sábado, 23 de fevereiro de 2008

TRÓIA: História sem Deuses e sem Cassandra!

Pessoas, eu adoro cinema! Simplesmente não passo uma semana sem ver um filme. Mas há períodos em que, o melhor, é a videolocadora. Mesmo sendo fiel à telona, tem filmes que escapam, aí o melhor é aguardar o VHS (ainda não aceito ou entendo direito o DVD rsrsrsrs). Essa minha sanha aumenta muito quando há filmes épicos em exibição. Ih! Aí, eu não perco mesmo! Nesses dias mais calmos eu vi (de novo!) TRÓIA.

Eu não sei vocês, mas cada vez que vejo esse filme fico arrasada com o que pode ser feito com a mitologia greco-romana. Para que isso? Sei que o cinema é outra linguagem, mas não respeitar minimamente as linhas mestras dessa história, ah, isso é o fim! Revejo o filme porque desentendo a razão do volume de mídia que o recheia. Conclusão: um filme para mostrar um Brad Pitt lindo e musculoso, mas sabe Deus se verdadeiros... Ainda assim acompanhem-me.

Licença poética é uma expressão que se apresenta quando, a partir de textos tradicionais, recontamos as diferentes histórias de forma mais adequada ao tempo, às nossas idéias, às nossas maneiras de ser e viver o/no mundo. Licença poética é um conceito artístico que referencia a intertextualidade literária. E Hollywood tem se tornado expert nessas formas de re-produzir olhares sobre tudo. Mimeticamente há uma “onda” de reconstituições de fatos históricos ou de famosos textos literários na intenção de revigorá-los e recolocá-los ao sabor de olhares atuais. É a chamada revisitação, palavra também da moda e uma atitude com um adjetivo adequado à sociedade atual: lucrativa.

Porém, existem algumas revisitações (re-leituras) que, por uma questão ética, deveriam se preocupar minimamente com a verdade dos fatos e incentivar, por isso, a curiosidade das gerações mais jovens. Incentivar a verdade dos fatos, não quer dizer cópia ou perpetuar saudosismos, mas construir essas re-leituras sob linhas verdadeiras, linhas que, pelo menos, convoquem o ideário a qual a obra relida fora conformada.

De acordo com as regras das grandes produções criadas pelos filmes épicos, o filme TROIA é extremamente funcional: grandes planos fotográficos (imagens), um herói com apelo sexual extremo (Brad Pitt), efeitos especiais (poucos no caso em questão) e uma história que a tradição “fora-telona” pré-determinou como grandiosa.

Mas onde estão os deuses? Ou melhor, onde está a verdade dessa história? Como identificar o imaginário do período? Historicamente sabemos que a cultura grega está intimamente vinculada aos deuses. O divino responde a todos os questionamentos, incertezas e nos dá todos os significados (sentidos), a que estamos “acostumados”, até os dias de hoje, sem nem mesmo sabemos o porquê. Essa memória incorpora a razão de fatos reais à vontade divina e tudo é explicado e entendido por aí.

A história de Tróia não foge a essa concepção. Príamo, em segundas núpcias, com Hécuba, tem dois filhos: Heitor e Paris. Antes do nascimento e a partir de um sonho, Hécuba vê a cidade de Tróia em chamas e completamente arrasada. Sacerdotes entendem que Paris será o responsável e determinam a sua morte (há alguma relação com a história de Édipo?). Paris não é morto, é criado por uma ursa (algum relação com Rômulo e Remo, fundadores de Roma?). Jovem, forte, retorna a cidade Natal e é bem recebido pelo pai.

Antes disso, nos bosques onde cresceu, se vê diante de três deusas (Atena, Hera e Afrodite) e Hermes (o mensageiro dos Deuses). Ele foi escolhido por Zeus para terminar com uma disputa entre elas: quem seria a mais bela? Atena lhe oferece a arte da guerra. Hera lhe oferece o reino da Ásia inteira. E Afrodite lhe oferece HELENA, o amor. Obviamente, Afrodite ganha.

Tróia tem a marca da tragédia e todos os fatos confluem para que isso ocorra. A Moira, o destino cego, é determinada, não gratuitamente, mas diante de uma falta humana, mesmo que essa falta seja inconsciente ou seja gerada pela indiferença diante dos presságios divinos. Logo podemos entender que Tróia é uma cidade imaginária, concebida para justificar o início de todas as histórias gregas chegadas aos nossos tempos: da Ilíada (história de Ílion, ou Tróia), apresentam-se A Odisséia (história de Odisseu, ou Ulisses) e A Eneida (história de Enéas). Todos personagens referendados no filme de forma clara ou apenas como sugestão. E a veracidade da existência de Tróia está em alguns trechos do livro “A República” de Platão, filósofo que, por sua vez, em algumas análises mais modernas, também é suspeito de ser apenas organizador dos textos que levaram o seu nome. Ou seja, até as indicações relacionadas à cidade estão sob suspeita, mas mesmo assim foram justificativas suficientes para que o imaginário humano a concebesse como real.

