitos desejam paz, tranqüilidade e criatividade. Como então, jogá-los fora ou doá-los? Boas causas também doem no coração. Estou lendo o livro sem parar. Esqueci que o sono quer ocupar seu lugar. Em minha poltrona, com uma xícara de chá morno, ‘... dois alimentos: o que aquece o estômago e o que enriquece o imaginário’ (p.32).
O livro me encanta porque acredita no que acredito: ‘... se não se conta uma história, como suportar o cotidiano’? (p.33) São as histórias que trabalham a memória, a imaginação e a criatividade dando um movimento plástico aos pensamentos, idéias e temperamentos. Lembro de minha avó que sempre contava histórias da família, no quintal da casa, em cima de uma pedra, com um copo de café e um naco imenso de queijo minas à mão. Eram enredos tensos, surpreendentes, mágicos, criativos. E os livros eram indicados como ponto para ‘saber das coisas melhor’ diz ela apesar de ter chegado apenas a 4ª serie do fundamental.
Aqueles sacos pretos cheios e a queimação de livros em momentos da historia da humanidade são a mesma coisa: ‘... estratégia eficaz de impedir a circulação de histórias, idéias e conhecimentos’ (p. 36). Boas causas são muito difíceis. Mas é preciso arejar, arejar-se, ceder às necessidades de revitalizar o olhar, a mente e as prateleiras, sem dó e nem piedade. Mas como plantar esta idéia nos outros?
É verdade que muitos não vêem a leitura como opção de aprendizagem de vida. Muitos partem para vida querendo práticas que os levem de pronto ao mundo profissional sem ‘mais, mais, mais’. O tempo é corrido e refletir é coisa do passado. O tempo é da experimentação e ‘ver no que vai dar’. É preciso dar os passos, e não verificar onde eles se sustentarão. E ai ler é parar, é perder a fila, é ficar pra trás, é se atrasar e ficar sem lucro financeiro. Triste, muito triste.
O tempo da leitura é o tempo de reconhecimento do lugar em que se está, da fala certa para esta ou aquela pessoa ou situação, do comportamento ideal para conquistar um objetivo, da emoção correta no amor e na amizade. É reconhecer que o texto impresso, por exemplo, é uma das possibilidades de se encontrar e rever (ler) os caminhos / objetivos, e não mais o único!
Estou emocionada com o livro. Este é cheio de pontas as quais se pode selecionar para inventar uma nova hora de SER amigo, amante, professor, vizinho, chefe, sujeito do mundo. Seu projeto é interessante. Não tem a idéia megalomaníaca de levar a todos a serem leitores. É democrático porque acredita que tudo depende do tempo de cada um e isso é o que se precisa respeitar quando se introduz a leitura ao filho, amigo, aluno, conhecido, em particular ou em grupo.
Como eu, o projeto da autora, aponta para liberdade de escolha e isto gera ansiedade pela discussão, comentários e pequenas resenhas. Lembrei muito dos meus tempos infantis quando meus avós e pai perguntavam: o que você está lendo? E eu respondia contando boa parte da historia e percebendo o real interesse deles de escutar. Isso me levava a outro livro e mais outro e mais outro assim por diante. Fora isso, nunca ninguém me disse: esse livro você não pode ler! Na biblioteca do meu avô, eu podia tudo. Medo só dos pequenos gambás que vez por outra surgiam em meio às pilhas de livros que meu avô teimava em não limpar ou doar.
