sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

ACREDITAR NO NATAL

"Acreditar em Papai Noel, em anjos, em famílias amorosas ou amigos fiéis, em governantes mais justos e líderes mais capazes – em alguma coisa a gente acaba sempre acreditando".

Acreditei em Papai Noel por muitos anos. Menina do interior com a fantasia sempre a mil, ele fazia parte das minhas histórias encantadas. Até uns 7 anos de idade, eu também acreditava na cegonha e no coelho da Páscoa. Quando o pôr-do-sol tingia o céu, diziam-me que os anjinhos começavam a assar aqueles biscoitos de Natal que se faziam em todas as casas da pequena cidade. Trovoadas de começo de verão eram São Pedro arrastando os móveis para a fábrica de brinquedos ter mais espaço.

Na antevéspera de Natal, um recanto da sala era ocultado por lençóis estendidos, e ali atrás ocorria o milagre: na noite de 24, com o coração saltando de ansiedade, a gente escutava sininhos como que de prata: era hora. Levada pela mão da mãe ou do pai, eu entrava na sala, de onde os lençóis tinham sido removidos, e lá estava ela: a árvore de Natal, toda luz de velas, toda cor de esferas, e embaixo os presentes. Muitíssimo menos dos que se dão hoje às crianças, mas havia presentes. Cantávamos canções natalinas, todo mundo se abraçava, depois abríamos os pacotes e comíamos a ceia. No dia seguinte, chegavam tios, primos, alguns amigos. Era só isso, sem alarde, mas com emoção. Guardei a sensação de que Natal é fraternidade, é reconciliação, é alegria de estar junto, é a chegada de pessoas queridas, é o tempo da família. Para quem não a tem, é o tempo dos amores especiais. Não éramos particularmente religiosos, mas uma de minhas avós, luterana convicta, na manhã seguinte me levava à igrejinha, onde eu gostava de cantar. Algo de muito bom se comemorava nesse tempo, o nascimento de Cristo e a esperança dos povos. Nem tudo seria guerra e perseguição, pobreza, crueldade, injustiça.

As pessoas se queixam muito de que o Natal hoje é só comércio. Depende de quem o comemora. Se me endivido por todo o próximo ano comprando presentes além de minhas possibilidades, pois no fundo acho que assim compro amor, estou transformando o meu Natal num comércio, e dos ruins. Se entro nesses dias frustrado porque não pude comprar (ou trocar) carro, televisão, geladeira, estou fazendo um péssimo negócio para minha alma. E, se não consigo nem pensar em receber aquela sogra sempre crítica, aquele cunhado cínico, aquele sobrinho malcriado, abraçar o detestado chefe ou sorrir para o colega que invejo, estou transformando meu Natal num momento amargo. Então, depende de nós. Claro que há as tragédias, as fatalidades, doença, morte, desemprego, alguma maldade – essas não faltam por aí. Um avô meu morreu de doença muito dolorosa, na véspera de Natal. Foi a primeira vez que vi um adulto, minha avó, chorando. Há poucos anos, minha mãe morreu na antevéspera de Natal, depois de longuíssimo tempo de uma enfermidade maldita. Mas foram também ocasiões de conforto e consolo, abraço, amor e entendimento.

Na medida em que não se podem dar muitos e caríssimos presentes, talvez até se apreciem mais coisas delicadas como a ceia, o brinde, o carinho, os votos, a reunião da família, o contato emotivo com os amigos, mensagens pelo correio ou e-mail, música menos barulhenta e aroma de velas acesas. Mais que tudo isso, o perfume de uma esperança ainda que realista. A crise nas finanças pode incrementar a valorização dos afetos. Se não pudermos viajar, curtiremos mais nossa casa. Se não há como trocar velhos objetos, vamos cuidar mais dos que temos. Se não podemos comprar o primeiro carro, vamos olhar melhor nossos companheiros no metrô. Vamos curtir mais nossos ganhos em afeto.

Não é preciso ser original para escrever sobre o Natal. A gente só quer que ele seja tranqüilo e gostoso, e que nos faça acreditar: em Papai Noel, em anjos, em famílias amorosas ou amigos fiéis, em governantes mais justos e líderes mais capazes, em um povo mais respeitado – em alguma coisa a gente acaba sempre acreditando. Porque, afinal de contas, é a ocasião de ser menos amargo, menos crítico, menos lamurioso e mais aberto ao sinal deste momento singular, que tanto falta no mundo: a possível alegria, e o necessário amor.

Lya Luft é escritora

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Sufoco no busão? Culpa da amígdala cerebral!!!

Esqueça as fantasias da Dama do Lotação. Para a maioria das pessoas, o sufoco do coletivo na hora do rush não é nada agradável. Muito menos conversar com aquele colega que insiste em se aproximar tanto, a tal ponto de você sentir o bafo quente exalando da garganta.

Você anda pra trás, motivado por uma espécie de repulsa. Ele então anda pra frente, reconstituindo a distância original. A luta pelo espaço pessoal invadido continua até que você se pega encurralado por uma parede.

Existe um espaço, individual, que quando ultrapassado causa um certo desconforto. Em tese, você não briga pelo espaço, mas procura obtê-lo de forma pacífica (entre os animais ditos mais sociais).

Esse comportamento social está sendo associado a uma estrutura cerebral chamada amígdala.

Tradicionalmente, a amígdala foi associada a respostas ao medo. Como o medo é uma das reações mais primitivas entre as espécies, acreditava-se que fosse um centro que estimulasse uma reação impulsiva de escapada quando confrontamos uma situação de perigo iminente. Esses estudos, realizados em sua maioria em animais, eram sempre extrapolados como verdadeiros para humanos. Mas a história não é bem assim.