O que falta ao filme é a complementação melodiosa que a presença dos deuses incidiriam sobre a história. Há apenas um certo tom de veracidade diante da violência, das guerras, das intransigências, da ditadura masculina, bem típicos dos dias atuais, mas perde-se a mão quando não se presentifica nenhum tipo de reflexão sobre a intromissão dos deuses nos fatos. Mesmo se não falasse da sociedade grega, sabemos que o ser humano também se relaciona com o divino em busca de toda e qualquer conquista. Desse jeito, as atitudes humanas, então, também requerem um grau de risco que, se realizadas, possibilitam a certeza de que a fé, a inserção da fé, do pensamento positivo, é passível de grandes realizações.

Paris amava, como todos, a fama de bela que Helena tinha. Atenção: Paris amou primeiro a FAMA da bela Helena! É o chamado amor platônico, tipicamente humano. Porém a ele foi dada a possibilidade de realização desse amor, em detrimento de todo o sofrimento a que relegaria sua cidade Natal e seus familiares. Razão passa longe! Porém Paris não é o inconseqüente que o filme plastifica. Paris justifica a interferência divina por ser o fio condutor de todas as outras tragédias: morte de Aquiles, Ájax, Heitor, Pátroclo. E isso se perde no filme, na intenção de mostrar apenas a figura, às vezes insossa, pelo excesso de crises existenciais, de Brad Pitt.

E o que dizer de Helena? Helena foi dada a Menelau. Era filha de Zeus e Leda (Helena seria outra semi-divina como Aquiles?). Tantos foram os seus pretendentes que Tíndaro, seu pai humano, a conselho de Ulisses, determinou que, sendo Grego ou Bárbaro, se algum pretendente viesse a raptá-la e a violar o seu leito, todos os outros se ligariam para a destruição daquele: Tróia foi construída para morrer!

Mesmo assim, Paris passa a amar Helena e à Helena é incutido o amor por Paris através da referência a sua beleza como sendo semelhante a de Dionísio. Atenção de novo: Helena também ama primeiro a FAMA de beleza de Paris! Ou seja, antes de trocarem olhares, Dionísio estava na mente de Helena, ou seja, a sedução era a força motriz de toda a sua expectativa. Não havia mesmo jeito de escape para os dois amantes. Todos os seus atos estavam determinados pelos deuses já que Tróia era o foco principal. Não há um raciocínio equilibrador diante da pura excitação. Paris e Helena dão o movimento de todas as ações do filme e da história. Importante: Paris e Helena sobreviverão.

Outro personagem impressionantemente determinado pelo divino é Aquiles. Uma das formas de contar sua história diz que Zeus liberta Prometeu quando este finalmente concorda em lhe contar um segredo: um filho de Tétis (ninfa marinha) com Zeus estava destinado a ser mais importante que seu pai. Zeus decide então que Tétis deveria se casar com Peleu (rei dos mirmidões da Tessália). O filho dos dois chamou-se Aquiles. Ao nascer, a mãe o mergulhou no Estige, o rio infernal, para torná-lo invulnerável. Mas a água não lhe chegou ao calcanhar, pelo qual ela o segurava, e que assim se tornou seu ponto fraco - surge o proverbial "calcanhar de Aquiles".

Tétis resistiu a esse casamento, mas se submeteu. No dia da festa de casamento, Éris, a única deusa que não tinha sido convidada entrou abruptamente no local e atirou entre os convidados o Pomo da Discórdia (uma maça), com a inscrição "a mais formosa" (alguma relação com A Gata Borralheira?). Esta maça foi requisitada por três deusas, Hera, Atena e Afrodite. Como elas não conseguiram chegar a um acordo, e Zeus estava compreensivelmente relutante em resolver a disputa, enviou as deusas para terem suas belezas julgadas pelo pastor Páris, no Monte Ida, fora da cidade de Tróia, na orla oriental do Mediterrâneo.

Paris e Aquiles fazem parte então de um mesmo destino: a destruição de Tróia. E cada um estará em cada vertente diferente desse movimento, mas em função de um mesmo fim. E no filme nada disso se esclarece. Nomes são soltos durante a narrativa. Histórias importantes ficam vagas. E o alinhavo necessário para o entendimento de toda a película se perde dentro de uma única certeza: o amor destrói!

Em alguns momentos há referências aos ditames dos deuses: (1) ao aconselhar Aquiles, Tétis lhe dá uma escolha: ficar em sua cidade Natal e ter uma descendência, mas ter o seu nome esquecido no tempo, ou partir para guerrear em Tróia, marcar na eternidade seu nome, mas morrer jovem e sem deixar descendência; (2) Paris ao ver o Cavalo de Agamenon exige que o queimem, o que não é feito (pensemos que sua credibilidade é nula diante de sua atitude “covarde” frente a Menelau; (3) Heitor é contra atacar as tropas recém-derrotadas de Agamenon, pois estariam incorrendo no mesmo erro que os derrotados, mas sacerdotes tinham voz ativa nas decisões do reino e presságios indicavam glória para Tróia; (4) Ulisses teme a idéia do Cavalo pois percebe que, após o início da invasão, as tragédias seriam ininterruptas, ou seja, todos sofreriam as conseqüências dos seus atos, ali e para sempre; etc. Todas essas relações, ao se ler A Ilíada, estão na boca ou em meio a conversas entre deuses, enquanto a guerra de Tróia se dá. Todas essas falas são “sopradas” na mente dos humanos para que as determinações divinas se dêem como “combinado”. Todos os fatos são estratégias concebidas por deuses em disputa.

