121 Na noite escura e barulhenta, ela
escutou uma voz: aprenda! Não eram pensamentos, eram sensações: aprenda! Ela
não estava dormindo: aprenda! Calculando que era um sinal, fechou os olhos e se
deixou levar: aprenda! Num mundo solitário e branco, ela estava aberta, sem
orgulhos, ansiedades ou tristeza. Lá nada disso servia: ela precisava enxergar.
Um musica atravessou sua mente: e a limpeza emocional e mental começou. Ela
conspirava em seu favor. Ela precisava retomar caminhos: aprenda! Sem
esquecimentos, de manha, ela aprendeu: - Lucas? Quero vc! Claudia Nunes
122 Pensando em corpo. Voltando para
casa, o corpo incomodou e perdeu o sentido. Desgovernado, ele não sabia onde
começava ou terminava. Ele se olhava e se incompreendia. Não tinha mais
dimensões ou limites. Corpo. Casa. Tumulo. Baú. Mais do que a pele, ele não
mais se entendia como um concentrado de informações que se banham de mais
informações para mudar, mudar e mudar. Sem corpo, como ficaria sua alma? Sua
energia? Seus sentidos? Ele estava parado na esquina e apenas respirava a falta
de pistas referentes a um possível reencontro. Estava insalubre, nervoso,
inseguro, desconfortável. Ao fechar os olhos, as memórias e as emoções saltaram
e doeram. Seu cérebro não recompunha a lista de tudo que ele fora com harmonia.
Respirar, respirar e respirar: eis a única possibilidade de se reconectar. O
tempo passou. Seus olhos abriram, o sinal esverdeou e a vida fluiu
naturalmente. A necessidade é a base dos comportamentos. Claudia Nunes
123 Ela não sabia que caminho tomar.
Ela apenas sabia que o caminho existia. Medo do que viria? Fato! Que
obstáculos? Que pessoas? Nada lhe respondia. E os passos precisavam ser feitos.
Seus objetivos eram claros, mas e os cruzamentos? E as expectativas? E as
surpresas? Ela não sabia nada do caminho. Mas queria seu futuro e as atitudes.
Difícil. Tenso. Ela não sabia por que se importava com as tentativas. Ou
melhor, ela se importava com o resultado das tentativas. Pressa ou saltos?
Sonho ou rotina? Ela sabia apenas sobre o primeiro passo: experimentar e
persistir. Medo! Almas boas e más há em todo lugar: quais lhe dariam a mão?
Quais lhe magoariam? Ela não sabia o sentido do ‘não’ e lutava por adequar seus
‘sins’. Energia. Atração. Ela não sabia qual caminho e a proposta fora
fundamental. Diante do seu armário, caminhos, roupas e escolhas: o que fazer?
Pensar, sentir e agir: é vida que segue com medo mesmo. Claudia Nunes
124 Ela perdeu seu mundo. Um erro e
ela perdeu tudo. Ela se descuidou e estava só em sua depressão. No meio do
choro, ela sentiu culpa. Ela era uma culpa. Seu comportamento fora reprovável:
e se tornara frustrada. Nunca pensara em se envolver, mas fora uma mulher
apaixonada. Saltara da dúvida para a paixão, sem se dar conta do futuro. Depois
da sedução, muitos desequilíbrios e esconderijos: valia a pena. Fora do prumo
se tornara distante entre o que fora e o que queria ter sido: valia a pena. Ela
se violava e abria feridas claras ou obscuras em todos. Hoje: o fim e a culpa.
Ela era culpada, mas precisava se recompor afastando-se do principal obstáculo:
ela mesma. Depois do vendaval, o resultado era um crescimento emocional
inadequado e novas perdas. Ela capengava emoções e não valia mais a pena. Ela
precisava se atualizar internamente e se recuperar externamente. A vida cobrava
forte. Era sobreviver aos acontecimentos ou enlouquecer. Ela tinha o mundo em
suspenso: culpa e autorrealização não conseguiam um acordo. Solução? Limpeza.