Num trabalho recente, publicado na revista científica “Nature Neuroscience” (Kennedy e colegas, 2009), os autores relatam o estudo de um indivíduo com um raro dano bilateral na amígdala. Esses casos isolados são extremamente importantes para se estudar a função causal de algumas estruturas cerebrais em pessoas. Obviamente, deve-se tomar cuidado com a interpretação dos resultados, pois sabemos muito pouco sobre a influência da variação individual do cérebro em humanos.

Ao trabalhar com esse indivíduo, os autores descobriram que a amígdala está envolvida na regulação da distância social. A amígdala inicia uma resposta vagarosa, mas explícita, sobre a invasão desse espaço interpessoal. Esses dados contrastam com os resultados obtidos com lesões em modelos animais, que sugeriam uma resposta rápida independente do contexto ambiental.

A maioria das pessoas regula a distância entre elas e os outros baseando-se em sensações de conforto pessoal e sentimentos pessoais. O sentimento de estar espremido no metrô entre desconhecidos causa uma sensação de repulsa e promove o reajuste imediato dessa distância pessoal. Pois bem, numa série de experimentos, desenhados de forma elegante e simples, o grupo mostrou que o indivíduo com o dano bilateral na amígdala não revelou a presença dessa barreira invisível que regula a distância interpessoal e nem reagiu ao ter seu espaço invadido. Esses dados sugerem fortemente que a amígdala é crucial para o sentimento de espaço pessoal.

Nos experimentos, o indivíduo lesado teve de ficar próximo a um desconhecido e classificar as diversas distâncias entre plenamente confortável e extremamente não confortável. O indivíduo preferiu distâncias bem mais curtas do que a média das pessoas sem a lesão. Além disso, classificou como confortável, mesmo estando cara a cara com um estranho. Esse efeito foi consistente em diversas situações experimentais, onde o grau de familiaridade com o estranho, sexo, presença de contato com os olhos, etc., foram variados.

Interessante notar que o indivíduo relatou ter plena consciência dessa distância pessoal e que procurava sempre ajustá-la no dia a dia, baseando-se em princípios sociais. Isso sugere que a lesão não comprometeu funções cognitivas ou racionais – o indivíduo simplesmente não sentia o desconforto nas distâncias em que a maioria das pessoas sentia.

Baseando-se nisso, foi testado o grau de atividade da amígdala em humanos usando-se ferramentas de ressonância magnética. Os dados mostraram claramente que as pessoas tinham a amígdala ativada no momento em que estranhos invadiam o espaço pessoal. Esses experimentos sugerem que, em humanos, a amígdala funciona como um detector da violação do espaço pessoal.

A distância que mantemos entre nós e as pessoas com quem interagimos depende muito do contexto social e da relação prévia entre as pessoas. Isso varia muito entre as diversas culturas humanas. Como essas regras sociais são aprendidas culturalmente, a amígdala tem de se adaptar a respostas específicas que surgem em diferentes contextos durante o desenvolvimento humano. Pode-se então dizer que quanto mais contato com a diversidade humana durante a infância, melhor será sua adaptação e respeito entras diversas culturas.

O que os estudos estão indicando é que a função da amígdala parece ser muito mais importante do que fora anteriormente atribuída. Essa estrutura funcionaria como um “hub” cerebral, conectando diversas redes neuronais envolvidas com o aprendizado social. A socialização seria responsável por fazer um ajuste fino na resposta da amígdala a situações de invasão do espaço pessoal e alheio.

O refinamento desse processo em humanos parece exceder o que acontece em outras espécies com comportamentos sociais. Esse mecanismo cerebral influencia, literalmente, os graus de separação entre nós e o mundo social que nos cerca. Portanto, sinta-se mais humano na próxima vez que entrar num busão lotado.

Alysson Muotri (enviado por Profa. Ms. Claudia Nunes)

FLAPAIXÃO!

Domingo de manha. Fogos de artifício acordam famílias inteiras. Não é feriado, mas é dia de futebol. Hoje é a final do campeonato brasileiro. Final mesmo. Ultima rodada. Times de quatro estados brasileiros têm chance de vencer. Quase todos dependem uns dos outros para chegar à alegria final. Um ano inteiro de trabalho terminará às 17h de um domingo de dezembro. Torcidas imensas concentradas nas televisões e nos estádios com a toda a esperança (e certeza) da conquista. Torcidas imensas azarando seus opositores.


Domingo hora do almoço. Todas as ruas coloridas: verde, azul, vermelho, preto misturados nos tecidos e nos corpos de pessoas de todas as faixas etárias. É dia de festa. É dia de encontros de todos os amigos, mesmo os desconhecidos. É dia de comer e ver TV junto. De todas as maneiras e dia de torcer. Todas as conversar são sobre os jogos e a campanhas dos times. Mulheres, homens e crianças tornam-se fantásticos técnicos de futebol e discutem estratégias; lembram do passado; analisam jogadas; e escalam seus jogadores favoritos. No meio do macarrão, da galinha, e do famoso churrascao com família e/ou amigos, a certeza de que hoje é dia de comemorar, vibrar, rezar e, logicamente sofrer demais, sofrer muito, afinal só UM será o melhor do Brasil.

