segunda-feira, 25 de maio de 2015

MICROCONTO 61, 62, 63, 64, 65

61 Uma concha. Ela era uma concha. Sentada numa cadeira de balanço, Alícia estava fechada, parada, sentindo... Seus olhos piscavam vez por outra porque o passado chegava aos borbotões e exigia pequenos movimentos de vida. O corpo doía, mas ela não queria se mover. Casa fechada. Silencio absoluto. E ela precisando de qualquer transmutação, qualquer uma. Os dias anteriores tinha sido avassaladores: medo, vergonha, decepção, discussão, correria, perda, indiferença, muitas arritmias para alguém que tinha apenas a proposta de aprender a beleza de ser feliz. Balançava para lá e para cá, pesada e inútil. Assim se sentia: inútil, sozinha, solta demais. Em concha, sentia o peso dos dias, das emoções, das incertezas e dos desejos. Pesada, muito pesada, e mesmo assim, para lá e para cá. Alicia procurava em suas lembranças uma alavanca, algo que a fizesse saltar de novo para o mundo e SER simples como todos os seus dias! Na sala, o relógio badalou doze vezes. Hora de sangue novo! Meia noite é a hora das atrações, das mudanças, da noite em dia, da madrugada decisiva. Vai e vem, e a concha não se desmancha. Ela precisava disso, sabia que precisava disso, construiu esse momento porque precisava dele, mas nunca foi egoísta ou sem data de validade. Na era de aquário, a pessoa-concha tornava-se pérola, valorosa e importante. Será? Valia a pena sair do esconderijo? Em concha, prisão mental e emocional; segurança pessoal e emocional. Valia a pena? Vai e vem; vai e vem; sem voz, vai e vem. De repente, vai e vem de vez: tudo se quebra, Alicia cai de costas, o mundo muda de lugar e os amigos chegam para festejar o seu aniversário aos gritos: PARABÉNS!! Claudia Nunes

62 Juno tinha um hobby: amantes. Casou duas vezes, mas a beleza da vida estava nos amantes. Ela sabia o que era paixão: saia e... amantes! Excelente profissional justificava-se decorando sua personalidade de muitos disfarces e... amantes! Aos 40 anos, saia à noite para experimentar amantes e amores aos quatro ventos. Jovens, senhores, rapazes, meninos, nada era melhor do que amá-los e lógico abandoná-los. Em casa, só ela e seu gato Heitor. Os olhos de Heitor acompanhavam as mudanças e os figurinos. Deitado em cima da TV, observava Juno ir e vir dos amantes e dos armários. Em muitos dias, ela brincava, ria, era criativa e inovadora. Em alguns dias, ela era silenciosa, tensa, depressiva e fria. Um dia, Heitor ficou alerta: silêncio demais. Inteligente sabia que os seres humanos, às vezes, se afogam em silêncios estranhos e podem desaparecer muitas horas. Desceu da TV e visitou cada cômodo. Que humanos estranhos? Por que essa ausência? A casa exalava a álcool. Ao passar pelo banheiro, percebeu movimentos e barulho de água. Como a porta estava entreaberta, entrou: em cima da pia, perucas, seios e bundas; de pijama, Juca lavava o rosto para dormir; na banheira, vários patinhos de borracha com nome: JUNO. Claudia Nunes

63 E de novo ela estava fria. E de novo a vida lhe disse ‘não’. Da janela, vendo os passantes, ela não sabia mais o que fazer da vida: mais uma vez o desejo se fora batendo a porta com força. E de novo, ela estava na janela em expectativa de reencontrar novos olhos que a façam, por instinto, levantar as sobrancelhas e sorrir bobamente. Mas de novo, a questão era: fora feita para viver junto? Sua memória vagava por lembranças quentes e distantes; felizes e distante; intensas, mas distante. O ‘distante’ era parte da vida e sua energia interferia em sua ‘sorte’ amorosa. ‘Oi’, passou um; ‘como vai?’, passou outro; ‘está tudo bem?’, passou outro ainda. Da janela, ela queria, porém não sentia. Da janela, ela desejava, mas não vibrava. Passando os olhos pelas luzes, passantes e movimentos, nada lhe ajudava a atrair qualquer energia. Ela não entendia mais nada. Ela não sonhava mais nada. Sentia-se limitada em tudo. De repente, ao olhar as mãos, ela soube: a maravilha do desencontro é reconhecer-se em vida para outros encontros talvez de risco. Com o celular em mãos, aceita o convite da carrocinha de cachorro-quente e se mistura às outras emoções desconhecidas, num mundo de luzes amareladas e separadas. Claudia Nunes

