À Profa. Emilia Parentoni
“A frágil esperança é benéfica para muitos, embora para outros não passe da ilusão dos seus anseios. O homem, que tudo ignora, caminha no seu encalço até sentir queimar os pés em alguma brasa. Um sábio adágio dos antigos nos diz: ‘o mal se afigura um bem para aqueles a quem a divindade quer arrastar à perdição; pouco tempo ele viverá isento da desgraça’”. (CORO, 2002: pág. 102).
VELOCIDADE, EXCESSO, SIMULAÇÃO, eis as palavras de ordem da chamada “pós-modernidade”. Diferentes ambientes são atingidos pela fascinação significante desses três substantivos. E um deles é o ambiente de TRABALHO. O tempo de freqüência nesse ambiente estimula às relações e inter-relações entre vários indivíduos em várias ordens. A confluência entre emoção e razão faz aflorar sentimentos de todos os tipos, inclusive os mais torpes. Por que? Porque o desenvolvimento do trabalho (lucro, capital, valorização, marketing) depende mais dos encontros humanos que se farão ao longo do tempo da convivência do que das competências ali concentradas. Aliás, atualmente, competência não é mais a “alma dos negócios”.
Profissionais fechados vários dias da semana dentro de um mesmo espaço acabam criando tanto afinidades, quanto desafetos, dependendo dos julgamentos sobre as aparências de cada um. As discussões de trabalho (com divergências) tornam-se situações em que a sensibilidade é dicotomizada entre os certos e os errados. Mais do que competência, o que vale são os níveis de vaidade, inveja, superioridade, de cada um ou setor no que concerne aos diferentes gestos de ordem, solicitações, pedidos etc. As atitudes são quase passionais e, além de desagregarem qualquer equipe, direcionam o convívio dentro de uma estratégia de guerrilha: os profissionais dizem SIM e agem como NÃO às diferentes solicitações da chefia-assediante, e assim mina-se o desenvolvimento da produção ou o aumento dos lucros ou as formas de conexão afetiva, ainda em seu nascedouro.
Para não falarmos dessas “estratégias” o tempo todo, usaremos uma expressão que está ascendendo no meio profissional: o ASSÉDIO MORAL. Depois de anos de leituras, foi com grande surpresa que, numa conversa informal, ouvimos essa expressão. Intrigados fomos em busca de material sobre o assunto. Descoberta: esse fenômeno é tão antigo quanto o trabalho. É parte do desabrochamento do individualismo e reafirma-se no perfil do ‘novo’ trabalhador: ‘autônomo, flexível’, capaz, competitivo, criativo, agressivo, qualificado e empregável, ainda que preso às tiranias “veladas” das chefias. Ilustra-se, aqui, com clareza, a questão do “lucro a qualquer preço”, nosso bem conhecido lema capitalista. E o preço maior que se paga é a repressão das competências, criatividades e independências de ser, agir e estar.
Dentro desse panorama, o ambiente de trabalho torna-se um ambiente em que pululam contradições: tantas habilidades tanto trazem a perfeita qualidade de profissional exigida pelo mercado, ou seja, um profissional completamente multimídia e tendo acesso aos diferentes setores funcionais; como também trazem diferentes e maquiavélicas formas de coação àqueles profissionais que procuram se estabelecer pelo saber, pelo conhecimento, pela competência, individualmente ou em equipe. E uma das formas mais pérfidas e populares de coação (repressão) é o ASSÉDIO MORAL. O que significa isso?
Segundo o dicionário Aurélio, ASSÉDIO é “cerco posto a um reduto para tomá-lo; insistência inoportuna, junto de alguém com perguntas, propostas e pretensões” (pág. 163). Ou seja, todo assédio reside no fato de alguém querer algo do outro (vida, amigos, saber, vaga, amor, dinheiro, pose etc) com ações e falas periféricas que intentam pulverizar o bem-estar do profissional no ambiente de trabalho. Há a criação de um silêncio diante das pretensões do assediante tendo em vista a impossibilidade de comprovação de suas atitudes ou comentários. A partir disso, há a construção de estratégias que entornem o objeto de desejo de tal forma que não haja outra possibilidade que não a entrega, por bem ou por mal, do “bem” objetivado.