Domingo 16h30min. A tensão está eletrizante. Olhos não podem se distrair da tela. Mente não pode pensar em mais nada. O momento é de pensamento positivo em prol do time do coração. Estou no Rio de Janeiro. Um Rio de Janeiro completamente coberto de preto e vermelho. Contrariando todas as análises matemáticas e teóricas, o FLAMENGO depende apenas dele para vencer. Sou rubro-negra por completo. Estou extremamente nervosa. É jogo difícil. É jogo de superação mesmo! É jogo de matar ou morrer. Os corações mais experientes já tomaram seu ‘isodil’ e podem assistir. São 35 milhões de pessoas desvairadas, com a vida parada, com a respiração entrecortada, guardando um grito de CAMPEÃO por 17 anos. São 150 milhões de pessoas torcendo contra, torcendo por um tropeço, torcendo por um Maracanã inteiro voltando para casa e chorando. Ainda assim, os jornais estamparão o Flamengo. Campeão ou Vice, de novo como sempre, a capa dos jornais terá o tal do Flamengo com assunto.

De todas as ruas, de todos os bairros, de todas as cidades e de todos os estados, milhares de pessoas se dirigem ao Maracanã. Ponto a ponto, fracasso em fracasso dos outros, o mais querido do Brasil burlou as piores certezas e alcançou o topo da tabela. E se o time não vencer? E se perder o título novamente? Nada muda! Torcedores vão se revoltar, xingar, protestar e, daqui 3 meses, lá estarão, de novo, fazendo juras de amor ao time num clássico qualquer pelo campeonato estadual, àquele SEMPRE vence.

Segundo os mais românticos, o Flamengo é inexplicável. É sempre uma surpresa. É sempre notícia. Torcedores, dirigentes, jogadores, tem sempre alguém nas páginas dos jornais de todo o Brasil. Fala em Flamengo é falar em favorito. Os comentaristas determinam, por experiência, quais são os times ‘pequenos’ e os times ‘grandes’, mas em jogo com o Flamengo apresenta-se o impoderável sempre. Perder para o Flamengo, natural. Ganhar ou empatar, glória eterna. Por isso, sua torcida tem sempre ‘o coração na mão’, pois sabe que da conquista à derrota, tudo é possível. Segundo texto veiculado pela Internet, “é a única torcida do PLANETA que paga ingresso por dois espetáculos, sendo um no campo, como todas elas, e outro que ela mesma proporciona. O Flamenguista vai ao Maracanã para curtir o time, o jogo, o clima e a própria torcida”. Não há comparação!

Por isso, PARABÉNS! Contra tudo e contra todos, somos HEXACAMPEÕES porque nos superamos, nos envolvemos, nos convocamos e, principalmente porque soubemos não nos incomodar com a frágil supremacia de outros estados. Supremacia não ganha jogo! Kkkkkkkkk


PARABÉNS para toda a nação rubra negra sempre!!!
Profa. Ms. Claudia Nunes

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

CARTA A UMA AMIGA INTELIGENTE

Um livro importante passou pelas minhas mãos, olhos e mente nesses dias: “Conspiração Aquariana” de Marilyn Ferguson. E fiquei estupefata com o capítulo IV chamado Travessia: a mudança nas pessoas, cujas linhas contextualizavam o conceito de psicotecnologias. Ele diz o seguinte: “Psicotecnologias são sistemas para uma deliberada modificação da consciência” (pág. 82) “oferecem um movimento controlado, contínuo, no sentido da realidade ampla (pág. 84) “se destinam a afrouxar o aperto (contração da consciência) a fim de que possamos flutuar, do mesmo modo que um guarda-vidas se liberta do aperto de uma pessoa em pânico porque está se afogando, para que essa pessoas possa ser salvar” (pág. 87) e “não causam incerteza, assim como não produzem liberdade. Apenas abrem nossos olhos a ambas. A única coisa que se perde é a ilusão (...) [logo] ficamos livres não para conhecer uma resposta, mas para mudar de posição” (pág. 101).

Fiquei chocada! Como ninguém me avisou que não precisamos mais de respostas? Ou que minha mente pode ser modificada para saber tudo e escolher apenas algumas coisas pra lembrar? Nossa, essas psicotecnologias são liberdades demais! Ótimo! Mas ainda não acabou não! Distraída em minha casa, fui zapear a TV e vi um documentário cujo tema era a tragédia do Edifício Joelma em SP. Meus olhos ficaram presos naquelas cenas e no som das palavras do locutor. Ar sombrio, sinistro, arrepiante. Segundo ele, no edifício ainda ocorrem fatos estranhos, como vultos, gritos, passos. Mas o que me chamou a atenção mesmo foram as explicações: de um lado kardecismo e budismo; de outro, a ciência na figura do Prof. Renato Sabbatini. Achei interessantes (mas estranhas) as posições da ciência no que concerne a apresentação da dinâmica (orgânica) cerebral no trato com àqueles fatos. Fiquei cheia de dúvidas e incômodos, e quero compartilhar com você, tudo bem??

Veja se estou “pensando direito”: psicotecnologias e ciência oferecem níveis de comprovação diferentes, mas ambas acontecem e se organizam no intuito de mudar a atitude humana diante dos eventos da vida. E, pelo jeito, (foi o que percebi) estar em uma dimensão ou outra, exige uma certeza: a crença. É preciso crer (aceitar) para entender, conhecer, saber. Segundo o Prof. Renato, existe um centro no cérebro onde há a possibilidade de se desenvolver uma intuição sobre o ainda não-vivido (provavelmente ele se refere ao sistema límbico, ou não?), então, por que esse centro, e seu possível estudo, estão alijados do processo científico?

