segunda-feira, 25 de maio de 2015

TEMPO, CÉREBRO e TECNOLOGIAS

Uma cena: “Mãe entra por dentro da escola a procura de seu filho. Ninguém sabe dele, ninguém o viu. Ela está preocupada. Ele nunca fez isso. Enquanto a acalmam, alguns professores tentam conversar com colegas da turma dele para encontrar pistas. Ninguém o viu naquele dia. Mãe chora muito. Professores tensos. De repente um aluno lembra: o celular do garoto tem GPS. Depois de muitas tentativas, atravessam a rua. Lívio estava com dedos megadoloridos e muito suado. Depois que saíra de casa, o ar condicionado da lanhouse tinha estourado e o jogo estava quase no fim”.

Vício. Estamos na era do vício digital. Sujeitos em formação encontraram no ambiente virtual um mundo cheio de possibilidades de SER e ESTAR. De novo os jogos são o up desse momento. São cérebros em formação em busca do prazer cotidiano mesmo com a estatização do corpo e o frenesi do córtex virtual.
Na internet, há provocações intensas dos sentidos e às múltiplas conexões neuronais. E dependendo do tempo, ritmo e repetição, as determinações genéticas podem ser influenciadas ou engatilhadas. E ai as dimensões sociais e psicológicas, principalmente, sofrem determinadas disfunções. É preciso ter cuidado. Convivemos com tecnologias desde tempos imemoriais, mas atualmente estas tecnologias inseriram a característica da velocidade em todas as dimensões humanas.
Comportamentos, posturas, atitudes inauguram outras configurações na relação do sujeito com todos ou com ele mesmo. A primazia do prazer em SER e ESTAR em ambiente virtual reafirma, por exemplo, nossa capacidade de nos tornarmos viciados / de cair na rotina / de estabelecer zonas de conforto. Com isso torna-se frágil o argumento de que as novas tecnologias (computador, internet e suas ferramentas ou aplicativos) tornaram a geração aprendente, na escola desde a década de 80, insípida, superficial, sem foco ou atenção.
Devemos lembrar que tudo depende. Há sim uma fugacidade nas formas com que os cérebros conseguem assimilação as informações porque esta nossa grande tecnologia natural tem tido mais elementos para descartar do que para ‘trabalhar’ internamente.
O que aconteceu com nosso personagem Lívio? Ele é reflexo do montante de imersões, em ambientes virtuais, em busca do lúdico, do divertimento, e este muito relacionado ao seu interesse, preferência e desejo. Somos seres predispostos ao encontro e permanência com o prazer sempre. Logo, ao lado de uma escola, uma lan house cheia de novidades relacionadas aos artefatos tecnológicos do século XX e XXI é o gatilho certo para este cérebro ávido de aprendizagens significativas, simplesmente ser atraído.
Prazer é resultado de melhor funcionamento de nosso sistema de recompensa. Somos humanos em busca de doses dopaminérgicas de autoestima, amor, solidariedade e, principalmente realização de nossos interesses e desejos.
Lívio gosta da escola, mas o outro mundo ou outros mundos são mais animados, criativos, alegres e gestam curiosidade e atenção constante em seus sentidos, principalmente o córtex visual. O processo de ‘mudar o caminho’, se desvirtuar de ‘algumas responsabilidades’ é lógico, afinal o que ele está fazendo de mal?
O choque de gerações sempre aconteceu. A mãe jamais entenderá a mudança de comportamento e de caminho. Ela já carrega em si experiências em que reconhece, NO FUTURO, consequências ruins à continuidade desses atos. Normal perfeito. Mas e o Lívio? Em que patamar fica o desejo do Lívio? Crianças não podem e nem devem ser desrespeitadas em suas emoções, movimentos e formas de aprender. Nem desrespeitadas, nem ignoradas. Suas ações são reações às informações que recebem em todos os ambientes em que interagem, então elas se testam, testam, correm riscos, experimentam com poucos medos.
A mãe precisará de tempo para entender, mas a escola precisa revê-se rapidamente: não importa como o professor ensina, importa como seu aluno aprende. E este princípio se relaciona com atendimento das expectativas dos alunos ao entrarem na escola. É necessário tentar entender esta plasticidade cerebral, seus interesses e formas de aprender. Por que Lívio saiu do seu caminho e entrou na lanhouse? Esta é a pergunta-base.
Particularmente ele foi em busca do seu prazer. Em se sabendo esta resposta, outra pergunta se instaura: se ele está na lanhouse, o que ele acessa mais? Jogos, vídeos, sites de relacionamento ou de bate-papo? Esta observação (e possível anamnese) pode favorecer o professor, por exemplo, a criar e desenvolver práticas de ensino mais focalizadas, pontuais e significativas.
Leitores, tudo é bom e tudo depende, sabe por que? Porque em tudo é preciso limites. Cérebros em formação tem sua circuitaria neuronal tensionada se carregada com excesso de informações ou de realizações, ou, ao contrário, se ganharem liberdade demais para SER e AGIR. Conexões neuronais de qualidade se constroem respeitando e dando limites à chegada das novidades, à realização dos desejos e à performance relacional no dia a dia. O cérebro segue aprendendo porque aprender ocorre no cérebro mesmo.
Quanto tempo Lívio passa na Internet ou em determinado site? Isso é importante esclarecer. Se ele tem muita liberdade ‘internética’ em casa, a decisão de ir à lan house é natural. Já se ele tem proibições ‘internéticas’ radicais em casa, de novo, a lan house é quase shangrilá e, de novo, um lugar de ida e permanência natural. E ai assim, há a perda de certas habilidades.
Sem tempo offline, o cérebro não reestrutura tudo o que assimila. Sem tempo offline real e duradouro, a questão social entra em desequilíbrio e instaura-se o ‘sem sentido’. Lívio jogava. Lívio extravazava suas emoções. Lívia desanuviava a mente. Lívio perdeu a hora. A composição do seu mundo real, na visão do outro (mãe e professores) estava deficiente. Mas ele era livre.
No mundo virtual, ele era o mundo; ele era o controlador de tudo, menos do tempo. Em metáfora, podemos dizer que, ali, o que somos (genética) era transformado por quem somos quase sem controle: experiência relacionada com o desejo e a necessidade de.
Nós todos nos esquecemos do tempo quanto o tempo é de prazer. E pior, ficamos egoístas: o tempo de prazer é um tempo de posse. Laços ou relacionamentos virtuais ganham importância em detrimento dos laços e relacionamentos em ambiente real. Há mudança cerebral. Então antes de condenar às tecnologias ao limbo dos maus agouros da nossa contemporaneidade, devemos pensar no tempo: tempo de acesso, imersão, interação em ambientes virtuais.


Profa. Claudia Nunes

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