Descarte. Ignorâncias. Sua liberdade não tinha culpa, ela sim. Correu no
quarto, fez uma mala e fugiu. Além do horizonte, devia haver outra civilização,
outras naturezas. Claudia Nunes
125 Com toda a casa fechada, Helen se
sentia vigiada. Amava o mundo, mas não queria mais vivê-lo. Ela respirava forte
e lavava muito as mãos: culpa. Ela pecara: culpa. Seu trabalho ia bem. Sua casa
estava arrumada. Sua relação com Lucas estava tranquila. Por que a culpa? Ela
pensava. Em pensamento, estava envolvida em múltiplas transgressões e expiações
do desejo. Em pensamento, não lutava para ser social. Em pensamento, tinha
liberdades sem disfarces. Pecadora e errada! Culpa! No fim do dia, ali,
fechada, seus erros eram monstros que não lhe deixavam resplandecer. Em erro,
era indigna, má, inútil. Ela tinha raiva de si mesma: ‘incompetente!’. Como
pode? Fechada, ali, só valia ser com intensa autopunição: abriu seu armário e
picotou todos os seus melhores vestidos pensando: ‘sem tantas capas serei uma
pessoa melhor, amanha, só amanha...’ Claudia
Nunes
Quando as emoções não estão
equilibradas é culpa dos pensamentos; quando as emoções são pensadas são fontes
de sentimentos; o que fazer então? Emocionar-se sempre e construir outros
designs afetivos sem medo. Claudia Nunes
127 Inferno astral. Inferno
particular. Diante da realidade, Samara tinha culpa. Diante do seu
comportamento, ela se deixou debater em meio às emoções e às atitudes
impensáveis, ainda que apaixonantes. Ela sabia dos seus motivos, mas sofria.
Seus ambientes não podiam mais ser frequentados com a liberdade e a singeleza
dos atos responsáveis: ela fora irresponsável; ela amara o proibido; ela vivera
as profundezas das loucuras do amor; ela ignorara todos os padrões e verdade; e
agora, descoberta, a culpa. Nada poderia ser evitado: e o tormento era de
todos. Mas só a culpa não bastava, escondido em seu psiquismo e em sua
angústia, havia o remorso. Cruel lidar com uma escolha, ela formara uma tsunami
de ações, palavras e emoções. Cruel lidar com tudo isso, quando suas lembranças
e corpo lhe excitavam, animavam e justificavam a vida, a experiência... para um
novo encontro. Samara não podia pensar nisso. Samara só podia desejar isso.
Samara optara pela necessidade e pela fantasia acreditando que teria controle
sobre a relação: ela amara incondicionalmente; ela quisera o proibido.
Caminhando pelas montanhas, ela suava muito e pensava: culpa, remorso e
arrependimento, de que adiantavam? O que significava, de repente, todo aquele
desconforto interior? Ela quebrara o próprio imaginário sobre si mesma e
machucara ‘alguéns’, mas não o fizera sozinha e sem apoio. De acordo com seus
princípios, ela fora má, perdera a noção de si, calara seus escrúpulos e
empatia: ela realmente fora má. Em cada passo do caminho, rumo ao pico da
montanha, o medo do retorno, o medo dos olhares acusatórios, o medo da própria
representação de si nos outros, o medo dos julgamentos. Porcelana rachada,
assim se via, e assim acelerava o ritmo cardíaco. ‘O que fazer? O que fazer?
Subir, ir até o pico, respirar, decidir e descer. Na vida, não sofrer por nada
teria sido seu pior tormento, então, com medo, foi com medo mesmo. Claudia Nunes
128 Depois daquela viagem, eles se
separaram. Depois da lua de mel, eles se ignoraram. Depois da comunhão dos
corpos, eles não se entenderam. Depois de 07 anos de namoro, eles não sabiam
mais conviver e se dizer simplesmente: ‘oi, tudo bem?’. Eles se reencontraram
numa esquina e... vida que segue. Claudia
Nunes
129 Um banho de vida, assim ele
percebeu seu corpo. Um banho de atrações, assim ele reconheceu sua casa. Ele
estava feliz! Em muito tempo, ele não se controlava tanto. Ele estava feliz! As
perdas causaram um vendaval na vida; mas, agora, recuperara sua força de
vontade, se sentia útil e tomara banho. Oh coisa boa, um banho em casa. Ele
lera muito sobre tudo, agora era exercitar, agir e dominar sua realidade. Ele
aprendera: um passo de cada vez e muita simplicidade. Nada de ansiedade ou sonhos; apenas viver,
ser e lutar, como antes... antes da prisão. Oh banho bom demais! Claudia Nunes
130 Aos 50 anos, ela aprendera a tocar
em sua essência. Tarô, runas, cristais, cartas, tudo servira para que ela
pudesse se reconhecer e se equilibrar. Mas nada tocara sua essência. Ela não
era inferior, menor, ruim; ela era ela e muito diferente. Ela tinha magia,
encanto, mistério e alegria. Sim, parte de sua essência era a alegria. Ela
podia desejar, sonhar, imaginar, fantasiar tudo: enfim a liberdade da essência
e de ser. Existir ganhava qualidade: ela tinha uma essência e confiança. Ao
conspirar a seu favor, o universo estrelado lhe deu boas vindas: o acidente de
automóvel não tinha mais sentido... Claudia
Nunes