Amiga, suspeito que sua resposta, além de descaracterizar a veracidade dos acontecimentos, verse sobre a questão da comprovação, processo que torna o objeto de estudo ou fato acontecido acessíveis às diversas interferências técnicas. Mas como explicar a intuição, antecipação sentida de alguns eventos? Será que isso estaria no viés da alucinação induzida? Coletiva? Ser sensitivo seria ser alucinado?

Querida amiga, o programa me fez pensar sobre algumas coisas e uma delas é a seguinte: experiências inexplicáveis também são experiências, e experiências de vida, não é?? Então, será que algumas informações, no espaço cerebral, constroem-se, vez por outra, como premunições, já que se conformam ou dentro do espaço da negação ou dentro do espaço do desejo? Negar seria realocar a informação num canto escuro do cérebro e procurar nunca mais atraí-la, procurá-la ou retirá-la dali? Desejar seria manter informações em expectativa (como possibilidade), atravessando cada novo reflexo no mundo? A palavra premunição é “incomodante”... Pré-munir seria manter informações ao nível do inconsciente de forma a serem usadas ou em momento de pleno relaxamento ou em momento de total tensão; logo, pensa-se em “pré-munição”, como se fosse uma ação que reinvoca àquelas informações à luz da consciência. Ou não? O cérebro diariamente pode munir-se de algumas armas (tipos de informação) de forma a nunca, em tempo algum, ser pego desprevenido? Nem estou falando sobre a ação de esquecer (nossa discussão diária!), estou falando de um cérebro que tenta sobreviver, por prevenção, a qualquer tipo de choque e, aí, tende a criar novos significados para todos os seus estímulos. Sei que essa seara é toda sua e é justamente por isso que escrevo pra vc. Só peço que continue me lendo e pensando comigo, tá?

Diante da tensão, da eletrização dos neurônios e da dinâmica das sinapses, a ciência até se acalma, pois se agarra nessa possível identidade aceitando-a como verdadeira, mas, como explicar premunições diante e a partir, por exemplo, do relaxamento? Talvez um bom início de explicação seja ampliando a palavra relaxamento como distração. Relaxar surge, então, como um torna-se poroso e, assim, abrir-se para todo tipo de interação, basicamente espiritual. É deixar a ferramenta intelectual chamada ‘atenção’ de lado e se deixar envolver pelas surpresas de múltiplas informações. Mas aí é preciso aceitar que vivemos sob diversas dimensões e que, diante de laços culturais cujos “parâmetros e os truísmos (...) representam verdades universais ou algum tipo de clímax de civilização” (...)” nos prendam “por um sistema de conceitos inextrincavelmente enraizados em nossa experiência” (1981: 98) e do qual precisamos nos libertar. Se libertados, tornamo-nos budistas, terapeutas, kardecistas, umbandistas, meditativos etc., enfim, tornamo-nos psicotecnólogos! Relaxar como distrair então é tornar a possibilidade de trair entendimentos certificáveis e que, provocada pelo insólito ou por um simples estranhamento, redinamiza a plasticidade cerebral na perspectiva de um raciocínio sobre o próprio fato. Plasticidade cerebral então seria uma manobra orgânica para entender, novamente. É possível? Aí estaria a tábula rasa onde se determinou que o cérebro é o Rei da Razão? Puxa amiga, queria tanto não precisar escrever isso! Enfim... O que estranho então é que, se o cérebro não divide a responsabilidade com o coração, se nem delega certos poderes a esse outro órgão, deve concentrar em si as capacidades de sentir e perceber, ou seja, de emocionar-se, ação em que a razão nem sempre é seu fim ultimo, nem seu alvo, nem seu destino. LeDoux instala essas ações na amígdala, é possível? Amiga, será que você vai me dizer que essas ações têm relação com algo também já-sabido e que ocorrem emergindo informações que não puderam fazer parte da bainha de mielina ou de nenhum neurotransmissor?

Amiga, vi o programa, li o capítulo e só me lembrei de você, até pq sei que você também tem um lado mais “sentimental”. Será que também, em seus momentos de “iluminação”, você se coloca no reino dos alucinados coletivos ou induzidos e se comporta como a ciência determinou que os alucinados devem se comportar? Se muitos de nós não acreditam em nomes (Deus, Jeová, Buda etc) e, mesmo assim, impulsionamos nossos dia-a-dia diante do “simples” pensamento positivo, o que fazer com as realizações obtidas pelo uso desse mesmo pensamento? Isso também seria alucinação? Seria tão bom escutar sua resposta a isso...

Segundo as informações veiculadas pelo programa, e semelhante ao movimento de todas as tragédias gregas, houve o destino cego imposto pelas Moiras ao Edifício Joelma. O edifício foi construído num terreno em que aconteceu um triplo assassinato e um suicídio: um filho matou inexplicavelmente mãe e duas irmãs. Um crime premeditado, pois semanas antes, ele mandara construir um poço que seria o tumulto das mulheres. Com o cerco da investigação policial, ele não agüentou a pressão e matou-se, levando consigo o porquê de suas ações tão perversas. Ou seja, como, no filme Poltergeist, o Edifício Joelma foi construído sob terreno tumular, está fadado aos infortúnios mais radicais, e a ser um “tragos” (bode expiatório) dessa situação inicial. É uma explicação (entendimento) nada científica para os fenômenos que continuam ocorrendo, eu sei, mas é uma possível e bela explicação, não acha? Que a dinastia de Édipo não nos deixe mentir!