Mas quando tive literatura, que horror! Tudo obrigação e uns livros chatérrimos. Como a autora afirma, em entrevista, ao site Conexão professor, ‘na sala de aula, literatura era uma disciplina que cobrava nomes de autores, de obras, características de estilos e períodos literários, restringindo-se a leitura a pequenos trechos de obras’. Não há ‘... impacto emocional. [E] é justamente a emoção que produz a empatia e prende o ouvinte, o leitor, o espectador’ (p.39)
E segue a autora em sua entrevista: ‘o universo da literatura é um terreno propício à descoberta das emoções e os jovens são naturalmente sensíveis à presença da emoção. É um infinito espaço de investigação do mundo, do outro, das diferenças individuais, histórico-sociais, culturais’. Ou seja, ‘a leitura, além de servir para ampliar o vocabulário, além de familiarizar o sujeito com as estruturas da língua escrita, de dar a ele o domínio da norma culta, além de favorecê-lo nas mais variadas circunstâncias em que ele precise comprovar conhecimento (vestibular, concursos, entrevistas), além de ser uma alavanca no sentido da ascensão social, além de tudo isso, o mais importante e bacana é que a leitura – especialmente a leitura da literatura – torna a vida das pessoas emocionalmente mais rica, torna as pessoas mais interessantes, mais agradáveis, mais bonitas, amplia as conexões sociais’.
A manha vem chegando e estou nos depoimentos dos alunos participantes do ‘clube do livro’ de certa escola pública (estadual), em 1982. Todos profissionalmente bem colocados. Todos bem integrados porque, tanto a leitura quanto a escrita, se tornaram seus meios de translado no mercado de trabalho e em suas redes sociais. Todos atuantes e usuários dos meios de comunicação de trás pra frente, ou seja, do passado ao presente, ou seja, ainda, da oralidade ao computador.
Todo o prospecto apresentado aponta para um espaço dentro de mim, em minhas prateleiras, em minha mente: ler é um caso de amor. E casos de amor podem ter limites. E nesses limites é preciso esvaziar todos os ambientes ainda que doa.
Dia claro. Manha de sol fraco. O sono cansou de mim. Depois de um banho completo, os sacos de livros irão para uma quermesse da Igreja.
Fim de papo. Fim da leitura.
Profa. Claudia Nunes
segunda-feira, 7 de março de 2011
LEITURA DISCENTE, RESPEITO!
Hoje é segunda de Carnaval e o país está em festa. Em meio às minhas atividades folias, estou lendo revistas e jornais com mais calma e atenção. Sem muitas responsabilidades profissionais, fico indo e vindo em minhas escolhas, e as informações vão se acumulando. Ainda assim, ler é uma das minhas preocupações. Como incentivar a leitura em meus alunos? Dia desses, ouvindo um bate papo na padaria, escutei a seguinte frase: ‘não adianta professor querer obrigar a ler, esse negócio é só para alguns...’ Fiquei intrigada. Será? Voltei para casa pensando em minhas didáticas e realmente percebi que ler, como a escola oferece, não é para todo mundo não. Ler é uma opção que se faz por interesse e gosto. Mesmo a escola apresentando formas de leitura e até mesmo a própria leitura (textos de diferentes autores), ler faz parte do princípio do prazer e só ocorre por escolha própria. Nem mesmo os textos introduzidos pelos professores ajudam. Cada aluno tem uma expectativa, uma experiência, um contexto, e aí é uma luta inglória. Só que por outro lado, a que leitura nos referimos? Machado de Assis? Clarice Lispector? Nelida Pinon? José de Alencar? São autores muito importantes e necessários sim, mas serão seduções reais à chamada geração Y? Minha experiência diz que não. Estes autores são seduções a posteriori, dentro de um costume de procurar leituras e ler. Tenho observado em minhas turmas de 1º ano do Ensino Médio melhor aceitação quanto a leitura porque iniciei o hábito, por exemplo, com textos pequenos: imagens, charges e piadas. Eu comecei com o que eu desejava ver em meus tempos de escola. Eu não esqueci que fui aluna e que nem sempre gostava das leituras pedidas. Mas adorava quando podia optar entre vários textos ou quando, dentro de cada conteúdo, eu lia as minhas