12 Sempre quis ver discos voadores:
sentia-se atraída pelo mistério, acreditava em outras vidas. Sua música
favorita era “London, London”, que cantava enquanto trabalhava, esquecida do
espaço. Todos sabiam de sua mania em Brasília, onde vários já tinham mantido
contado por telepatia, visto a luz curva e os pontos brilhantes. Insistiu muito
com a amiga, para que a levassem ao local. A emoção transbordava e o coração
pulava, depois de três horas no cerrado, caminhando em busca do sonho. Mal teve
tempo de gritar, quando se viu estuprada por dez bandidos, fugidos da
penitenciária próxima. Claudia Nunes
13 Desde pequeno José é apegado à mãe.
O pai, sempre fora, é ignorado. Amigos e amigas suspeitam de sua sexualidade.
Por quê? Não é possível, o afeto, o carinho, a delicadeza, a sensibilidade num
homem? Para ser homem é preciso mostrar-se rude e truculento?
Profissionalmente, o mundo era diferente. De lá para cá, como vendedor, não
vivia o ambiente de trabalho e tinha muitas oportunidades de se experimentar.
Por amor, amizade ou sexo, ele era possível. Mas vez por outra a suspeita:
seria gay? Um dia, um gracejo mais ofensivo, uma briga violenta. Desacordado na
calçada se vê num espelho imenso e cheio de facetas. Em cada uma um homem
estranho. Muita dor na aparência. O espelho treme e ele não quer sua revelação,
não quer este mundo em seu corpo. De repente, cada um dos homens sorri e o
afaga. – Não! - ele grita – Não! Ainda tateando no ar, ele procura identidade,
personalidade, máscaras. Sem poder se mover daquele chão frio e molhado, José
se transveste de palhaço e se deixa escorrer sorrindo pelas veias do coração
materno. Claudia Nunes
14 Sandra era pessoa comum. Família
classe média, mãe viúva, dois irmãos. Não pudera estudar, contentava-se em ser
secretária. Ganhava para a vidinha simples, sem luxo. Não casara, nem queria
mudar a rotina; não se imaginava rodeada de filhos, panelas. Naquela tarde
Sandra saiu do trabalho e foi ao mercado, antes de seguir para casa: latas,
plásticos, prateleiras e prateleiras. Suava, entre a lista de compras e a
carteira de dinheiro, empurrando o carrinho cheio. Filas gigantescas à frente,
ela aguardava pacientemente em procissão; nem reparou a caixa de ovos a se
abrir: de dentro saiu um cavalo alado, que a levou para a nuvem. Horas depois
começou a chover. Claudia Nunes
15 Entre os amigos o apelido era
‘Gorila’, mas se chamava Amâncio. Adorava as lutas, não perdia uma: boxe,
karatê, judô, sumô, vale-tudo. Na academia malhava horas, socava sacos, dava
golpes no ar. A mulher, frágil, aceitava, resignada: macho devia ser forte,
briguento. À noite cuidava dos cortes e feridas trazidas da rua. A grande
oportunidade veio no jornal: um torneio para amadores, com perspectiva de
profissionalização. Os combates diários foram sendo vencidos. Na véspera da
final, Laerte ainda tentava explicar à delegada a razão pela qual a mulher
estava no hospital, fazendo exame de corpo delito, entre hematomas e dentes
quebrados. Claudia Nunes
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