101 Mandingas, olhos gordos, mal
olhados, energias negativas, ela temia tudo. Jamais acreditou em coincidência;
tudo era um chamado ou um alerta. Andava pelas ruas olhando todos os lados:
nunca seria pega num contrapé. Parada pensava: sou uma alma correta, honesta,
íntegra. Corpo fechado mesmo. Suas aulas de filosofia eram sua fortaleza:
inveja, ciúme e ambição desmedida precisavam de barreiras de pensamento e de
atitude. Ali, esperando o sinal abrir, ela pensava em energias, em forças, em
alternativas de vida com os outros. De corpo fechado, um alívio para pensar. De
alma livre, a independência de ações. De mente cheia, um grito e o atropelamento.
Claudia Nunes
102 No baralho, sua vida. Na vida, sua
curiosidade. Na curiosidade, seus enganos. Nos enganos, sua maturidade. Sem
compreensão, o alívio da morte. Tchau! Claudia
Nunes
103 Dentro de uma vida moderna
agitada, as proteções são muito importantes. Principalmente com relação às
memórias emocionais de cada um. Sara esquecera disso e sentira energias minando
sua vitalidade. Não tivera forças, foco, atenção, amor. Não tivera nada e
estava muito cansada. Alternativa? Nenhuma. Agora o estado terminal: vivia a
vida dos outros como forma de alívio mental e emocional. Ela era outro alguém e
carregava isso por toda parte. Mas esquecera das proteções e os problemas
vieram. Sem méritos, aos prantos, assinara sua demissão. Claudia Nunes
104 Naquela praia deserta, Ema não
sentia o tempo passar e sua mente era o território de bobagens sem fim. Ela
tinha certeza: ela viera e vivia no mundo por isso. Essa era a energia que lhe
vibrava melhor. Com óculos de sol, observava as ondas ir e vir sem parar e se sentia
carregada. Amava, gostava, respirava, sentia, sem impaciências. As horas
registravam sua aventura de ser mãe, filha, amante, mulher, ainda que
enfrentasse pequenas incompreensões, com otimismo e alegria. Ao abrir o jornal,
a pergunta: quem somos nós? E as palpitações começaram... Claudia Nunes
105 Engraçada a felicidade, ela é
muito desejada e ultrafulgaz. Demoramos anos para ter um instante de emoção
positiva e, muitas vezes, não sabemos vivencia-lo como merece: equilíbrio. A
questão é estabelecer metas e ignorar a vaidade dos merecimentos. Somos
merecedores de quem somos, e só. Vazios, devemos ajudar pessoas, agir com
flexibilidade, pensar positivo e viver com honestidade. Mas, vazios, somos
porosos aos olhares e sentimentos tóxicos. Não temos merecimentos, temos
possibilidades por causa e por efeito de nossas atitudes. É preciso compreender
isso: o valor das coisas e das pessoas está na disponibilidade das junções sem
bloqueios preconceituosos ou estigmatizados. Importante a forma e não o
conteúdo? Negativo! Forma e conteúdo nos engrandecem, nos enaltecem, nos
amadurecem e nos completam. Só temos que ter um cuidado: os ventos atingem
recantos emocionais surpreendentes e engatilham memórias ‘deseducadas’. Para
ser feliz ou tocar a sensação de felicidade, no processo de vida, temos que
passar pelo ‘vale da sombra da morte’ inúmeras vezes e ressurgir plenos de fé e
força. Atenção. Claudia Nunes
106 "De pernas cruzadas, na
varanda do apartamento recém comprado, Vanda pensava no tempo. Sua memória
estava às avessas: ela queria as épocas, as horas, os dias de liberdade e de
muitos amores. Mas já nao era tão jovem. Ela só sentia o estupor dos ventos da
realidade causando mais perplexidade: ela perdera o momento oportuno. e já não
era tao jovem. Amara demais e sofrera muito: não estava mais no clima das
superações e queria desabar para sempre. Ele se foi. Ele surrupiou seu orgulho.
