domingo, 4 de janeiro de 2015

AUTOPAPOS: um sistema de recompensa


Realmente o mundo mudou. Mudou em tudo. E uma das mudanças que venho observando é o aumento das pessoas que revelam: eu falo sozinho/a. Sem nenhum senão, esta revelação tem feito parte dos papos entre amigos e vem tornando os diálogos mais profundos e esclarecedores. Realmente saber que o outro fala sozinho tem entrado noutro patamar: não é loucura, é forma de extravasamento; não é doença, é maneira de criar o pensamento estratégico; não é esquizofrenia, é jeito de desenvolver equilíbrio emocional. Eu falo sozinha...
No mundo acelerado do século XXI, os autopapos são conversas solitárias e solidárias, e aceleram o processo cognitivo e emocional. Os cérebros ganham qualidade em seus sistemas de recompensa, ou seja, é possível pensar que os autopapos fortalecem a capacidade humana de se motivar, emocionar, agir e explorar a realidade. Autopapos como fonte de dopamina no corpo é uma leitura interessante. Como a recompensa faz parte da programação cerebral, autopapos investem em estruturas orgânicas e mentais. Resultado: menos reatividades inúteis e que complicam a continuidade das relações; mais presença de espírito e espírito esportivo diante de situações / emoções ruins.
O ‘falar sozinho’ (autopapo) é um momento da imaginação e da aprendizagem. É pensar oralmente e uma tentativa de entender o outro, e mesmo a necessidade de permanecer junto ao outro. É um apartamento dos barulhos e murmúrios do cotidiano para se compreender e assim saber se comportar com determinadas tranquilidades. Pensem: o ‘falar sozinho’ é um lado da sabedoria necessária à convivência no século XXI.
Com poucas dúvidas, acredito que ‘falar sozinho’ é um tipo de comportamento cada vez mais comum e, particularmente, não vejo nada de irracional nisso. Há benefícios ao cérebro como a melhora da qualidade da plasticidade cerebral (e sua neurogenese); da formação da bainha de mielina (necessária à condução organizada das informações no cérebro); e dos processos cognitivos importantes às formas de aprender e de conviver em sociedade. Quando ‘falamos sozinhos’ trazemos à memória variadas informações e as articulamos com as futuras situações ou pessoas com as quais temos que lidar todos os dias. É uma forma de preparação de postura, de olhar, de escuta, de temperamentos e, principalmente, de diferenças, sem que percamos a espontaneidade.
Neste processo, habilidades emocionais contidas na memória criam sinapses mais fortalecidas e experimenta-se maior compreensão de si e de mundo. Há crescente capacidade de memorização, concentração e atenção. A linguagem não verbal e física, diante de determinadas situações, tem mais harmonia e ganham mais maturidade. As lembranças acontecem com mais clareza e facilidade. Não deixamos de ser quem somos, lógico, mas é possível, em muito momentos do autopapo, compreender quem é o outro e criar pontos maiores de respeito e escuta. E assim o reflexo da personalidade acontece com um pouco mais de condescendência e perseverança.
O ‘falar sozinho’ é ter cuidado consigo mesmo para ter cuidado com o outro. O autopapo é uma forma de exercitar o cérebro: memória e funções executivas. Há reprodução de gestos e atos em solidão pensando justamente no outro e em suas reações, afinal o autopapo se dá pensando no outro. Louco? Não! Reforma do pensamento e liberação total do que se é e pensa sem a presença do outro. Sem o outro fisicamente, habilidades sociais são desnecessárias e, em muitos casos, é isto que acalma e acerta nossos desentendimentos emocionais para novos enfrentamentos.
O autopapo pode incentivar “o cérebro a manter o foco para realizar as tarefas e resolver os problemas; melhorar a capacidade de pensar, resolver as coisas de forma mais rápida e também de relembrar com maior facilidade”; reativar informações, principalmente, visuais e sensórias; facilitar o processo de aprendizagem; e estimular a percepção e as formas de se expor entre pessoas. É uma alternativa para que as pessoas que se sentem, por exemplo, esquecidas se mostrem e ganhem mais força emocional quando suas presenças são necessárias. Se longos e duradouros, os autopapos se prestam à trazer mais harmonia à vivência da situações, Ou não?
O autopapo acontece dentro do carro em viagem relativamente longa ou não; quando se pratica exercício físico fora da academia; quando, depois de um dia cansativo de trabalho, deitamos e não conseguimos dormir; quando nos damos ao luxo de um banho demorado; quando decidimos arrumar a casa ou nossos armários; quando lemos algo que nos desafia a paradas constantes para pensar; quando relaxamos em lugares aprazíveis por tempo indeterminado; etc. Enfim, é uma troca de ideias com seu eu, às vezes, reprimido. É também forma de sublimação, um dos mecanismos de defesa mais positivos de que se tem noticia.
Mas atenção aos exageros: diante do excesso e da percepção de que, por exemplo, seus amigos estão lhe evitando ou já comentando sobre esta sua mania, um passatempo ou um hobby é imprescindível. Nunca estamos sós. Temos bipessoalidade, pelo menos. Então o autopapo sou eu e o outro eu cujo espelhamento está no outro fora-eu. Trabalhamos com imagens internas modificadas pela assimilação e interação das imagens / informações externas. Precisamos desses autopapos. Precisamos desses autodiálogos para ter e procurar sentidos em nossa participação na vida.
Como o cérebro pensa com palavras, sentimentos causam confusões, daí a necessidade de autopapos em que, sem a interferência da fala e do olhar do outro, organizamos essas confusões (discussões internas) com calma e do nosso jeito. Um bom autopapo, por fim, demonstra saúde mental, ou, como diriam os orientais, é uma experiência de iluminação e esta nos energiza para entender e respeitar o outro e suas diferenças.
Ah, o autopapo não magoa ninguém.

Claudia Nunes

REFERÊNCIA

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