Realmente o mundo mudou. Mudou em tudo. E uma das mudanças
que venho observando é o aumento das pessoas que revelam: eu falo sozinho/a.
Sem nenhum senão, esta revelação tem feito parte dos papos entre amigos e vem
tornando os diálogos mais profundos e esclarecedores. Realmente saber que o
outro fala sozinho tem entrado noutro patamar: não é loucura, é forma de
extravasamento; não é doença, é maneira de criar o pensamento estratégico; não
é esquizofrenia, é jeito de desenvolver equilíbrio emocional. Segredo: eu falo
sozinha...
No mundo acelerado do século XXI, ‘falar sozinho’ significa
‘autopapo’, ou seja, uma conversa solitária e solidária consigo mesmo, na
perspectiva do entendimento de uma situação e/ou do encontro com o chamado
‘equilíbrio emocional’. Em tempo de ansiedade generalizada, este talvez seja um
recurso interessante para o reencontro com a nossa sensibilidade, paciência e
compreensão de si e do outro. Autopapo pode se projetar, por exemplo, no
respeito real às diversidades de pensamento, atitude e emoções alheias; e ai
talvez, só talvez, nós tenhamos um mundo melhor.
De acordo com o que venho observando e lendo, autopapos tem múltiplas linhas de ação
nos sujeitos. Outro exemplo de análise pode ser: eles aceleram e qualificam o
processo cognitivo e emocional necessário à convivência de todos com todos. O cérebro
ganha qualidade em seu sistema de recompensa, logo, é possível pensar que os
autopapos fortalecem a capacidade humana de se motivar, emocionar, agir e
explorar a realidade, porque são fontes de dopamina no corpo. Como a recompensa
faz parte da programação cerebral, autopapos investem em estruturas orgânicas e
mentais. Resultado: menos reatividades inúteis que complicam a continuidade das
relações; mais presença de espírito e espírito esportivo diante de situações /
emoções ruins. Há uma ‘varredura’ real das emoções toxicas, por exemplo.
O ‘falar sozinho’ (autopapo) é um momento da imaginação e da
aprendizagem; é pensar oralmente; é uma tentativa de entender o outro; é uma
necessidade de permanecer junto ao outro; é uma possibilidade de apartamento
dos barulhos e murmúrios do cotidiano para se compreender e assim saber se comportar
com determinadas tranquilidades; e, por fim, é uma ferramenta de mudança de
comportamento simples.
Com poucas dúvidas, acredito que ‘falar sozinho’ é um tipo
de comportamento cada vez mais comum e, particularmente, não vejo nada de
irracional nisso. Há benefícios ao cérebro como a melhora da qualidade da
plasticidade cerebral (e sua neurogênese); da formação da bainha de mielina (necessária
à condução organizada das informações no cérebro); e dos processos cognitivos
importantes às formas de aprender e de conviver em sociedade. Quando ‘falamos
sozinhos’ trazemos à memória variadas informações e as articulamos com as
futuras situações ou pessoas com as quais temos que lidar todos os dias. É uma
forma de preparação de postura, de olhar, de escuta, de temperamentos e,
principalmente, de diferenças, sem que percamos a espontaneidade ou sem que
magoemos alguém. Autopapo como instrumento de diminuição da impulsividade, da
agressividade ou da reatividade humanas? Autopapo como forma de se equilibrar
ações cerebelares? Interessante...
Bom, com o autopapo é possível também pensarmos que, em seu
processo, as habilidades emocionais contidas na memória criam sinapses mais
fortalecidas e experimenta-se maior compreensão de si e de mundo. Há crescente
capacidade de memorização, concentração e atenção. A linguagem não verbal e
física, diante de determinadas situações, tem mais harmonia e ganham mais
maturidade. As lembranças acontecem com mais clareza e facilidade. Importante
reconhecermos, porém, que não deixamos de ser quem somos (conjunto de vivências
e experiências = memória), mas é possível, em muitos momentos do autopapo,
compreender quem é o outro e criar pontos maiores de respeito e escuta. E assim
o reflexo da personalidade acontece com um pouco mais de condescendência e
perseverança. Autopapo como instrumento de diminuição da violência atual?
Novamente, um pensamento interessante...
O ‘falar sozinho’ é ter cuidado consigo mesmo para ter
cuidado com o outro. O autopapo é uma forma de exercitar o cérebro: memória e
funções executivas. Há reprodução de gestos e atos em solidão pensando
justamente no outro e em suas reações, afinal o autopapo se dá pensando no
outro. Louco? Não! Reforma do pensamento e liberação total do que se é e pensa
sem a presença do outro, mas em função também do outro. Sem o outro
fisicamente, no caso do autopapo, habilidades sociais são desnecessárias e, em
muitos casos, é isto que acalma e acerta nossos desentendimentos emocionais
para novos (nossos) enfrentamentos.
O autopapo pode incentivar
“o cérebro a manter o foco para realizar
as tarefas e resolver os problemas; melhorar a capacidade de pensar,
resolver as coisas de forma mais rápida e também de relembrar com maior
facilidade”; pode reativar
informações, principalmente, visuais e sensórias; pode facilitar o processo de aprendizagem; e pode estimular a percepção e as formas de se expor entre pessoas. É uma
alternativa para que as pessoas que se sentem, por exemplo, esquecidas se
mostrem e ganhem mais força emocional quando suas presenças são necessárias. Se
longos e duradouros, os autopapos se prestam a trazer mais harmonia à vivência
das situações. Ou não? Oh discussão boa...
O autopapo acontece dentro do carro em viagem relativamente
longa ou não; quando se pratica exercício físico fora ou dentro da academia;
quando, depois de um dia cansativo de trabalho, deitamos e não conseguimos
dormir; quando nos damos ao luxo de um banho demorado; quando decidimos arrumar
a casa ou nossos armários; quando lemos algo que nos desafia a paradas
constantes para pensar; quando relaxamos em lugares aprazíveis por tempo indeterminado;
etc. Enfim, o autopapo é uma troca de ideias com seu eu, às vezes, reprimido. É
também forma de sublimação, um dos mecanismos de defesa mais positivos de que
se tem noticia.
Mas atenção aos exageros: diante do excesso e da percepção
de que, por exemplo, seus amigos estão lhe evitando ou já comentando sobre esta
sua mania, um passatempo ou um hobby é imprescindível. Nunca estamos sós. Temos
bipessoalidade, pelo menos. Então o autopapo sou eu e o outro eu cujo
espelhamento está no outro fora-eu. Trabalhamos com imagens internas
modificadas pela assimilação e interação das imagens / informações externas.
Precisamos desses autopapos. Precisamos desses autodiálogos para ter e procurar
sentidos em nossa participação na vida. Mas também precisamos da figura real do
outro, importando novas cognições e emoções em nosso sistema nervoso, e assim
causando, em princípio, a chamada ‘maturidade emocional’.
Como o cérebro pensa com palavras, sentimentos causam
confusões, daí a necessidade de autopapos em que, sem a interferência da fala e
do olhar do outro, organizamos essas confusões (discussões internas) com calma
e do nosso jeito. Um bom autopapo, por fim, demonstra saúde mental, ou, como diriam
os orientais, é uma experiência de iluminação e esta nos energiza para entender
e respeitar o outro e suas diferenças.
Ah, de novo, o autopapo não magoa ninguém.
Profª Claudia Nunes
REFERÊNCIA
http://thesecret.tv.br/2014/07/cientificamente-comprovado-falar-sozinho-deixa-voce-mais-inteligente/ acessado em 04 de janeiro de 2015
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