segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

PENSANDO EM CICLOS...


Se narrativas tem começo, meio e fim; o que dizer dos ciclos? Ciclo é renovação e é movimento. Depois de um dia cansativo, Clarice recebeu uma mensagem em seu celular: “fui embora, desculpe...” Toda a cor do quarto se perdeu. Ela confiou e, de novo, perdeu. Há uma constância na realidade que altera nossos sentidos sem repetições. Nós não somos figuras repetidas. Estamos ao sabor do sol, da lua, do sono, da água, de oxigênio, de respiração celular etc. Somos movimento evolutivo e cheio de energia pulsando. Mas atenção: ciclos se encerram e a ideia de fim é incomoda, mas ela existe e nos surpreende quando nos distraímos do tempo. Não adianta manter a atenção e o cuidado, sempre nos distraímos. E Cronos é um deus poderoso. Insistir pode nos levar ao ridículo, à tristeza e à perda do sentido de si mesmo.


Clarice não sabia o que fazer primeiro, mas sentia-se tranquila. Enfim aconteceu o que esperava. Ciclos incluem experiências; são capítulos da experimentação; mas eles fluem, confluem e diluem. Em uma casa bonita, portas e janelas também envelhecem logo é preciso mudar, rejuvenescer e, às vezes, trocar portas, janelas e mesmo a casa bonita. Clarice procurava por onde começar a mudar. Sempre precisamos deixar fluir, ir, sair, partir e até rir, tempos depois. Mas, na hora do susto, o ciclo desorganiza: acabou. O terreno, antes fértil e confiável, erosou. Mesmo com novas sementes, a aridez é a senha para a mudança. Não adiante mil perguntas e mil conversas, a questão é sem explicação e precisa ser vivida. Assim, não aceite o ‘do pó ao pó’. Do pó baseie novas instruções para os estranhos, mas acalorados dias seguintes.

Clarice acabara de ler a ‘jornada do herói’ e reconhecia que sua vida iria mudar. De novo sozinha, ela precisa se recompor rapidamente. Um grande literato já afirmou: ‘tudo que é sólido se desmancha no ar’. Talvez o ar seja mais certo do que o sólido já que o líquido machuca. Clarice pensou: ‘não pergunte nada. Não se desgaste. Não sofra. Aprenda. Tire uma lição’. Se até o sol dá espaço para a lua, é preciso aceitar e seguir em frente. É uma questão de senso comum e muita resiliência: “Tudo passa!”. O que não quer ficar deve voar e ter nosso total agradecimento. Somos o que somos pelo tempo que aceitamos imersões em várias realidades ou seus descartes, ainda que importantes. E Clarice sabia disso...

No dia anterior, depois do amor, Clarice desconfiou. Os corpos falaram: “Tenha recordações, nunca rancores; enfrente a mudança, não reprima; aceite sua visibilidade, não seu silencio; abra espaços para outras oportunidades”. É aprender mesmo: a (sem) + prender (prisão). Nossas cartas não são marcadas. O que se oferece é único e individual, pois não damos conta dos sentidos e pensamentos alheios. Então: “pare de ligar sua TV emocional e assista a novos programas”, dizia o corpo e a consciência de Clarice. Não podemos viver em dupla face. O novo aprimora as lembranças do passado. Pense: “você já viveu sem isso logo, isso é um habito que pode ser mudado: hábito não é uma necessidade”. Nada de orgulho, chateação, soberba, dúvida: encerre o ciclo, pura e simples. O encaixe não é mais perfeito, portanto limpe-se! Livre-se! Liberte-se! Seja o dono da própria vida e acredite que, quando o ciclo se fecha: despertamos, melhoramos, confortamos, aprimoramos, motivamos, renovamos.

Depois de arrumar a casa, Clarice sorria. As expectativas tornaram-se frágeis demais e, insatisfeitos, nos agarramos o que foi e não ao que está sendo. Sendo, os comportamentos são outros e nós podemos, enfim, nos reposicionar e readaptar ao novo mundo que, às vezes, já participava do cotidiano. Diante de um fim de ciclo, então, somos intimados a realizar atualizações já solicitadas antes. Resistimos. Habituamos. Acomodamos. Agarramos. A ideia é realizar outras ações sem muletas, mas com muita criatividade. Somos sós sempre. Somos parte nós e grande parte eu, e por isso nada é definitivo ou tem garantia ou data de validade. O pronome possessivo é nosso mais estresse, impede o florescimento da alma e do corpo; permite apenas parte dos muitos pontos de vista. E não adiante espernear: a perda é inevitável. Mas o salto à etapa seguinte é obrigatório, Clarice entendi isso.

Deteriorização afetiva é algo triste de se viver. Precisamos confiar na generosidade da vida, dizem. Clarice então: limpou seu quarto, guardou as recordações, criou novos propósitos / projetos; escolheu um hobby; estudou novos temas; ocupou-se de outras gentes; saiu a esmo; conversou leve; viajou sem destino; reciclou seu lixo emocional; experimentou uma terapia; saiu um pouco das redes sociais; encontrou pessoas; riu muito, muito mesmo. Clarice sabia que nunca houve garantias de nada, apenas que, diante do desaparecimento, ela se sentiria bem melhor, feliz e forte para viver a própria vida. O barco da vida não espera, apenas, diante dos novos ventos, aguarda o movimento das velas para novas paisagens, sem grosserias ou radicalismos.

Aceite o simples e viva com simplicidade!


Profa Claudia Nunes

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