Amiga, estou começando a pensar que a ciência precisa sempre de comprovações, e essas devem ser vinculadas aos mais diversos testes e procedimentos. Sem isso, “finca o pé” como criança pirracenta, em toda a sua construção já arraigada nas mentes e na história, e, muitas vezes, denigre o que desentende, mantendo os indivíduos como construções sucessivas de certezas.

Pelo jeito, as psicotecnologias precisam apenas de tempo de adaptação e readaptação, tal sua abertura à observação do todo. Tornamo-nos “mais sensíveis aos ritmos e impulsos criativos da natureza e às oscilações de nossos próprios sistemas nervosos (...) [logo] nos alegramos sem hipotecas emocionais” (Ferguson, 1981:99). O mundo deixa de ser monocrônico e passa a ser policrônico (analógico para digital). Seu amigo, o cérebro... nosso cérebro... torna-se nossa melhor psicotecnologia, não acha?

“Aprendemos liberando e deixando fluir, não [só] adicionando” (Ferguson, 1981: 94). E se é para deixar fluir e liberar, a massa encefálica entra em disponibilidade, não só para a técnica (que pode conduzi-la a uma normalidade de movimento), mas para um envolvimento sensitivo pré-antecipado cujo resultado é sua durabilidade, flexibilidade, criatividade, versatilidade e inteligência. Todas essas categorias, percebidas em nossa interferência na realidade externa, diminuem turbulências e distúrbios, e nos apresentam com mais espontaneidade, equilíbrio e harmonia. Somatório de tudo isso: crescimento integral.

Minha amiga inteligente, pelo que vi no programa, ainda hoje, manter-se re-ligado a um plano ulterior e não-visto, é estabelecer um nível de envolvimento e transformação do cérebro sem limites. Competências, nós temos. Habilidades, nós construímos. Potencialidades, nós transcendemos. Vendo o programa, aceito como conclusivas as palavras de Ferguson “quem se envolver com as psicotecnologias percebe que os impulsos internos e ‘pressentimento’ não contrariam a razão e sim representam o raciocínio transcendente, a capacidade do cérebro para uma análise simultânea que não podemos conscientemente acompanhar e compreender” (Ferguson, 1981: 102).

Por favor, normalize-me! Apareça! Aguardo vc, tá?

Abraços, Claudia.


Profa. Ms Claudia Nunes
Especialista em Tecnologia Educacional/UCAM

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

MISS IMPERFEITA (revisto)

Eu não sirvo de exemplo para nada, mas, se você quer saber se isso é possível, me ofereço como piloto de testes. Sou a Miss Imperfeita, muito prazer. A imperfeita que faz tudo o que precisa fazer como boa profissional, amiga, filha e mulher que também sou: trabalho quase todos os dias; ganho minha grana de diferentes formas; vou ao supermercado, cinema, dentista, locadora; recebo telefonemas; bebo vinho com amigos; procuro minhas amigas, namoro, viajo; pago minhas contas; respondo a toneladas de e-mails; participo de mil redes sociais; faço revisões médicas; mamografia; vou ao posto de gasolina; lavo o carro; caminho meia hora diariamente; e, às vezes ainda faço as unhas! Entre uma coisa e outra, leio livros, crio projeto, dou aulas, escrevo e publico. Portanto, sou ocupada, mas não uma workholic.

Por mais disciplinada e responsável que eu seja, aprendi duas coisinhas que operam milagres. Primeiro: a dizer NÃO. Segundo: a não sentir um pingo de culpa por dizer NÃO. Culpa por nada, aliás. Existe a Coca Zero, o Fome Zero, o Recruta Zero. Inclua na sua lista a Culpa Zero. Quando nasci, nenhum profeta adentrou a sala da maternidade e me apontou o dedo dizendo que a partir daquele momento seria modelo para os outros. Meu pai e minha mãe, acreditem, não tiveram essa expectativa: tudo o que desejaram é que eu não chorasse muito durante as madrugadas e mamasse direitinho.

Não sou Nossa Senhora. Sou, humildemente, uma mulher. E, se não aprender a delegar, a priorizar e a se divertir, bye-bye vida interessante. Porque vida interessante não é ter a agenda lotada, não é ser sempre politicamente correta, não é topar qualquer projeto por dinheiro, não é atender a todos e criar para si a falsa impressão de ser indispensável. Vida interessante é ter tempo. Tempo para fazer nada. Tempo para fazer tudo. Tempo para dançar sozinha na sala. Tempo para bisbilhotar uma loja de discos. Tempo para sumir dois dias com seu amor. Três dias. Cinco dias! Tempo para uma massagem. Tempo para ver a novela. Tempo para receber aquela sua amiga que é consultora de produtos de beleza. Tempo para fazer um trabalho voluntário. Tempo para procurar um abajur novo para seu quarto. Tempo para conhecer outras pessoas. Voltar a estudar. Para engravidar. Tempo para escrever um livro que você nem sabe se um dia será editado. Tempo, principalmente, para descobrir que você pode ser perfeitamente organizada e profissional sem deixar de existir.