preferências. Nunca fui de romances ‘água com açúcar’, mas amava os contos, as crônicas. Eu me lembro que tinha prazer ao saber rapidamente o fim da história. Então o que pensariam os meus alunos? Eles estão iniciando o hábito da leitura e precisam se interessar, gostar ou se admirar fazendo isso. Em cada aula, resolvi fazer experiências para ver quais seriam suas reações. Um dia distribui vários textos diferentes para leitura em dupla. Eles se sentiram incomodados. Conteúdo igual, mas questões diferentes. Ai promovi uma discussão. Cada dupla contou sua historia e discutimos o tema. Foi animado porque eles pensavam mais antes de argumentar, afinal os colegas estão escutando. Eu investi num movimento contrário: da obrigação ao prazer, à liberdade de expressão. A discussão sobre alguns temas ultrapassou a sala. De outra vez, pedi que trouxessem textos para leitura nos mesmos termos anteriores. O único entrave foram os esquecimentos. Isso gerou nova angustia: como participar se não tinham (alguns grupos) nada para ler e apresentar? A desilusão era clara. Precavida, levei várias opções temáticas e ai, mais do que as discussões, muitas perguntas foram feitas para além dos textos feitas no ‘grupão’ e foram resolvidas no ‘grupão’. Uma autonomia que eu não esperava tão rápida. E uma autonomia que exige outros conteúdos, mais profundidade, mais estudos para mim e mais criatividade para ministrar a próxima aula. A sala está completamente desorganizada. Alguns sentados na cadeira e nas mesas; outros de pé; alguns em roda; outros de frente para mim; e eu no centro da sala mediando tudo. Em muitos momentos, a discussão não precisava de mim, eu era espectadora e agi apenas confirmando / elogiando uma ou outra fala ou resposta. A leitura de mundo deles é séria, ainda que tradicional e com algumas repetições. Difícil é voltar à aula tradicional e linearizar o processo de aprendizagem. Ainda assim, lembro, os sentidos da palavra ‘ler’ precisam de respeito e nem todos os tem no tempo de uma discussão, daí a paciência docente. Para inteligências diferentes, seleções de gostos e interesses diferentes e leituras múltiplas. Docente, cuidado, seu aluno lê sim, mas lê o que admira, interessa e gosta, logo entenda esses itens e aproveite em suas práticas de ensino.
Profa Claudia
MONÓLOGO DAS MÃOS
(de Ghiaroni e imortalizado por Procópio Ferreira).
Para que servem as mãos?
As mãos servem para pedir, prometer, chamar, conceder, ameaçar, suplicar, exigir, acariciar, recusar, interrogar, admirar, confessar, calcular, comandar, injuriar, incitar, teimar, encorajar, acusar, condenar, absolver, perdoar, desprezar, desafiar, aplaudir, reger, benzer, humilhar, reconciliar, exaltar, construir, trabalhar, escrever...
As mãos de Maria Antonieta, ao receber o beijo de Mirabeau,
salvaram o trono da França e apagaram a auréola do famoso revolucionário; Múcio Cévola queimou a mão que, por engano não matou Porcena; foi com as mãos que Jesus amparou Madalena; com as mãos David agitou a funda que matou Golias; as mãos dos Césares romanos decidiam a sorte dos gladiadores vencidos na arena; Pilatos lavou as mãos para limpar a consciência; os anti-semitas marcavam a porta dos judeus com as mãos vermelhas como signo de morte!
Foi com as mãos que Judas pos ao pescoço o laço que os outros Judas não encontram.
A mão serve para o herói empunhar a espada e o carrasco, a corda; o operário construir e o burguês destruir; o bom amparar e o justo punir; o amante acariciar e o ladrão roubar; o honesto trabalhar e o viciado jogar.
Com as mãos atira-se um beijo ou uma pedra, uma flor ou uma granada, uma esmola ou uma bomba!
Com as mãos o agricultor semeia e o anarquista incendeia!
As mãos fazem os salva-vidas e os canhões; os remédios e os venenos; os bálsamos e os instrumentos de tortura, a arma que fere e o bisturi que salva.
Com as mãos tapamos os olhos para não ver, e com elas protegemos a vista para ver melhor.
Os olhos dos cegos são as mãos. As mãos na agulheta do submarino levam o homem para o fundo como os peixes; no volante da aeronave atiram-nos para as alturas como os pássaros.
