08 Desde criança ela tinha fascínio
pelo Egito: era o que mais estudava em História. Esmerava-se em copiar
desenhos, usava roupas iguais às de Ísis, colecionava escaravelhos. Assim foi
envelhecendo, imaginando-se serpente, desenvolvendo um caráter esfíngico em seu
corpo piramidal. De repente começou a juntar dinheiro. Ninguém entendia para
quê: tinha casa boa, vida estável. Aposentadoria? Doença? Queria ficar rica?
Ela continuou juntando, até que foi à cidade e comprou a passagem para o Egito.
Meio século depois, os arqueólogos não conseguiram explicar o esqueleto daquela
mulher, deitado na tumba do faraó, a seu lado. Claudia Nunes
09 O sonho de consumo era esquiar.
Via-se em roupas quentes, a descer montanhas, rasgando a brancura virginal da
neve. Em sono voava pelos Alpes, que nunca visitara, em piruetas sinuosas.
Ganhou de aniversário a passagem para Aspen e para lá se mandou, com o sorriso
marcial de quem cumpre a missão. Alugou a roupa, experimentou cuidadosamente o
esqui, tomou um golpe de conhaque e comprou a passagem no teleférico, para o
ponto mais alto da montanha. No dia seguinte ainda estava abraçada a uma
árvore, tremendo, quando o helicóptero de resgate chegou. Claudia Nunes
10 Regina, desde a infância, tinha
muita imaginação. Na escola ou no playground do prédio sempre inventava as
brincadeiras. Gostava, mesmo, era de ficar criando histórias na cabeça,
mentalizando as personagens e seus destinos. De vez em quanto via TV, porém mudava
o final dos filmes se não concordava com os roteiros. Cresceu, formou-se,
tornou-se jornalista. Compensava a miséria diária das ruas com a velha mania de
criar situações. Não escrevia, a não ser no jornal. Numa noite, uma brisa
entrou pela sala e trouxe Marion. Os dois rolaram loucamente na dança da
paixão. No dia seguinte, o pano vermelho que secava à janela os levou para
Pensilvânia. Claudia Nunes
11 Adorava Lilian. Tinha sido sua
única namorada. Apaixonara-se desde o primeiro momento, ao vê-la voltando da
praia: pele morena, olhos azuis e longos cabelos loiros. Usou a experiência da
idade para cortejá-la. A família pediu tempo e, quando Lilian completou 18
anos, começaram a mandar os convites; um mês depois embarcavam para a
lua-de-mel no Caribe. A vida continuou mel: cada vez mais seduzido, fazia as
vontades da mulher. Comprava flores e bombons diariamente. Dez anos depois
pediu divórcio, pois não suportava mais viver com aquela mulher deformada pelos
130 quilos. Claudia Nunes
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