04 Do bar, do vinho, da comida, vejo
pessoas. Ninguém se fala. Passam para lá e para cá focados em seus problemas,
passos, vida. De preferência nem se tocam. Mas há um ponto de ônibus. Todos juntos.
Demora, demora, demora. Há uma esgrima de olhares na tentativa de se manter a
distancia, mas mantendo o reconhecimento de esguelha. Roupa, cheiro, jeito do
cabelo, celular, bolsa, sobrancelha, agitação, tudo serve para passar o tempo.
Quem é? Quem será? Conheço? Já vi? Várias interrogações que cortam o fluxo das
preocupações individuais e passam o tempo. Não estamos sozinhos, estamos no
mundo, convivemos. ‘Oi? Tá muito tempo aqui? Demora né?’ O ônibus chega. Cada
um no seu banco. Para onde vou mesmo? O sol se põe... Claudia Nunes
05 Vida de adulto é dura... Nosso
imaginário alcança o infinito e lá somos capazes de tudo. Temos a intuição que
o mundo além de nosso, precisa de nós. Então nos esforçamos. Cada momento
conquistado ou objetivo ultrapassado enlaça nossos desejos e certezas. Só que a
vida ensina, limita, poda. De repente, num espelho, somos outra gente. Sem
perceber, nossas escolhas criaram outra figura: um adulto. Os impulsos precisam
ser freados. Tudo tem conseqüência. Como adulto, o raciocínio cria o medo.
Tantos passos dados até ali não podem ser ‘reandados’: é frente, frente,
frente. Ou há soluções ou há esquecimento. O tempo não nos deixa mais ignorar.
Mas sempre há encruzilhadas e nelas a dúvida cruel: seguimos? voltamos?
direita? esquerda? Neste momento só nós. Cérebro e coração, únicos parceiros do
segredo: não sabemos. Da pele para fora, um olhar imponente de um ínfimo
intervalo. Da pele para dentro, uma confusão inominável. Corpo travado por
aparência, veias tremulas por emoção. Passamos a vida nos conectando e nos
misturando com tudo e todos por medo, mas na hora de uma decisão, solidão
total. Igual ao momento de um seqüestro ou em que temos uma arma apontada para
nós, o sangue corre tão forte ao redor do corpo que as lembranças surgem em
flashes dolorosos. O que fazer? Tantos sonhos, tantos passos, tantas decepções,
tantos silêncios e nada parece servir. Será que vivemos vidas descartáveis? Uma
voz surge: Use sua inteligência! Aproveite sua experiência! Seja criativo! E
nada... Uma vida de aprendizagem e fazer o que? Uma luz: esticar os braços... Claudia Nunes
06 Nos bate-papos nas esquinas ou nos
bares, todo mundo tem história de confrontos. Todo mundo já passou por uma
situação ímpar. Para quem não se destaca profissionalmente, estas situações dão
status / engrandecem / fazem a diferença. Mas passamos por tantas coisas assim
na vida? Será que tudo deve ter um efeito tão forte em si e nas pessoas? Pode
ser. Como diz o poeta, ‘a vida é bonita, é bonita, é bonita’. O ‘eu’ é sempre
tudo de bom: forte, corajoso, salvador. Medo, perturbações e sensações
negativas não têm morada neste corpo. Precisa-se de energias positivas. Com os
amigos, as marcas deste ser livre é permanente. Mas é preciso ter cuidado: a
vida cobra a verdade. Ao contrário da falácia carregada de heroísmo, ‘na real’
temos perdas, covardias, silêncios, impulsos, rompimentos. E aí? Não somos
super-heróis, precisamos de afeto, carinho, ‘colo’ e não vamos escapar das
cobranças. E aí? Faz-se o que? Fluir... Jogar a fronha suja de lágrimas na
máquina de lavar, reorganizar o armário, jogar fora milhares de papéis, arrumar
só um pouco a casa e voltar àquela esquina ou bar. Fato? Regeneração! Claudia Nunes
07 Argos acordou cedo. Telefone o
tirou das armaduras e da realeza. Dor. Muita dor. Sem movimento, só dor. O
pensamento o corrompia. Seu coração acelerava sem ordem. Será que morreria?
Aprendera a relaxar com a ioga, mas e as contas? E os filhos? E seu amor?
Morreria? Precisava de um salto, um toque, um abraço. Nas brumas e no breu, a
sirene da ambulância cobria seu corpo de vida. Claudia Nunes
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