segunda-feira, 25 de maio de 2015

MICROCONTOS 51, 52, 53, 54, 55

51 Numa noite de luar, uma decisão de vida: morrer. Essa é uma realidade e Virginia sabia. Nas estrelas nenhuma resposta. Muitas distâncias, alguns desapegos e poucos passados. Nenhum medo e incerteza. Virginia não tinha mais ideais. Fechada na lua, aberta para o nada. Como reagir? Como não decidir? A lua trazia a penumbra da certeza: morrer. Clarice dizia: a oportunidade faz o ladrão. Quem roubaria sua decisão? Na varanda em frente, um TV gritava: BRASIL! BRASIL! Distraída, se preocupou: era hora da mamada de seu filho Lúcio. Foi...

52 Simonsen adora a vida. Cantava pelas vielas da cidade e conseguia um bom dinheiro com isso. Sem eira e nem beira, vivia das relações amorosas. Possessivo e ciumento disfarçava-se de amoroso e afetivo. De repente, outra voz lhe arrebata na noite: Sonia. Sonia da vida. Sonia da galera. Sonia da voz. Ninguém ficava com Sonia, mas Sonia era de todo mundo. Simonsen se perdeu; foi capturado pela admiração; e se entregou. Sonia era seu amuleto, seu sol, sua força, seu refúgio. Sonia explorava a voz e a vez. Não eram ‘do lar’, eram ‘da rua’; e na rua, os caminhos são rastros dos riscos. Em terapia, Sonia se doa a Sergio ‘da lua’ e Simonsen não perdoa a si mesmo. Quando o bonde passa, carrega Sonia, Sergio, Simonsen e quem possa desejar se perder na vida sem a certeza do ‘que fim levou’. Claudia Nunes

53 Embora reconheça sua força, Amanda sabe que vibrações negativas lhe acompanhavam. Adepta das múltiplas formas de religião, ela sabia que seu corpo fora atingido por energias estranhas. A casa estava vibrante, a vida estava colorida, o coração estava palpitante, mas os tropeços e os insucessos se sucediam. Ela percebia. Ela sabia. Ela sentia. Havia uma carga pesada rodando sua vida, sua casa, sua família. Os amores, as conquistas e as satisfações mais simples pareciam bloqueados, amarrados mesmo. O que fazer? No fim da rua, tinha um terreiro de umbanda. Em frente, um templo evangélico. Em casa, a crença batista. Na descendência, a formação católica. Agora sentada, no quintal de casa, sentiu-se abalada, trêmula, endurecida. Ao lado da casinha de cachorro, escondida atrás de uma frondosa árvore, um totem compõe a paisagem e dissolve a relação cármica entre homem e natureza. Amanda, a eterna... Claudia Nunes

54 Um instante é um tempo temporário. Um instante é presente e passado num tempo ínfimo. Num instante, interesses, desejos e sentimentos são embutidos, sem lamentações, no corpo. Alguns não gostam de um instante, mas o instante é o que há entre o bem e o mal; entre a alegria e a tristeza. Ele é fundamental, animal e surreal. Embora sejamos ‘outros’ animais, num instante podemos perder, sofrer, evaporar e desaparecer facilmente com razões ou não. Desta forma, para que haja transformação, é preciso um instante de distração, de desequilíbrio, de loucura ou de medo, e assim recontamos a vida. Estamos carregados de instantes e mesmo assim leves e preparados para crescer e evoluir, instante por instante. Depois da aula de filosofia, Lucio só pensava em instantes. Andava em crise porque, de acordo com suas leituras, a essência só dura na passagem de um instante. Então como mantê-lo? No ponto do ônibus, muitos olhares e vozes cujos instantes jamais serão relembrados tornavam seus pensamentos mais doloridos e pesados, mas, naquela hora, representavam um único instante coletivo: voltar para casa. Com crack ou sem ele, voltar para casa é o fundo de toda a verdade humana. Lúcio se olha, eleva-se e reencontra sua mãe: ‘filho, acorda, estamos juntos novamente, tenha calma...’ Claudia Nunes


55 Limpeza. Limpeza. Limpeza. Única palavra que Maicon pensava naquela manha chuvosa. Casa, vida, emoções muito confusas. Ele precisava crescer, respirar e viver outras coisas. Desde o dia anterior, quando soube do acidente, limpeza era o seu maior incômodo. Ele acumulara muitas coisas e pessoas em 30 anos, e não queria mais aquilo. Ele não queria mais ele. Depois de 30 anos e do acidente, não dava para ser a mesma pessoa. Carga demais. Energia de menos. Vassoura em mãos, ele começou: quebrou tudo, varreu tudo, comprou tintas e coloriu a vida: era lindo o arco-íris. Claudia Nunes

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