O autor do «Homo Rebus» lembra que a mão foi o primeiro prato para o alimento e o primeiro copo para a bebida; a primeira almofada para repousar a cabeça, a primeira arma e a primeira linguagem.
Esfregando dois ramos, conseguiram-se as chamas.
A mão aberta,acariciando, mostra a bondade; fechada e levantada mostra a força e o poder; empunha a espada a pena e a cruz! Modela os mármores e os bronzes; da cor às telas e concretiza os sonhos do pensamento e da fantasia nas formas eternas da beleza.
Humilde e poderosa no trabalho, cria a riqueza; doce e piedosa nos afetos medica as chagas, conforta os aflitos e protege os fracos.
O aperto de duas mãos pode ser a mais sincera confissão de amor, o melhor pacto de amizade ou um juramento de felicidade.
O noivo para casar-se pede a mão de sua amada; Jesus abençoava com as mãos; as mães protegem os filhos cobrindo-lhes com as mãos as cabeças inocentes.
Nas despedidas, a gente parte, mas a mão fica, ainda por muito tempo agitando o lenço no ar.
Com as mãos limpamos as nossas lágrimas e as lágrimas alheias.
E nos dois extremos da vida, quando abrimos os olhos para o mundo e quando os fechamos para sempre ainda as mãos prevalecem.
Quando nascemos, para nos levar a carícia do primeiro beijo, são as mãos maternas que nos seguram o corpo pequenino.
E no fim da vida, quando os olhos fecham e o coração pára, o corpo gela e os sentidos desaparecem, são as mãos, ainda brancas de cera que continuam na morte as funções da vida.
Para que servem as mãos?
As mãos servem para pedir, prometer, chamar, conceder, ameaçar, suplicar, exigir, acariciar, recusar, interrogar, admirar, confessar, calcular, comandar, injuriar, incitar, teimar, encorajar, acusar, condenar, absolver, perdoar, desprezar, desafiar, aplaudir, reger, benzer, humilhar, reconciliar, exaltar, construir, trabalhar, escrever...
As mãos de Maria Antonieta, ao receber o beijo de Mirabeau,
salvaram o trono da França e apagaram a auréola do famoso revolucionário; Múcio Cévola queimou a mão que, por engano não matou Porcena; foi com as mãos que Jesus amparou Madalena; com as mãos David agitou a funda que matou Golias; as mãos dos Césares romanos decidiam a sorte dos gladiadores vencidos na arena; Pilatos lavou as mãos para limpar a consciência; os anti-semitas marcavam a porta dos judeus com as mãos vermelhas como signo de morte!
Foi com as mãos que Judas pos ao pescoço o laço que os outros Judas não encontram.
A mão serve para o herói empunhar a espada e o carrasco, a corda; o operário construir e o burguês destruir; o bom amparar e o justo punir; o amante acariciar e o ladrão roubar; o honesto trabalhar e o viciado jogar.
Com as mãos atira-se um beijo ou uma pedra, uma flor ou uma granada, uma esmola ou uma bomba!
Com as mãos o agricultor semeia e o anarquista incendeia!
As mãos fazem os salva-vidas e os canhões; os remédios e os venenos; os bálsamos e os instrumentos de tortura, a arma que fere e o bisturi que salva.
Com as mãos tapamos os olhos para não ver, e com elas protegemos a vista para ver melhor.
Os olhos dos cegos são as mãos. As mãos na agulheta do submarino levam o homem para o fundo como os peixes; no volante da aeronave atiram-nos para as alturas como os pássaros.
O autor do «Homo Rebus» lembra que a mão foi o primeiro prato para o alimento e o primeiro copo para a bebida; a primeira almofada para repousar a cabeça, a primeira arma e a primeira linguagem.
Esfregando dois ramos, conseguiram-se as chamas.
A mão aberta,acariciando, mostra a bondade; fechada e levantada mostra a força e o poder; empunha a espada a pena e a cruz! Modela os mármores e os bronzes; da cor às telas e concretiza os sonhos do pensamento e da fantasia nas formas eternas da beleza.