E por que assédio MORAL? Porque o assediante estabelece um clima de incerteza ao redor do profissional e suas regras de conduta em sociedade: são as observações veladas em meio às conversas informais que deixam dúvidas quanto à integridade do profissional-assediado; são os avisos de orientação aos mais novos, por exemplo, quanto às pessoas com quem falar ou confiar; são as histórias contadas, vez por outra, ratificando a idéia de que o profissional-assediado deve ser temido; etc. Idéia principal: todo ASSÉDIO MORAL é maléfico, repressor, constrangedor, humilhante e, pode até, matar porque atinge invariavelmente os brios e os costumes de um determinado indivíduo ou grupo de maneira a, primeiro, exclui-lo do grupo; segundo, destruir sua auto-estima; e, por fim, eliminá-lo do grupo, do setor, da vida. Atenção: ASSÉDIO MORAL é passível de processo jurídico!
Como se dá o ASSÉDIO MORAL? Através de ações pouco pontuais (claras), ou seja, através de ações indiretas ao redor do objeto de desejo e que tenham a propriedade de reprimir pensamentos, vontades, individualidades, e pior, reprimir todo tipo de criatividade, de maneira que os papéis sociais (no caso aqui, dos profissionais) não se modifiquem (permaneçam estagnados) ou de maneira que certos indivíduos “tornados” perigosos sejam expurgados de certos setores funcionais, denegridos ou descaracterizados. Esse procedimento, num ambiente de trabalho, refere-se aos chefes que investem em seus “subordinados” denegrindo de alguma forma seu conhecimento, suas ações, ou mesmo, sua auto-estima. É a chamada PERSEGUIÇÃO, conjunto de atitudes aleatórias direcionadas a um indivíduo ou grupo por motivo vago ou torpe com o intuito (quase sempre gratuito) de eliminar esse indivíduo. Inicia-se os chamados SOFRIMENTOS MORAIS.
Essa atitude está ficando tão intensa, grave, ampla e banal, em nosso tempo, que a formação de grupos profissionais (empresas, organizações etc) se dá mediante a expressão “amigos dos amigos”, ainda que incompetentes. Essa redoma se firma a partir de diferentes sofrimentos morais e vários assediados nem se dão conta de seu desenvolvimento, já que, em muitos casos, não há como identificar a fonte de tanta discórdia, inveja e insatisfação. Fala-se muito do ASSÉDIO SEXUAL, este tem um espaço imenso na mídia, no direito e no imaginário de todos e, em conseqüência, acredita-se que o ASSÉDIO MORAL pode ser resolvido (quando percebido) com a INDIFERENÇA, ou o silêncio, ou mesmo deixando o tempo passar. Ledo engano! Passar muito tempo exposto a ele pode recobrir muitas inteligências com a quase certeza da INCOMPETÊNCIA ou LIMITAÇÃO, e isso destrói, por exemplo, a relação funcionário-empresa, inibe bons projetos de gestão de pessoas e de empresas, além de estagnar todos os processos de alteração de cargos e salários. Quem tem poder se mantém, quem não o tem se anula.
A base do assédio moral é a HUMILHAÇÃO, sentimento de ser ofendido/a, menosprezado/a, rebaixado/a, inferiorizado/a, submetido/a, vexado/a, constrangido/a e ultrajado/a pelo outro/a. É fazer com que o Outro sinta-se um ninguém, sem valor, inútil, magoado/a, revoltado/a, perturbado/a, mortificado/a, traído/a, envergonhado/a, indignado/a e com raiva. Ainda que os assediados se sentiam dessas diferentes maneiras, essa humilhação não pode acontecer com grande intensidade ou de uma vez só, deve ser acessada constantemente, em momentos específicos, e, em muitos casos, deve acontecer em frente a outras pessoas. Por que? Porque ela não só atinge ao assediado, mas aos outros que assistem silenciosos a esses momentos. E, além disso, mais do que atingir aos indivíduos, atinge o grupo como um todo (até se for contado como “fofoca de escritório”) e desestimula ao pensar individual e criativo. O grupo perde o caráter, a dignidade e a independência. O assediado está só.
Todos ficam expostos ao assédio moral. Se não pela humilhação clara, por cenas de CONSTRANGIMENTOS velados repetitivos. O ambiente de trabalho torna-se tenso, denso e frio. Constroe-se a linguagem dos sussurros nos cantos do espaço físico. Tudo isso é muito comum, por exemplo, em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração. A intenção é a desestabilização dos subordinados com o ambiente de trabalho e a organização, e, em certos casos, forçando pedidos de demissão, explosões de temperamento (demissão!) ou até agressões verbais e físicas (demissão, de novo!).
