91 Da janela do seu quarto, ela
entendeu: as dificuldades são as desculpas dos dependentes. Ela pensava na
vida, no amanha. A lua cheia a olhava e atraia sensações desconhecidas: ela
pensava em frustração. Embora soubesse que a autonomia é a representante da
maturidade cuja presença precisava respeitar, frustrara-se. Fora surpreendida e
frustrara-se. Silenciara por frustração. Em noite de pensamentos, frustrara-se.
Que decepção consigo mesma: frustrara-se inutilmente e aprendera. Da janela
sabia, era hora de outras responsabilidades: sentir, pensar e agir, afinal
frustrara-se. Da janela ouviu: ‘somos o que pensamos ser’. Que nada!
Frustrara-se, mas tinha potencial: iria ler outra coisa e vibrar noutra onda,
de manha, depois do sol. Claudia Nunes
92 Sentada no andar de cima de sua
casa, ela percebeu: estava fraca. Aos 40 anos, estava fraca de tudo. O barulho
dos filhos e marido chamara sua atenção: estava sem ânimo. Ela encostou no
braço da cadeira e deixou a vida passar. Por dentro e por fora, sua memória
escorreu sem entraves: ela era um peixe fora d’água desde sempre. Esportes,
amores, estudos, amores, vícios, amores, casamento, amores, filhos, amores,
decepções, amores, alegrias, amores. Muitos amores, poucos envolvimentos. No
trato com a vida, só vulnerabilidades. Sem energia, estava em questão e
cansada. Energias misturadas, impaciências, doenças, solidões, tristezas. No
panorama dos dias, a tinta do tinteiro tinha mais vigor que ela. Gritos lá
embaixo. Gritos cada vez mais altos. Invasão do seu quarto e das suas emoções.
“Preciso passar roupa...” Claudia Nunes
93 Sentada numa biblioteca, ela olhava
os livros. O que fazia ali? Depois da discussão, andara por horas e chegara
àquele lugar. Não gostava dali. Nunca fora ali. Mas estava ali e se sentia confortável.
Sua vida fora dedicada à família. Tinha prazer nisso e nunca desistira. Nunca
pensara em si, apenas prestara serviço ‘de bem’ a todos porque acreditava na
possibilidade de aprimoramento e liberdade. Ela tinha foco. De um dia para o
outro, o desastre: amara incondicionalmente. ‘A senhora deseja alguma coisa?”,
perguntara a bibliotecária. ‘Sim. Vida. Quero vida! Quanto custa?’ Claudia Nunes
94 O mundo mudou. Estamos fugindo
velozes para outro mundo sem saber qual de qualquer jeito. O desejo de viver é
tanto que o jogo das relações se perdeu nas brumas nas escolhas básicas e
sempre fulgazes. Não é mais possível ter tempo para iluminar as emoções e
equilibrar os gestos, tla as exigências que se fazem a si e aos outros. Vive-se
em fuga, com medo, em tensão e com dor. Nessa luta, no meio de muitos, solidões
inimagináveis e quase indecentes. Andamos fora de foco, sem prazer e prestes a
desistir dos nossos dias seguintes. Estamos cômodos e em cômodas afetivas.
Opção? Aprender a decidir com menos egoísmo, afinal bem-estar é a conjunção do
ser humano sendo ser humano entre seres humanos. Aprendamos... Claudia Nunes
95 Na sala de casa, a noite chegou e
ela não sentiu. Na parede o quadro do pai e ela ali, horas a fio, pensando
nele. O corpo doía, mas ela negava quaisquer estímulos de mudança: ela queria
morrer. Ela não tinha coragem de se aceitar: estava fora do padrão e seus
sentimentos estavam confusos. Não conseguir parar de olhar: ‘pai cadê vc?’.
Embora a vida tenha continuado, o vazio era seu melhor parceiro. Sem exemplos,
tudo era uma luta inglória, porém sua necessidade era sem trégua. Seu pai,
naquele quadro, era uma energia estranha: bonita, simples, espalhada, mas
confusa. Ela não tinha mais nada. Seu universo se fechara em muros porque se
recusava a ser outra senão uma grande representação de si. De frente para o
pai, revelava-se: não tinha mais espontaneidade e leveza. O que fazer? Imitar?
Criar? Ignorar? “Angela, vamos embora, o museu vai fechar, precisamos
fechar...” Claudia Nunes
96 Numa grande loja de departamentos,
Suelen atravessava os corredores livremente. Tinha prazer em fazer pilhas e
limpar o chão. Era grata. A vida oferecera para ela muitas oportunidades e ela
se negou a crescer. Ai de repente, teve encarar: estava sozinha. Era grata. Respirava
a doce alegria de ser útil e dava muito valor a isso. Num instante, uma pilha
de caixas de leite desapareceu. O vácuo a enlouqueceu. Sua natureza foi
perturbada. E ela saiu correndo gritando: ‘Valorizem-se! Amem-se!