Humilde e poderosa no trabalho, cria a riqueza; doce e piedosa nos afetos medica as chagas, conforta os aflitos e protege os fracos.
O aperto de duas mãos pode ser a mais sincera confissão de amor, o melhor pacto de amizade ou um juramento de felicidade.
O noivo para casar-se pede a mão de sua amada; Jesus abençoava com as mãos; as mães protegem os filhos cobrindo-lhes com as mãos as cabeças inocentes.
Nas despedidas, a gente parte, mas a mão fica, ainda por muito tempo agitando o lenço no ar.
Com as mãos limpamos as nossas lágrimas e as lágrimas alheias.
E nos dois extremos da vida, quando abrimos os olhos para o mundo e quando os fechamos para sempre ainda as mãos prevalecem.
Quando nascemos, para nos levar a carícia do primeiro beijo, são as mãos maternas que nos seguram o corpo pequenino.
E no fim da vida, quando os olhos fecham e o coração pára, o corpo gela e os sentidos desaparecem, são as mãos, ainda brancas de cera que continuam na morte as funções da vida.
EFEITO MORAL
Ao abrir a porta de casa, ela não sabia o que fazer. Suas roupas, suas mãos e seus papéis a machucavam muito. Isso nunca aconteceu. Sem pensar duas vezes, larga tudo no vão da porta e corre para o chuveiro. ‘Deus, o que é isso? Será doença? Por que estou ardendo, pinicando e me coçando toda?’ A água bate no corpo e tem efeito alucinógeno: ela se acalma. Enquanto o chuveiro alivia seu transtorno, ela se dá conta que a porta ficou aberta. ‘Estou nervosa, estou diferente, o que há comigo?’. Sem perceber, dorme. Como é bom dobrar a realidade e viver nos sonhos. Lentamente, se deita na banheira e aceita o torpor das águas mornas que atravessam sua memória. Há muito tempo atrás, o mundo lhe deu um presente: seu trabalho. Sua luta surtira efeito: a rua. Ali comandava, controlava e era respeitada. Seu corpo só dependia dela: escolhas e decisões. Cada conexão e emoção eram finamente controladas. Não havia dificuldade. É certo que sempre precisava voltar para casa e guardar suas felicidades, mas era uma pessoa de bem e obedecia ao que era certo. Em sua cama às vezes pensava: ‘O que é certo?’ Não chegava a lugar nenhum, mas lembrava de outras falas: isso é certo, isto é errado; isso é bonito, isto é feio; isso pode, isto não pode. Seleções dos outros, mas seleções que lhe protegeram e protegiam. Foi fácil caminhar sob esses passos tão sérios e fortes. Vida ocupada, nunca tormentosa. Ela era parceira da moral. Depois do banho, se esticou no sofá e deixou os pensamentos assumirem o espaço. Ela queria dormir. Ela queria esquecer. Mas estava pulsando, latejando, inquieta demais. Havia um ardor sem explicação fazendo morada em sua pele. ‘O que está acontecendo comigo?’ Outra semana de trabalho se agigantava e ela, ali, inútil, sentindo, incontrolável. Era uma crise emocional, uma crise da paixão. Seu mundo estava de pernas para o ar. Em diálogo consigo mesma, ela não se reconhecia. Havia muitas dúvidas internas. Cansada de estar deitada, ela se senta porque não pode se deixar tomar novamente por uma descompensação sem início ou fundamento. Distraída em si mesma, eleva o olhar e enfrenta: o espelho do quarto é nítido, ela não existe mais. Presa em seu próprio olhar, ela se perde. O gosto da paixão não chegou de mansinho. Sem tempo para escapar, seu corpo vibrou ao chamado do desejo sem frescuras ou senões. Nem a moral conseguiu ser rápida em sua repressão. O jeito então era viver aquilo profundamente. O pensamento refletia um passado cheio de castrações que disfarçaram sua desejante autonomia. Havia um contraste entre o que queria e o que podia. A relação era densa, mas errada: ele é casado. Ela não conseguia se entender, ela apenas sabia que as transformações eram intensas e maravilhosas... mas era errado. De novo, o corpo se apresenta: ela chora franca e compulsivamente. ‘Quem é aquela figura no espelho?’ Em meio às lágrimas, ela vê que a figura não chora, cruza as pernas, coloca a mão no queixo e aguarda. Chorar não adianta. A miscelânea de sentimentos precisa ser encarada. Diante da paixão, ela precisa de uma razão estratégica, e não mais da moral. Até ali ela flutuou nas razões e imaginários dos outros. Mas algo fez cócegas, a tocou, incomodou e a tirou do conforto de um vôo com rota prevista e coberta de moral. Diante do espelho, pela primeira vez, em muitos anos, seu inconsciente esperava. Mesmo com os hábitos e costumes, ela não era dona do seu próprio nariz. Isso era duro de aceitar. O espelho narcísico estava arranhado: ‘Que insegurança é essa? Que desorientação é essa? É dizer ‘não’ e pronto!’ Presa ao seu próprio olhar ela se sentia desarticulada do real e desviada do caminho traçado. ‘O que eu vou fazer agora?’ De novo, ela chora intensamente. Ela era foco sem diálogo simplesmente. Era dor de uma mentira de anos. ‘Será que eu tenho solução?’ Sem aviso prévio, a luz acaba. Não há para onde olhar. Suas têmporas latejam e, do seu imaginário, surge a dor das lembranças: inconstâncias sexuais, conflitos familiares e problemas sociais. Estes eram seus estofos interiores e por isso escolhia, decidia e vivia corretamente. Mesmo sentada, ela tira a roupa de dormir. Não queria as capas de sempre. Mas também não queria atravessar o corredor escuro. Agoniada, ela se levanta e não tem para onde ir. ‘Eu não posso me apaixonar... preciso colocar meu coração no armário... não posso me aceitar nesta perspectiva... preciso me (re)disfarçar...’ Andando ao redor da cama, o diálogo interno se estende, se revolta e se anula. Sua autocrítica é conhecida: é a moral. Ela precisava se defender de si mesma. ‘Nada de aventuras! Nada de experiências! Nada de novas escolhas!’ Sem ter para onde escapar e em quem botar a culpa, ela joga sua emoção junto à moral. ‘Eu posso conseguir alguém melhor, mais apropriado... ’. E a desilusão segue sem freios por dentro das suas certezas. Ela viveu a coisa certa segundo o que aprendeu desde pequena. Mas ela não está se tolerando mais. O ‘proibido’ é sedutor, admirável e apaixonante. Mas o ‘proibido’ é feio, desconfortável, perigoso, disseram... De frente para o corredor se pergunta: ‘há felicidade constante?’ A falta de resposta é densa e ela se sente desfalecer. Sua mão agarra a parede. Seu estômago está como em montanha russa. Sem roupa, sozinha, seus princípios do prazer e da realidade estão em luta e isto causa muita dor. Sem perceber, ela chora e grita fortemente. E o tempo passa. O suor lhe cobre o corpo e escorre sem impedimentos até o chão. ‘Eu não posso sentir isso... eu não posso falar com ninguém... o que irão pensar de mim?’ E o tempo passa. A respiração se equilibra, ainda que o mal-estar permaneça. A luz retorna. No fundo do corredor, ela se enfrenta pelo espelho do banheiro. É uma mulher bombardeada pelas próprias incontinências e pelas necessidades dos outros. Mas o suor era dela, uma limpeza que sua memória precisava. Ao longe, ela não se via de todo, mas era um cara a cara importante. Os exageros passaram. No frente a frente, ela se humanizava. Em quatro movimentos estava vestida e fora da armadilha de se sentir incapaz. Com alguns passos chegou ao banheiro e amadureceu alternativas para (re)viver. Perfume, salto alto, identidade e um celular à mão. Ao se virar, de esguelha, vê a chave de casa caída, lembra da sua avó e sorri: ‘a porta da rua é serventia da casa!’
Profa Claudia Nunes
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