“O povo fala. Por mais que os tiranos sejam afeitos a um povo mudo, o povo sempre fala. Fala sussurrando amedrontado, à meia luz, mas fala”. (Antígona, 2002: pág. 98).
O ASSÉDIO MORAL é uma degradação deliberada determinada por ações negativas de sujeição aos desejos, “loucuras”, destemperos de indivíduos com médio ou grande poder. O ambiente de trabalho torna-se EMOCIONAL, ou seja, as condutas práticas que resultariam à prosperidade da organização ou empresa, no mercado de trabalho, ficam na dependência do HUMOR com o qual os funcionários perceberão seus chefes-assediantes. Logo, a tendência é a desconstrução de um ambiente promissor e a construção de um ambiente, no mínimo, ditatorial.
Como isso começa? Inicialmente, temos um chefe-assediante. Provavelmente será um chefe com problemas existenciais (psicológicos) sérios e limitado em relação ao conhecimento de seu cargo. Talvez tenha chegado ao cargo através de QI – “quem indica”. Essa limitação não o leva a buscar pares em meio aos seus funcionários de forma a “encapar” sua deficiência e em cujo lema esteja a formação de equipes de trabalho nos pontos em que haja problemas. Essa limitação o leva a estabelecer uma distância em relação àqueles funcionários que julga serem perigosos a sua posição e a passar boa parte do seu tempo “criativo”, pensando em como irá minar a posição de sua(s) “vítima(s)”. Autoritário, isola sua(s) vítima(s) do grupo, através de hostilizações gratuitas, culpabilizações sem análises prévias e, principalmente, a criação de um ambiente da “fofoca” em que o ponto chave é a criação da descrença da(s) vítima(s), no campo pessoal e/ou profissional, diante de todos.
“(...) O homem que a cidade escolheu para governá-la deve receber obediência total, quer seus atos pareçam justos, quer não. Quem é assim obediente, saberá certamente executar as ordens recebidas tão bem como comandar, por sua vez; e na guerra será um aliado valoroso e fiel. Com certeza a rebeldia é a maior das calamidades; causa a ruína dos povos, abala as famílias e provoca a derrota dos aliados em uma guerra. Ao contrário, o que garante os povos, quando bem governados, é a voluntária obediência”. (Creonte, 2002: págs 103/104).
Como o principal pavor da pós-modernidade é o DESEMPREGO, seguido de um processo feroz à competitividade, o ASSÉDIO MORAL acaba rompendo diferentes laços afetivos internos e, freqüentemente, acaba reproduzindo e reatualizando ações e atos do chefe-assediante. Instaura-se o chamado pacto de TOLERÂNCIA e do SILÊNCIO no coletivo. Sem pensar no todo em questão (a empresa e/ou organização), o chefe-assediante, gradativamente, vai desestabilizando o coletivo formador do ambiente de trabalho e destruindo toda e qualquer AUTO-ESTIMA ou capacidade laborativa.
Duas idéias se chocam então: mesmo com o assédio moral, o chefe-assediante quer produtividade, obediência às regras, boas idéias e respeito às regras e/ou aos padrões estabelecidos. Ou seja, a questão da produtividade permanece, mesmo que os funcionários estejam com a identidade, dignidade e relações afetivas e sociais comprometidas. Riscos? Do desemprego até morte tudo é possível.
“(...) Errar é coisa comum entre os humanos, mas se o homem sensato comete uma falta, é feliz quando pode reparar o mal feito sem enrijecer em sua teimosia, pois esta gera a imprudência. (...)” (Tirésias, 2002: pág. 113).
Logo, muita atenção: você é assediado moralmente?
Referência bibliográfica:
HIRIGOYEN, Marie France. Assédio Moral: a violência perversa no cotidiano. Ed. Bertrand do Brasil.
SÓFOCLES. Édipo Rei / Antígona. São Paulo: Ed. Martin Claret, págs. 81 a 142, 2002.
HIRIGOYEN, Marie France. Assédio Moral: a violência perversa no cotidiano. Ed. Bertrand do Brasil.
SÓFOCLES. Édipo Rei / Antígona. São Paulo: Ed. Martin Claret, págs. 81 a 142, 2002.
Profa. Claudia Nunes
Especialista em Tecnologia Educacional / IAVM
Tutora do curso de Pedagogia a distância / IAVM
Nenhum comentário:
Postar um comentário