64 Num mundo cheio de discórdias, as palpitações inesperadas do coração são a única maneira de Vivian se certificar que está viva. As palpitações a assustaram e a tranquilizaram, ao mesmo tempo: não morrera ainda. Mas depois de ontem, por que não morrer logo? “Não quero mais você!”, esta frase ecoava em seu corpo e coração. “Tenho outra pessoa!”, esta fala esfriou seu sangue completamente. “Acabou!”, esta sentença inutilizou sua espontaneidade e a envolveu numa enorme inutilidade. E as palpitações... Com o som da porta batendo forte, ela travou os sentidos, impediu o choro e esqueceu como se mexer. Era uma decisão: ela não queria se mexer. Ela só sabia que o tempo passava, passara, passará, de novo, em solidão daquela casa cheia de trabalho, filhos, gatos e livros. E a palpitação segue... A prisão emocional atraía energias tóxicas; a palpitação atraía vibrações negativas; a perda repelia os pensamentos calmantes. Ela palpitava por vontade: era uma dor antiga e conhecida. “Injustiça! Injustiça!” Não havia outra coisa a se sentir: injustiça! Paralisada, criou raízes negativas; se concentrou e aumentou sua imaginação num ponto: “Vingança! Vingança!” Uma foto lhe chamou a atenção: família, filhos, gatos, trabalho, livros... O quarto foi se rematerializando, as cores se revitalizando, os sonhos lutando para sobreviver... Ela treme demais, se debate, se descontrola, desfalece e cai... Mundo, corpo, certeza, desejos, tudo espatifado em milhares de pedaços... A alma humana, quando possuída pelas emoções ruins e intensas, implode totalmente para se renovar e sobreviver, para o bem ou para o mal. Vivian acorda dolorida: dor completa dentro e fora de si. Vivian chora e grita compulsivamente: “Por que eu? O que há comigo? Por que eu?” Da janela, ouve pequenas batidas: sem se mover, levanta os olhos, vê um sol forte e dois pombos fazendo amor. É seu primeiro sorriso sincero da manha. “Será que ainda tenho meu caderninho de telefone mágico da faculdade? Pedro, Lucio, Romão e Julio: não quero nem que Deus me guarde”. Palpitações... Claudia Nunes


65 Embora a luz do quarto ofuscasse sua visão, Lucia nem piscava. Era sua lucidez causando um comportamento abobado e insano. Sim! Ela estava insana. Sua decisão era irrevogável. Ela precisava ser feliz. Então por que tanta dor? Sua vocação era certa: paz em quaisquer sentidos. Sua independência lhe dava autonomia. Seu jeito de ser influenciava pessoas. Sua vida era tranquila. Então por que aquela dor tamanha? Amigos estavam dispostos a ajudar. E a dor continuava... Amante, amada, amorosa, amigável, amiga, ela era tudo. Mas a dor não sanava. Na luz, ela não via nada e o jeito era se ver... se ver por dentro... e tentar compreender. Sem perceber, ela foi fechando os olhos e a loucura tomou conta de tudo. Portas internas se abriram e ela viu: pés algemados... seus pés algemados... Estigmas aceitos, prazeres ignorados, maturidade em ascensão lenta, confiança fragmentada, tudo fortalecia e apertava as algemas. Muita dor... As algemas dos receios e das dúvidas a adoeciam e a aprisionavam. Lentamente ela desfalecia... lentamente ela morria...Um barulho ensurdecedor lhe tira a atenção. Ela não sabia de onde vinha ou o que fazer; ela só sabia que não podia ficar ali; tinha que sair, correr, gritar. Era preciso quebrar algemas, medos, zonas de conforto, hábitos rapidamente, senão seus olhos não se abririam mais. De olhos fechados, o mundo estaria perdido. E o barulho aumentava demais... BUM! O botijão explode na cozinha. Ela se assusta e corre: sua autolimpeza já tinha seu ponto zero! O mundo é dos loucos ‘desalgemados’! Força e fé! Claudia Nunes

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