51 Numa noite de luar, uma decisão de
vida: morrer. Essa é uma realidade e Virginia sabia. Nas estrelas nenhuma
resposta. Muitas distâncias, alguns desapegos e poucos passados. Nenhum medo e
incerteza. Virginia não tinha mais ideais. Fechada na lua, aberta para o nada.
Como reagir? Como não decidir? A lua trazia a penumbra da certeza: morrer.
Clarice dizia: a oportunidade faz o ladrão. Quem roubaria sua decisão? Na
varanda em frente, um TV gritava: BRASIL! BRASIL! Distraída, se preocupou: era
hora da mamada de seu filho Lúcio. Foi...
52 Simonsen adora a vida. Cantava
pelas vielas da cidade e conseguia um bom dinheiro com isso. Sem eira e nem
beira, vivia das relações amorosas. Possessivo e ciumento disfarçava-se de
amoroso e afetivo. De repente, outra voz lhe arrebata na noite: Sonia. Sonia da
vida. Sonia da galera. Sonia da voz. Ninguém ficava com Sonia, mas Sonia era de
todo mundo. Simonsen se perdeu; foi capturado pela admiração; e se entregou.
Sonia era seu amuleto, seu sol, sua força, seu refúgio. Sonia explorava a voz e
a vez. Não eram ‘do lar’, eram ‘da rua’; e na rua, os caminhos são rastros dos
riscos. Em terapia, Sonia se doa a Sergio ‘da lua’ e Simonsen não perdoa a si
mesmo. Quando o bonde passa, carrega Sonia, Sergio, Simonsen e quem possa
desejar se perder na vida sem a certeza do ‘que fim levou’. Claudia Nunes
53 Embora reconheça sua força, Amanda
sabe que vibrações negativas lhe acompanhavam. Adepta das múltiplas formas de
religião, ela sabia que seu corpo fora atingido por energias estranhas. A casa
estava vibrante, a vida estava colorida, o coração estava palpitante, mas os
tropeços e os insucessos se sucediam. Ela percebia. Ela sabia. Ela sentia.
Havia uma carga pesada rodando sua vida, sua casa, sua família. Os amores, as
conquistas e as satisfações mais simples pareciam bloqueados, amarrados mesmo.
O que fazer? No fim da rua, tinha um terreiro de umbanda. Em frente, um templo
evangélico. Em casa, a crença batista. Na descendência, a formação católica.
Agora sentada, no quintal de casa, sentiu-se abalada, trêmula, endurecida. Ao
lado da casinha de cachorro, escondida atrás de uma frondosa árvore, um totem
compõe a paisagem e dissolve a relação cármica entre homem e natureza. Amanda,
a eterna... Claudia Nunes
54 Um instante é um tempo temporário.
Um instante é presente e passado num tempo ínfimo. Num instante, interesses,
desejos e sentimentos são embutidos, sem lamentações, no corpo. Alguns não
gostam de um instante, mas o instante é o que há entre o bem e o mal; entre a
alegria e a tristeza. Ele é fundamental, animal e surreal. Embora sejamos
‘outros’ animais, num instante podemos perder, sofrer, evaporar e desaparecer
facilmente com razões ou não. Desta forma, para que haja transformação, é
preciso um instante de distração, de desequilíbrio, de loucura ou de medo, e
assim recontamos a vida. Estamos carregados de instantes e mesmo assim leves e
preparados para crescer e evoluir, instante por instante. Depois da aula de
filosofia, Lucio só pensava em instantes. Andava em crise porque, de acordo com
suas leituras, a essência só dura na passagem de um instante. Então como
mantê-lo? No ponto do ônibus, muitos olhares e vozes cujos instantes jamais
serão relembrados tornavam seus pensamentos mais doloridos e pesados, mas,
naquela hora, representavam um único instante coletivo: voltar para casa. Com
crack ou sem ele, voltar para casa é o fundo de toda a verdade humana. Lúcio se
olha, eleva-se e reencontra sua mãe: ‘filho, acorda, estamos juntos novamente,
tenha calma...’ Claudia Nunes
55 Limpeza. Limpeza. Limpeza. Única
palavra que Maicon pensava naquela manha chuvosa. Casa, vida, emoções muito
confusas. Ele precisava crescer, respirar e viver outras coisas. Desde o dia
anterior, quando soube do acidente, limpeza era o seu maior incômodo. Ele
acumulara muitas coisas e pessoas em 30 anos, e não queria mais aquilo. Ele não
queria mais ele. Depois de 30 anos e do acidente, não dava para ser a mesma
pessoa. Carga demais. Energia de menos. Vassoura em mãos, ele começou: quebrou
tudo, varreu tudo, comprou tintas e coloriu a vida: era lindo o arco-íris.
Claudia Nunes
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