Porque nossa existência não é contabilizada por um relógio de ponto ou pela quantidade de memorandos virtuais que atolam nossa caixa postal. Existir, a que será que se destina? Destina-se a ter o tempo a favor, e não contra. A mulher moderna anda muito antiga. Acredita que, se não for super, se não for mega, se não for uma executiva ISO 9000, não será bem avaliada. Está tentando provar não-sei-o-quê para não-sei-quem. Precisa respeitar o mosaico de si mesma, privilegiar cada pedacinho de si. Se o trabalho é um pedação de sua vida, ótimo! Nada é mais elegante, charmoso e inteligente do que ser independente. Mulher que se sustenta fica muito mais sexy e muito mais livre para ir e vir. Desde que lembre de separar alguns bons momentos da semana para usufruir essa independência, senão é escravidão, a mesma que nos mantinha trancafiadas em casa, espiando a vida pela janela. Desacelerar tem um custo. Talvez seja preciso esquecer a bolsa Prada, o hotel decorado pelo Philippe Starck e o batom da M.A.C. Mas, se precisar vender a alma ao diabo para ter tudo isso, francamente, precisarei rever seus valores. E descobrir que uma bolsa de palha, uma pousadinha rústica à beira-mar e o rosto lavado (ok, esqueça o rosto lavado) podem ser prazeres cinco estrelas e nos dar uma nova perspectiva sobre o que é, afinal, uma vida interessante'.

(Adaptado do texto de Martha Medeiros – Miss Imperfeita)

Profa Ms Claudia Nunes (26/11/09)

ARMÁRIO DELA


Fim do ano, de novo, as limpezas. Desde o fim de setembro, ela vinha notando que todo dia tinha muito lixo para jogar fora. Todo dia saquinhos com restos dos seus momentos eram rasgados, amarrotados, embolados sem timidez. Abrir as gavetas era um inferno! A sensação de cansaço aumentava porque sempre encontrava algo para jogar fora, algo inutilizado pela passagem do tempo. Estranho é que coisas tão importantes um dia e guardadas com tanto carinho, agora não tinham contexto ou eram uma vaga lembrança. Notificações e propagandas bancárias, pequenos objetos sujos, brinquedinhos bobos, lembrancinhas de festas, revistas, papéis de bala, canetas, roupas largas ou apertadas demais, sapatos sem atualidade, tudo, sob o olhar do tempo presente, perdeu a aura, a essência, a emoção. Calmamente, ela tira tudo do armário e enxerga o ‘sem fundo’. Não tem a barata de Clarice, mas tem fundo. Anos arrumando e entulhando coisas em cada espacinho deste móvel sem perceber seus próprios limites. Havia um fundo ao alcance da mão e com uma comunidade diversificada de insetos. No armário, indícios de que ali havia muita vida. Com uma vassoura e muito medo, ataca o fundo do armário, de cima a baixo. A vassoura atinge todos os cantos. Outro ano de quinquilharias se aproxima e ela precisa das liberdades. ‘Por que junto tanta quinquilharia?’ – ela pensa. ‘Por que amo tão incondicionalmente?’ – ela se toca. ‘Por que é difícil perdoar?’ – ela sente. ‘Por que ignoro amigos que apresentaram defeitos?’ – ela chora. Paft! Puft! Risk! A vassoura não pára, mas agora sem direção. De repente, ela atinge a porta do quarto. ‘Deus, cadê o armário?’ – ela grita. Cansada, ela chora com tanta dor. Senta na cama e respira. ‘Não quero mais nada disso!’ – ela pensa. Ainda ofegante separa as roupas: ‘essa não quero... essa eu quero’ – ela escolhe. Nem tudo é necessário, mas também nem tudo deve ser jogado fora tão displicentemente. O tempo passa e ela não quer olhar o armário, de novo. Vazio demais, sem cor, sem movimento, sem amor. Mas as lembranças e as emoções devem sempre ter um lugar. Não precisa ser arrumado, mas um lugar que a defenda, que a conforte, que a console, que a ame como sempre desejou. Então a palavra de ordem é ‘arrumação’. É preciso enfrentar o armário escuro e limpo. Foi uma vontade. Ela se desnudou tão fortemente que, agora ela quer outra pessoa: ela de novo. O buraco negro arrepia e a mente lateja de perguntas: por que tantos senões? por que tantas amarguras? por que as pequenas mentiras, segredos e silêncios imprudentes? por que aquele não ou aquele sim, quando na verdade nem um nem outro eram verdade? por que comprar/aceitar coisas/ações inadequadas? por que discutir, brigar e fugir quando o que se quer é decidir? No armário, diante dela, estas e outras perguntas penduradas nos cabides como orgulhos e mantidos como troféus. Para que? Recordar? Reconhecer? Confirmar? ‘Oh besteira’ – ela se zanga. Inferno astral do fim do ano. De novo, ela respira fundo, se levanta, não quer mais estes cabides. Não quer mais pendurar ‘o de sempre’. Quer uma alma diferente, iluminada, atraente e que possa cometer outros erros. Ela fecha os olhos, arrepia os pêlos e cria a ventania das boas idéias. Com a vassoura dos objetivos recém-criados varre os entulhos de si. É duro. É doloroso. Trinca os dentes. Ninguém pode ajudá-la. Sua respiração areja os cantos. É um animal em busca de sobrevivência. Não pode ficar nada mal-resolvido, manipulável ou reprimido. Ao toque dos pensamentos, a forte ventania tem poucos obstáculos. Batem á porta. ‘Por que demora tanto?’ – eles afirmam. A porta do armário bate com força. Ela se assusta, pega as roupas da cama e, rapidamente, enche o armário aleatoriamente. Ofegante, pensa: ‘será que consegui?’, ‘será que os grilhões se desmancharam?’, ‘será que as ilusões ficaram para trás?’, ‘será que deixarei de sofrer?’ Vapt! Vupt! Roupas no cabide, sapatos no fundo, meias nas gavetas, perfumes nas prateleiras. Vapt! Vupt! Desordenada, desgovernada, ela se monta, outra vez, para o próximo ano...