Ele escureceu seus dias já que não era também tão jovem. Da varanda, vidas
tinham suas próprias referencias e ela estava completamente excluida: sem
completude, ela não era mesmo mais jovem. Certamente o trabalho a mantinha
viva, mas a vida estava desconectada. Ela queria matar o tempo. Ela queria
distrair o tempo. Ela nao tinha mais tempo. Com esforço, aceitava as
inutilidades das migalhas afetivas e gradativamente ia se desconectando das
relações. Para que? Para perder o tempo do conforto e do futuro. De pernas
cruzadas, na varanda do apartamento recém comprado, Vanda se perdia em seu
próprio tempo. Ela se ressentia e os amigos desapareciam: era dar ou perder o
tempo e ninguém era mais jovem. Sem o menor pudor ou seleção, eliminou-se das
redes sociais e aceitou o pó da vida. Pena. Carlitos tinha esperanças e a
aguardava desde a infância..." Claudia
Nunes
107 Todos os dias fazemos escolhas.
Todos os dias inauguramo-nos para ilustrar o dia com atitudes e emoções. Somos
destinados à transitoriedade do tempo e dos sentidos diante das inúmeras
informações. Infelizmente nos pautamos no certo e no errado esquecendo que há
uma ‘terceira margem’, e daí criamos insatisfações. Nós e Laura sabemos que,
por necessidade, devemos reconhecer o valor do esforço, da luta e do
equilíbrio. Nós e Laura sabemos que sentir as indecisões é sentir um futuro
aberto e possível aos sonhos e aos desejos. Nós e Laura estamos preparados para
remexer em nosso interior e desenvolver adaptações e sintonias em diferentes
paragens do mundo. Nós mudamos. Laura virou luz. No fim das contas cada um
encontrou sua força e seu caminho. Nós e Laura somos natureza. Claudia Nunes
108 A mágoa é algo incompreensível e o
simples perdão não adianta. Tem princípio e meio, mas não tem fim. As cores do
cotidiano se transformam e os comportamentos tornam-se menos espontâneos.
Difícil trabalhar este sentimento e Marcos aprendeu isso da maneira mais dura:
seu amigo iria se formar e não o convidara. Nada acontecera. Não havia razões.
Mas o convite não veio. Sentado em seu computador, a tristeza estava no coração
e no corpo: era uma angústia sem fim e muito pesada. Por quê? Muitos ligaram para
ele e também não entendiam: cenas de constrangimento. Marcos não comentava e
não perguntara: sentir uma mentira ou um disfarce seria pior do que a verdade.
Silencio por fora e grande barulho por dentro. Durante os dias, ele conversara
muitas vezes com o amigo e nem uma palavra. Movimento na família dele e no
bairro, e nenhuma palavra. Por quê? Tão próximos, tão parceiros, tão amigos e
nenhuma palavra. Era uma mágoa estranha: não tinha contexto e nem continha
hábitos. Era uma dor infinita: não havia fundamento. Ele não se controlava,
doía demais. Várias noites pensando a amizade cena por cena e nada: nenhum
deslize, nenhum desacordo, nenhuma diferença. Olhando seu e-mail soube que
ganhara uma viagem para Roma do padrinho e partiu sem pestanejar. Não vira que,
no fundo da caixa do correio, ratos roíam um lindo envelope que dizia: ‘para o
meu melhor amigo, na esperança de um abraço no melhor dia da minha vida. Te
aguardo’. Claudia Nunes
109 Sem querer nos perguntamos ‘por
quê?’. Não percebemos que todos dias, em inúmeras fontes de informação,
convivemos com o up da evolução. Sem querer estamos em ebulição diária:
transformação, mudança. Lucas não percebera nada disso. Como sempre teve
certezas emocionais, projetava-se na vida com força como um forte. Era uma máscara.
Desde a juventude decidira: queria os caminhos seguros e para isso teria que
construir um personagem. Base dessa construção: a imponência. Enquanto crescia
profissionalmente reconhecia: havia mil interferências; haveria muitas
inconformidades; houve muitas pessoas inadequadas. Só que outra certeza sempre
lhe acometida: estava amadurecendo. Sem questionamentos sabia que lutava contra
uma corrente fortíssima: a fragilidade, a insegurança, a dúvida, a sensação de
inferioridade. Um dia, diante da luz do sol, suas pupilas dilataram e Lucas
surtou: diante das cores do arco íris, ele virou estrela e foi aos céus das
inutilidades e dos deuses do Olimpo. Claudia
Nunes
110 Num bar, ela escutou ‘o silencio é
a alma do negócio!’ e ela pensou: a elegância também. Ao abrir a porta,
abandonou a vida e foi brilhar como uma pequena purpurina no chão da Broadway e
em silêncio. Claudia Nunes
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