Os espectadores se vêem diante de muitos nomes, muitas referências, mas diante de um único sentido: a guerra. E diante do nosso momento em que o pedido de paz é moda, um filme cujo maior ditador, Agamenon vence, é uma contradição.

É um filme sem o glamour do épico hollywoodiano. Nem de perto se assemelha a: O Gladiador, Matrix, Ben-Hur, Cleópatra, Rei dos Reis, Coração Valente, Dança com Lobos, Gandhi, JFK: a pergunta que não quer calar, e outros. Está na categoria de: Titanic, Waterworld, Lista de Schindler, ou seja, insossos, deturpadores e inúteis.

Alguns podem gostar por alguns aspectos mais individuais, mas a história não é contada, é apenas e no mínimo pincelada. Usam-se os nomes heróicos em vão. Não há como entender a idéia do Cavalo de Tróia. Fica-se perguntando de onde veio a idéia da sua construção? Por que um cavalo? Por que não um leão, figura tão comum entre os gregos? Agamenon foi burro até ali, e de repente, essa grande sacada? Outra coisa: Briseida, prima de Páris? Caramba, ela sempre foi sacerdotisa, foi levada a Tróia por Andrômeda, mulher de Heitor, mas nunca foi prima de Páris! Como Páris entrega a espada real ao primeiro que corre e esse ser justamente Enéas, personagem principal do livro Eneida? A espada teria que acompanhá-lo até o fim! Ah, é fazer de quem gosta de mitologia, um idiota!!!

Muita coisa errada, muita coisa distorcida. Nem quem não conhece nada da história entendeu várias passagens do filme, por exemplo: Aquiles tão forte, tão senhor de si, e morre com uma flecheta no calcanhar? Eu conheço o mito, mas os tantos alunos de escolas particulares e estaduais que estavam no cinema junto a mim, entenderam aquela cena tão rápida? Só se o professor os preparou antes... A cena é simplesmente boba... Impressionante!

O editor e o montador se perderam completamente! Sabem quantas horas de filme foram cortadas? Sete horas. Cortadas para a montagem, lógico, não por serem proibidas. E a questão dos deuses, é o fim! Sabe qual foi a alegação prática do diretor para não incluir os deuses? Encareceria demais o produto, pois exigiria efeitos especiais muito sofisticados...

Nem digo nada quanto a cruel desvalorização do feminino, de todas as personagens femininas. Então pergunto: onde foi parar Cassandra, irmã de Paris, e uma das figuras mais importante de toda a trama de Tróia?

Profa. Claudia Menezes
Especialista em Tecnologia Educacional / IAVM
Mestranda em Educação / UNIRIO

4 comentários:

Anônimo disse...

parabens!!!professora vc è muito inteligente!concordo plenamente com vc.sou estudante do esnsino medio,e louco apaixonado por mitologia grega.esse filme poderia ser melhor se tivessem dado conta que se tratando da mitologia a imagem dos deuses è de suma importancia,e que cassandra foi uma figura importantissima na lenda de troia!!!fico por aqui.e te deixo um grande abraço professora!!!

Anônimo disse...

Realmente você está de Parabéns.
Estou no 2° ano do ensino médio, e tenho um trabalho pra fazer sobre o filme. E seu raciocinio me ajudou muito na compreensão do filme. Obrigada.

Anônimo disse...

claro que eu sinto falta de cassandra,minha segunda personagem historica favorita,a primeira e morgana de avalon,claro que historicamente,falando esse filme e uma droga,so se salva mesmo o eric bana usando saia,afinal,ele esta representando,o meu personagem favorito na estoria toda,heitor.

Anônimo disse...

Na verdade, Briseida era irmã de Príamo e foi raptada, a sacerdotisa a qual você se refere é Criseide. Páris não sobrevive, ele morre antes do fim da guerra de Troia... Deifobo passa a comandar o exército troiano e casa-se com Helena.
A mulher de Heitor era Andrômaca, e ela não levou nenhuma sacerdotisa a Troia, até porque ela era o oposto da sua mãe Imandra, rainha da Cólquida.

Mas concordo contigo... o filme é assustador, conseguiram destruir absurdamente a história... a morte de Menelau é ridícula... ele não morre, tanto que Helena torna-se sua cativa ao fim da guerra, assim como Cassandra vira cativa de Agamenon, Hécuba de Ulisses e por aí vai... sem esquecer da Polixena que é assassinada e colocada onde Áquiles foi enterrado.

A ausência dos deuses é desconcertante, afinal Poseidon e Atena acabam sendo fundamentais, assim como Apolo, para o destino de TRoia.

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