Profa. Ms. Claudia Nunes (27/11/09)

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Dia Nacional da Ead (27/11)



ATENÇÃO! IMPORTANTE!

Dia 27 de novembro é o Dia Nacional da EaD, e o IAVM vai marcar presença nesta data tão especial. Venha conversar conosco sobre Educação a distância em um evento de troca de experiências sobre tutoria, docência online e os desafios e conquistas do IAVM em seus quase 10 anos de prática nesta modalidade de ensino.


Painel: Educação a Distância: desfazendo mitos e tecendo novas realidades
- Ações do IAVM na modalidade a distância: uma visão geral
- A experiência da tutoria: graduação e pós-graduação
- Docência online na graduação a distância em Pedagogia

Dia 27 de novembro de 2009 - sexta feira - às 15h Rua do Carmo, 6º andar Sala 08 Centro RJ.

Evento com certificado de participação.
Entrada franca.

Dúvidas, envie email para distancia@vezdomestre.edu.br

Aguardamos vocês.
Instituto A Vez do Mestre

sábado, 21 de novembro de 2009

FAXINE-SE

Fim do ano. A aura do tempo começa a mudar de cor. De um vermelho intenso ao branco iluminado, os pensamentos estão abertos às promessas, às escolhas, às imaginações. Em casa, o olhar assume uma tarefa: faxina. No corpo, coração e mente querem mais espaço para viver novas (a)ritmias. Se é difícil se transformar, que tal mudar os objetos de lugar? No armário dos cômodos da casa e nas gavetas do cérebro, tudo o que estiver socado deve sair, se abrir, ganhar outros usos ou mesmo chegar ao lixo, sem titubeações. Roupas, sentimentos, livros, idéias, papéis, certezas têm sua hora de renovação. É uma luta. Desapegar é uma dor. Assusta pensar em mexer nas coisas. De cada porta aberta surgem memórias de outros tempos. Problemas, profissões, ações, a rotina da vida está guardada como lembrança querida, mas no fundo, quanta inutilidade, quanto peso! Faxina necessária! Faxina intranqüila! Faxina cautelosa! Depois do olho, a mão invade a escuridão e começar a tirar as coisas do lugar. Tanto a alma quanto armários e gavetas vão se esvaziando. Nada passa sem o crivo do olhar, da lembrança e do olfato. É..., o olfato é um bom vetor das outras vidas. Em cada respiração, em cada suspiro, as energias alcançam espaços importantes. Faxine os livros que não leu. Faxine os bibelôs que os amigos desaparecidos ofertaram. Faxine a falta de piedade. Faxine as impaciências. Faxine o mau humor. Faxine as músicas insensatas. Faxine os atrapalhamentos e desarmonias que colocaram diferentes amigos num horizonte sem fim. As atitudes devem dar plasticidades às promessas, ao fluxo dos novos encontros, ao peso de outras posturas. Se o amor não deu certo, se o trabalho está estagnado, se emagrecer é difícil, se uma amizade resiste a um retorno, se não se consegue compreensões, se não se deseja ir ao cinema, esquece! O corpo não é um baú de ossos antigos. Faxine-se! Com dois braços, alcance múltiplos espaços e traga as novidades, sejam quais forem. Em um ano, se vc não se tocou ou foi tocado, faxine-se! Ñão há culpa, não assuma depressões, doe-se! As paredes devem ser vistas. Os neurônios devem realizar novas sinapses. As mãos devem tocar outras pessoas. As prateleiras devem ter lugar para outros objetos. Casa e corpo não são museus com links paralisados pelos tempos. Em um ano, a vida acumulada já apresenta data de validade? aquela dor precisa de outro remédio? as faces precisam de outros cosméticos? o corpo precisa de outro perfume? as revistas têm textos desatualizados? aqueles jornais não servem mais? Faxine-se! Lustre-se! Gotas de cânfora diluída em álcool, energize-se! Não leu, não amou, não foi amado, perdeu oportunidade, fez silêncio? Esquece! Gotas de amoníaco na água, devaste os (pré)conceitos! Para cada esvaziamento, outros aromas, sorrisos, opções, desejos. É esse toque especial que diminui a tensão de tantos sacos de lixo cheios no chão. Não duvide da própria capacidade. Não desista por antecedência. Não canse. Dos absurdos, insólitos e desconhecidos também se tem a possibilidade de recomeçar. Faxina é a chance de ir além de um esboço de si mesmo. Faxina é a oportunidade de revisitar-se. Faxina é a retomada do que é simples, prazeroso e agradável em todo lugar. Já tentou um novo cabelo? Uma nova amizade? Um novo caminho? Um novo sentimento? Uma nova aproximação? Outro silêncio? Outro abraço? Outra verdade? Experimente e reinvente-se. No fim do ano, pense grande, pense melhor, pense na luta, pense nas pessoas, pense no futuro e reinstale no cotidiano o frescor da alegria, da paixão, da liberdade. No fim de tudo, de cima para baixo, a leveza vai lhe encarar e perguntar: vamos nos emocionar de novo?

