terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Novas Tecnologias e o Tempo Livre


Novas tecnologias e o tempo livre*

No desenvolvimento das novas tecnologias, nunca, em toda a história da humanidade, o homem foi tão poderoso como atualmente. Internet, EAD, videoconferência, realidade virtual, ciber-espaço/cultura, inteligência artificial etc. É impressionante como, além de vivermos em tempos de produção de todas as facilitações e grandes propostas de liberdade, vivenciamos a percepção da perda do tempo para descansar. Todas as exigências culturais e suas criações tecnológicas acontecem com a idéia de que teremos tempo de lazer, de descanso. Mas o que observamos é que as “máquinas”, cada vez mais ocupam “lugares” humanos, e este, desocupado, não sabe o que fazer de si mesmo ou de si mesmo com o outro (família, amigos, amores). Diante desse dilema, os indivíduos ocupam seus tempos com novas atividades tão cansativas quanto as que fazem no cotidiano rotineiro de uma semana. Sendo assim, renovam o movimento do trabalho, logo, desarmônicos em relação ao próprio corpo físico e mental, embriagam-se pelo poder, negam seus sentimentos e, vez por outra, deparam-se com a incômoda sensação de vazio: é a depressão.

Os objetos criados para facilitar nosso dia-a-dia, além dessa ação confortável, intrinsecamente, investem na ascensão de um dos grandes pecados capitais: a vaidade. Dorian Gray, personagem do livro “O Retrato de Dorian Gray” de Oscar Wilde, engendra essa vaidade dentro de um grande radicalismo, pois, perante a promessa de poder, a inocência, a beleza, o amor, tudo se corrompe. As novas tecnologias, sem a devida medida, alimentam a sensação de grandeza e poder dos indivíduos, por terem grande nível de sedução. Celulares, laptops, computadores, banda larga, etc. seduzem pelo número de ações que podem oferecer (facilitar). A sensação é de estarmos nos tornando verdadeiros Rambos armados até “os dentes” por pura vaidade.

A cada semana, novos aparelhos apresentam-se ao mercado tecnológico processando mais e mais novidades em seu uso. E a cada novidade a real necessidade de seu porte não acompanha a eliminação da novidade anterior. Por exemplo, um celular, hoje em dia, além de eliminar distâncias entre as pessoas, tira fotos, é webcam, é aparelho de vídeo, toca música, diverte com vários tipos de jogos, baixa mensagens e novas músicas da Internet, ou seja, engloba diversas ações facilitadoras às “novas” exigências dos indivíduos. Em conseqüência, sempre cortejados por essas novidades, todos acreditam serem seres especiais. “Sou especial porque possuo”, acreditam. Possuir torna-se um vício e o acúmulo torna-se pernicioso às personalidades e temperamentos.

Sem o devido cuidado de todos (pais, professores, técnicos, teóricos), a cada geração estaremos, mais e mais, falando dos vazios e das faltas que percebemos nas relações que a juventude vai criando em seus poucos espaços de independência como bailes, escolas, músicas, festas, viagens. Na medida em que se exige que sejam, especialmente, brilhantes, atraentes e poderosos, mais se escondem nas novas tecnologias a que têm livre acesso e, com isso, sem a mínima direção, inflam egoicamente suas projeções (sonhos, fantasias, vontades e desejos) na cotidianidade. Cada vez mais, então, não entendem palavras como fracasso, perda ou morte. E mais, à parte de valores, conceitos, relações veiculadas como ideais, eles ainda são sobrecarregados com a idéia de que devem ser super-homens e mulheres. Êxito, sucesso, conquistas materiais e realização pessoal passam a ser expressões sinonímicas e, segundo aprendem, só são alcançados com muito trabalho, grandes descartes (negações) e pouco divertimento. Aliás, divertimento é quase uma palavra de baixo calão, diante de tais e tantas exigências.

Dentro desse pensamento, trabalhamos também com a sedução do descanso.

Todas essas exigências se apresentam estrategicamente como fórmulas perfeitas para que o indivíduo possa gerenciar seu tempo livre. Criações tecnológicas criam tempo livre, mas o que fazer com esse tempo livre? Com a presença das novas tecnologias em diversas profissões ou agilizando (ajudando) diversas profissões pelo nível de interação, o que fazer com o tempo livre?

