16 Era ambicioso. Nascera pobre, mas
queria aparecer na TV, freqüentar colunas sociais. Começou comprando um galpão,
onde dava aulas para a criançada miserável. Cobrava cada centavo de seu espaço
e tempo. Meteu-se com marginais, enquanto o dinheiro saltava. Logo conseguiu
uma cadeia de colégios. Já não se lembrava da infância, no iate de luxo ou no
carro importado, a não ser pelo sonho de ter um chafariz no seu jardim. Chamou
o engenheiro e o projeto se fez. A inauguração foi linda, mas ele sumiu:
enquanto fumava o charuto, foi-se transformando em líquido e entrou na fonte,
jorrando mil cores e sons. Claudia Nunes
17 “Mulheres são dissimuladas”,
pensava. “Elas fingem gozar”. Vivia atormentado, sem saber se as parceiras, com
quem se relacionava, verdadeiramente tinham orgasmo. Quanto maior o tormento,
mais as assediava. desdobrava-se no ato, levava as mulheres à exaustão, cobrava
as dúvidas em infindáveis perguntas. Ah, o ponto G! Teria tocado? Até que Luiz
encontrou Dora. Apaixonou-se, quis casar. Mas antes precisava da certeza. Foram
para um motel e a noite seria dos anjos e demônios: champagne, massagem,
piscina. Envolveu a amada, cobriu-a de beijos, despiu-a, penetrou e morreu de
enfarte. Claudia Nunes
18 Olhava aquela mulher no palco e a
desejava loucamente. Bebia cada palavra por ela proferida, guardava pobres
pedaços de jornal onde seu nome brilhava, sonhava fantasias arrebatadoras.
“Deusa”, pensava ele, “não é para mortais”. Como sombra a seguia, cada passo,
itinerante pelas casas de teatro, na expectativa de um dia ser notado.
Esqueceu-se de si em função dela. Foi numa segunda-feira, quando o teatro não
funcionava: saiu para jantar e lá estava ela, em verde e esperança.
Aproximou-se, sentou-se, conversavam. Hoje, ator consagrado, ainda não entende
o tiro que a matou no restaurante.
Claudia Nunes
19 Nascera com a vocação para o
desenho. Menino ainda, fazia figuras na areia, enquanto a mãe inchava de
orgulho. Os cadernos de escola quase não tinham apontamentos: eram caricaturas,
formas livres, arabescos. Com o tempo, comprou um computador e perdia horas
entre quadrados e círculos, montando trabalhos. Entrava em todos os concursos,
até que ganhou o prêmio: três meses nos EUA, com tudo pago. Embarcou, com a
esperança na mala e o patrocínio no bolso. Os controladores de vôo não entendem
como o avião desapareceu, sem deixar vestígios, no Triângulo das Bermudas. Claudia Nunes
20 Os telefonemas eram constantes. A
voz desconhecida a alegrava, abalava seu sono, alimentava fantasias. Logo
descobriu o nome e endereço. Bateu à porta, vieram a mulher e os dois filhos: o
marido, aviador, viajara. Ficou desnorteada. Mas ele voltou, continuou a
telefonar, falava em amor. Acostumaram-se às manhãs de quarta-feira, na estação
rodoviária. Um dia ele insistiu: queria comemorar os cinco anos de
relacionamento. Seguiram pela estrada e pegaram o Concorde. Hoje vivem felizes,
em Paris. Claudia Nunes
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