sexta-feira, 21 de outubro de 2011

CHORAR POR ÉTICA

Hoje só a psicologia pode me ajudar. Sem querer fiz parte de um jogo histérico cujo final foi o alívio. Parada numa sala de estar observo, de maneira quase palpável, como a hipocrisia pode se dissipar de um ambiente diante de uma notícia, uma situação ou o simples desaparecimento de alguém. Neste momento, a fala baixa, o sorriso amarelo, a sensação de menosprezo, as irritações, tão comuns no cotidiano do trabalho, se esvaem porque uma massacrante repressão acabou. A ditadura de um pretenso poder acabou!

Em muitos anos, houve uma desonestidade nos comportamentos de todos porque, humanos, era preciso preservação e sobrevivência. Tal e qual uma cadeia hierárquica de uma grande empresa, as altas patentes detiveram o controle e o poder da vida e da morte financeiras das pessoas. E por mais que, nas aparências, as relações fossem de cordialidade e educação, de onde estou olhando agora, as ações se pautavam na dinâmica do fingimento.

Pelo que entendi, todos conviviam de sobreaviso, tensos, sobressaltados, diante da passagem ou presença de outro alguém impressionantemente manipulador e estrategista. Sendo assim, a histeria significava alívio coletivo, respiração livre e a possibilidade de ir-e-vir sem ‘ponta dos pés’. Sentada naquele sofá, ouvia com atenção histórias e muitos sorrisos, histórias e comemorações, história e outras histórias de negações, humilhações e ‘puxadas de tapetes’, aparentemente sem sentido, incompreensíveis.

De um teatro tragicômico de hipocrisias cotidianas e múltiplas para o bem viver, surge um teatro histérico das liberdades cômicas para um mundo melhor. Explico caro leitor: houve uma demissão.

De uma equipe de trabalho, há anos sendo lapidada pelas intempéries de uma personalidade, um ser foi demitido. Pelo que observo primeiro com alegria e compartilhamento e, depois com apreensão e expectativa, este fora um desejo de todos nas entrelinhas dos horários de trabalho. Eu presencio quase uma festa bacante de abraços, almoços, sorrisos, telefonemas, e-mails e torpedos: todos de muitas congratulações. Impressionante! A perda, o corte, o desaparecimento, a saída fora um desejo coletivo.

No meio do corredor, uma pergunta ditava a linha da alegria: “é verdade?”. E daí recomeçaram os ritmos dos corpos histéricos. Eu estou deslumbrada. Não alcanço a possibilidade de alguém gerar estas manifestações e, por conseqüência, tantos ‘alguéns’ felizes com a perda da convivência social. Ao contrário do que alardeamos por aí, além da hipocrisia, sumia gradativamente frustrações, friezas, silêncios e desafetos. Eu estou presenciando outra realidade emocional.

Tudo expunha a certeza de que este fora um ambiente traumático. “Difícil retornar para os afazeres” – eu pensei. Realmente era uma complexidade de sensações e percepções criando vários desentendimentos em mim. Após este momento de euforia coletiva, volto ao meu carro com minha melhor amiga. Esta chora. Ela se sente triste pelo passamento. Não é assim que ela pensava resolver as coisas ou como as coisas se resolveriam. Ela tem sentimentos controversos, mas luta para sentir o certo e não se deixar dominar pelas felicidades alheias. Isto é inconcebível para ela. Ela não sabe quem é pior: eles ou o outro.

No carro, um desabafo ético. A convivência, para ela, fora extremamente desagradável, humilhante, degradante e sem mais nenhuma empatia. Sua sensibilidade e competência foram postas à prova diversas vezes. Ano a ano, sua auto-estima fora minada com feedbacks dissimulados, estigmatizados e preconceituosos. Fora provocada e exposta inúmeras vezes sem direito à réplica. E mesmo assim preferiu o ‘junto’ ao invés do ‘separado’. Era uma aposta mais em si, em sua capacidade de superação profissional e de sustentação física e mental, do que num possível diálogo transformador.

Minha amiga ignorou as vozes da agressão, da indisciplina, da réplica insubordinada ou da saída definitiva porque aprendera que certas coisas na vida são encargos que precisam ser vividos até o fim. Esta idéia a levara a construir uma couraça de subserviência enganadora. Ainda assim fora uma fase de pensamentos e vivências de enormes discrepâncias e muitos questionamentos: ela, às vezes, duvidara de si mesma. O que os outros (ou outro) achava(m) dela apresentava-se como mais forte do que o que ela mesma sabia de si. Em meio às lágrimas, minha amiga se analisa: eu me sabotei?

Quem então estaria fazendo da vida um grande teatro, uma grande fantasia? Ela não sabe, mas grandes foram suas dificuldades adaptativas, afinal sua auto-avaliação global e profissional fora muito positiva em diferentes lugares, exceto ali. O mundo do trabalho pode ser muito cruel quando, ao estabelecer metas, nos deparamos com seres que, sorrateiramente, nos obrigam a reformular tudo a cada segundo da vida. Este processo mais do que crescimento, pelo volume e sordidez das exigências, gera insegurança e pouca proatividade. Começamos a agir na dependência da análise do outro, só do outro, e isso é/foi péssimo.

No bolo desses maus presságios trincados ficam nossa competência, nossa saúde, nossas relações interpessoais e até mesmo nossa sorte. E aí as doenças do século XXI começam a invadir corpo e mente. Depressão e estresse se amalgamam em nosso nome e sobrenome. Nossas emoções tornam-se desordenadas e confusas. Minha amiga sofria assédio moral, mas não entrou na cena farsante do processo cotidiano e nem na euforia coletiva do ‘apagar das luzes’. Minha amiga sofreu arrogâncias, empáfias, orgulhos, intimidações, mas optou sempre (e agora) pelo silêncio dos justos, dos inocentes e dos crédulos.

Hoje, no meu carro, ela chora compulsivamente não por hipocrisia ou alívio, mas porque perdeu a oportunidade de se fazer entender, de criar outro clima de trabalho, de mostrar que as coisas poderiam ser de outra forma, de modificar a visão sobre ela, de estabelecer outro tipo de diálogo e, principalmente, de mostrar que nunca fora uma ‘mosca-morta’.

Minha amiga chora pela ética.
Minha amiga chora por ética.

Enfim, parabéns!

Ms Profa Claudia Nunes

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