Todos os poderes são aceitos por nos entendermos / sabermos altamente criativos sob diversos aspectos, mas essa certeza cai por terra quando temos o tempo livre. Num mundo capitalista, ser útil é ser somente trabalhador profissional. Os indivíduos não se entendem úteis sendo perceptivos de si mesmo, ou re-elaborando-se interiormente para re-investir em suas funções profissionais com mais equilíbrio e mais força.

A partir do século 19, submissão, austeridade e relações de culpa foram substituídas por maneiras de exibição. Novas tecnologias e velocidade das informações são outras maneiras de exibição. Dessa linha, surgem o voyerismo e o narcisismo. As pessoas acham-se voltadas para a sua própria imagem, estão embriagadas pelo poder e negam seus sentimentos. E o excesso de trabalho é a forma estratégica encontrada para manterem-se abaixo da linha do suicídio. Porém, mostram-se mais sujeitos à depressão e às sensações de vazio interior.

Dentro do turbilhão do trabalho diário, cada vez mais as emoções ficam “desinvestidas” da simbologia exterior e ficam muito investidas na imagem que a pessoa tem dela própria e que é criada em cima de tudo o que dizem que ela pode ser no mundo. As interações que realizam diariamente acontecem na expectativa de atrair mais e mais lucro a qualquer preço, sem dividir. Esse movimento amortece o corpo (adaptação à superestimulação das grandes cidades: barulho excessivo, ritmo intenso, tensões) e bloqueia as percepções, ou seja, os indivíduos vêem apenas o que querem ver. É um castelo de papel que construímos paulatinamente, encobrindo toda e qualquer sensibilidade e afeto até precisarmos de toda essa atividade e excitação como parte de nós mesmos e para nos sentirmos vivos. Daí a dificuldade agônica de aceitar e passar pelo tempo livre.

Na condição moderna, ao invés das pessoas se abrirem para sensações e sentimentos, tentamos nos insensibilizar para não enlouquecer. Perdemos o ritmo entre trabalho e repouso. Ação e realização são melhores do que o repouso. Fazer alguma coisa é melhor que nada. Sem descansar, ficamos desorientados. Envenenados pelo ímpeto do sucesso a qualquer preço, nossa vida corre perigo. A excessibilidade inflige sofrimento a todos. Todos estamos muito ocupados! E isso é dito com grande orgulho, afinal estamos dando conta de nossa independência, estamos sendo responsáveis. Junto às novas tecnologias enfrentamos cada dia de forma voraz e frenética, acreditando nessa dinâmica como troféu de nossa capacidade de nos multiplicarmos por atividades e no tempo.

Logo, dentro do tempo livre, não há o mínimo senso do próprio self. A inutilidade bate à porta de todos. Degradante é a sensação de desconectar-se de nossa natureza humana para sermos deuses. Que paradoxo! Em par com Prometeu, a humanidade conseguiu o fogo e dele pôde aquecer sua criatividade. Mas, e quando só viver for preciso, o que acontece? E quando precisarmos nos responsabilizar por nós mesmos em tempo livre, o que acontece? E quando necessitarmos ouvir nossas vozes mais profundas, o que acontece? Nada! Literalmente, não deveria acontecer nada! Só deveríamos sentir... Acontecerá só o movimento dos acontecimentos diante da nossa (pré) disposição para senti-los. Tempo livre é disposição para a ação do nada!

Em tempo livre, não precisaríamos resolver nada... Precisaríamos descansar, repousar, meditar, rir, brincar, papear... Buscar a alegria de viver, o sabor da vida, mesmo diante do computador, do laptop, do vídeo, da TV, do livro. Se permitimos que nossas ferramentas e recursos maquínicos estabeleçam tempos “para o nada”, aproveitemos essa ausência de esforço para outros esforços, mas esforços mais interiores, mais identitários, mais amplos de si e dos outros. Tornar o mundo frutífero é aceitar o espaço de tempo livre para ouvir as pequenas vozes ao redor. No tempo livre, é que nos lembramos de quem somos e do que sabemos. Fazer, vez por outra, um pit stop, é influenciar a ação de lembrar e, com isso, reavaliar nossas aceitações, nossos aprendizados, nossos conhecimentos, nossas posições e nossas descobertas.

O tempo livre é a dormência necessária para sentirmos nosso corpo.
O corpo é a nossa tecnologia inicial, principal e final! Tudo bem?
Vez por outra, por favor, aceitem o tempo livre!

Profa. Claudia Nunes
Ms em Educação pela UNIRIO

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