Conquistem-se”. Anos depois souberam que ela se jogara na frente do trem e
deixara um bilhete: permitam-se, afinal a qualidade de si mesmo está ligada ao
valor do todo”. Claudia Nunes
97 Hoje é um grande dia. Não há outro
dia para se comemorar, conquistar e superar do que NO hoje. Mas para isso: o
ontem foi sentido, vivido e compreendido, mesmo com grandes erros. Em cada
passo, a possibilidade dos deslizes e dos variados fins. Nada é pior do que
quaisquer antecipações e a sensação de que algo poderia ter sido feito em
tempo. Então, hoje é mesmo um grande dia: o dia das sensibilidades e dos
respeitos pronunciados com força e fé. Há que se ter tempo para assumir tudo e
vontade de acertar tudo, sem orgulhos ou recortes verbais. Somos o hoje
provocado por um ontem em busca de um amanha como hoje. Lógico que o passado é
importante: é nossa memória-habitus; mas hoje é grande pela paz e pelas
dificuldades: crescer é a ideia. Então sempre o melhor momento é o hoje para
nos esforçar, nos transformar... para melhorar sempre. Sem querer o hoje se encontrou
com o ontem é fez um dia bom ter uma noite nebulosa e cheia de ‘senões’. O
único jeito foi a exposição e o esclarecimento objetivos. Hoje é bem simples:
como só temos o controle do agora, importante é tentar algo diferente sem os
desperdícios da timidez, do acanhamento ou das impressões. Sem essas
futilidades, o hoje pode inaugurar um amanha mais amadurecido e confiante.
Assim espero. Amém. BOA NOITE! Claudia
Nunes
98 Era uma linda bailarina. Na ponta
dos pés vislumbrava o mundo e sorria com felicidade. Anos de trabalho e, agora,
o show. Em expectativa, não vi um pequeno alfinete de roupa na quina de sua
bancada de maquiagem. No fundo o sorriso irônico de sua companheira de quarto.
Picada, esvaziou-se... Claudia Nunes
99 Da mesa de um bar de subúrbio,
observo um par. Mesa grande, amigos rindo e um par. Olhos que se traduzem e que
se querem no meio de um enorme barulho de risos e brincadeiras. Eu olho com
calma. Interessante como os brilhos são diferentes: o par é diferente. Gestos
de carinho, mas energias dispersas. Mesmo com mãos dadas, os sentimentos da
relação sugerem outros envolvimentos. Há um ‘mau olhado’; há algum impedimento;
há falta de beijo e abraço. No contexto dos corpos, sentimentos negativos fluem
aos poucos: eis a surpresa. Há emoções escondidas e o par disfarça. O cheiro do
amor construído engana: eles estão se perdendo. A presença de um interesse
descolore a força dos amigos: eles não se querem mais. Sinto arrepios, tenho
vontade de falar, mas silencio. Estou diante de uma admiração invertida e com
pena. Que pena! Ao acordar, leio nos jornais: mulher mata namorado por
envenenamento porque ele lhe pediu um tempo para estudar. Claudia Nunes
100 Da vida nada se leva mesmo.
Deitamos o corpo e dormimos o sono do eterno. E assim somos recontados pelos
outros. Devemos ter cuidado então com aqueles que nutrem sentimentos
destrutivos ou emoções tóxicas: essa ponta de lança é incrivelmente fatal. Sem
notar, Alicia adoeceu. Vivia irritada, rabugenta e agressiva. Sentia que a vida
a deixara de lado aguardando sucessos e nunca mais voltara. Juventude,
casamento, família e profissão foram surgindo, mas havia um poder maior: a
crescente negatividade. Sem explicação, trilhava o caminho da estupidez,
loucura e ignorância. Ela sabia. Ela não mentia para si. Porém ela não tinha
força para mudar. Ali estava ela, doente, vibrando em fluidos errados ou
distorcidos e em imensa vulnerabilidade. Doente, deitara e, de repente, pairou
no ar, suspensa por medos, incertezas e infelicidades. O mundo era enorme e ela
não tinha como se proteger: cumpria sua missão e se aproximava da luz. Com
muito esforço, Alicia se debatia e gritava; se debatia e gritava. Com grande
simplicidade, o medico disse: ‘ela está em coma; já não podemos fazer mais
nada’. Com intensa agonia: ela lutava, gritava, urrava em cada piscar de
olhos... Imensidão desconhecida e cheirosa... Escureceu... Claudia Nunes
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