Profa. Ms. Claudia Nunes

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

TABACARIA


Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente

Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,

Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

FERNANDO PESSOA
Álvaro de Campos, 15-1-1928

Pedra na cabeça

Na ponte o sol se levanta. O barulho aumenta entre as casas. panelas, crianças, carros, tudo atesta a hora do trabalho. Estou na janela com insônica e dor de cabeça. Não me angustio mais. Estou redescobrindo a paisagem do meu quarto a cada noite perdida. E é uma paisagem sempre diferente. Ouço no andar de baixo as conversas. Banho, marmita, sapatos. Os barulhos não são mais identificáveis. O calor esquenta e incomoda. Olho a rua e dela brotam as primeiras pessoas. Caminham tal e qual zumbis. Não sabem quem são. Não acordaram para o mundo. Por repetição e esforço, caminham. Cada passo, uma ilusão, uma decisão, uma chateação, uma lembrança. Não há o que fazer só pensar. Agora o dia está preenchido. Tão preenchido que pára a madrugada. No barulho, o silêncio dos sentidos. Não há mais para onde olhar, tudo se mexe e agora atenção só com uma escolha de foco. O ponto de ônibus: os sonhos, as necessidades. Todos desconhecidos que se olham desconfiados numa cidade violenta. Poucos lugares. Acômodo de bundas, de mentes, das coisas e... voltar a dormir. Só que agora para sempre: uma pedra atinge a cabeça...

Profa. Ms Claudia Nunes

Comunhão no domingo


Domingo com outra família. Alias não acredito na familia singular, acredito nas famílias plurais. Se fala tanto em rede social no virtual e temos, ao alcance da mão, uma rede de muitos agregados que respeitosamente (às vezes) convivem: nossas famílias. É domingo e eu estou com outras famílias. Calor. Sol. Suor. Mil assuntos pulam de mesa em mesa ajudando o tempo e o vento a passar. Há tensões, mas todos guardados antes da boca. Desgostos, decepções e chateações, quem não as têm em família? Mas num churrasco de comemoração num domingo, só a memória sabe disso ou só o olhar lembra. Domingo assim descarta-se idiossincrasias. As máscaras estão mais forte, quase blindadas, porque a asa de galinha está maravilhosamente temperada. Do convite ao gosto da linguiça, o jeito são jogos delicados verbais e nao verbais. É a comunhão do filho, do neto, do sorinho, do amigo. É a comunhão da carne com corpos ávidos de fome de quase tudo. É a comunhão de pessoas aproveitando mais uma oportunidade não se sabe para quê. O vento sopra por todos os lados e refresca os corações: muitos sorrisos focados. Domigo em família não há transgressões, apenas alusões ou, ao menos, sensações. Neste momento, os olhos não devem ser os melhores pareceiros da boca. Os olhos percorrem os pensamentos, brilham e... só. Os corpos mudam de lugar numa dança de atenções e atitude. O estômago aceita os vários convites dos sentidos, menos o sem sal. Mas os olhos estão solteiros. Churrasco. Temperos. Histórias. Disso se constroi a comunhão de todos no meio do vento e com molho à campanha. Um instante eternizado. O máximo!

Profa. Ms Claudia Nunes

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Distração de ensino


Vida de professor. Ano inteiro envolto em conteúdos, burocracia e atividades. Ano inteiro seduzindo os alunos a ganharam um tonus desafiador na realidade. Mas estamos no fim do ano. Perto do fim do anos somos profissionais ao pedaços. Sabemos de nossas cotínuas responsabilidades, mas quando se chega em outubro, o máximo que escutamos é o 'jingle bell' das festas de natal ao longe. Segunda cheguei à escola e não sabia o que fazer. Ttudo fôra cumprido de forma adequada e meus alunos estavam praticamente sem nada por fazer. Impossível o cumprimento de todo o planejamento, mas meus alunos sabiam escrever. A tonica do início do Romantismo é outra série. No segundo semestre vários desvios: gruipes, feriados, recessos, pontos facultativos. Planos e planejamentos mexidos e remexidos. Mesmo sem bússola, nao chegamos a ficar à deriva. Estou parada na porta do carro, alunos por toda parte. e eu pensando nos inícios. Aprender e ensinar também têm um lado B. Meus alunos merecem o mantra eterno da literatura: introdução, desenvolvimento e conclusão. Se é assim na vida, tem que se assim em educação. Fecho a porta do carro e começo a caminhar. Mente em revolução: o que vou fazer? Em torno de mim grande responsabilidade: Professora! Professora! O clamor do chamamento exige 'pé no chão', uma 'máscara do saber' e afeto controlado. Tantos dependentes, tantas expectativas, tantas possibilidades. Sou possuída por um energia intensa, meu cérebro se oxigena e gritam três atividades. Vamos lá! Vamos ás aulas! Boa noite queridos, tudo bem?

Profa. Ms Claudia Nunes

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

MUDAR em busca da felicidade é amar a vida e a si próprio

"Mês passado participei de um evento sobre o Dia da Mulher.
Era um bate-papo com uma platéia composta de umas 250 mulheres de todas as raças, credos e idades.
E por falar em idade, lá pelas tantas, fui questionada sobre a minha e, como não me envergonho dela, respondi.
Foi um momento inesquecível...
A platéia inteira fez um 'oooohh' de descrédito.
Aí fiquei pensando: 'pô, estou neste auditório há quase uma hora exibindo minha inteligência, e a única coisa que provocou uma reação calorosa da mulherada foi o fato de eu não aparentar a idade que tenho? Onde é que nós estamos?'
Onde não sei, mas estamos correndo atrás de algo caquético chamado 'juventude eterna'. Estão todos em busca da reversão do tempo.
Acho ótimo, porque decrepitude também não é meu sonho de consumo, mas cirurgias estéticas não dão conta desse assunto sozinhas.
Há um outro truque que faz com que continuemos a ser chamadas de senhoritas mesmo em idade avançada.
A fonte da juventude chama-se "mudança".
De fato, quem é escravo da repetição está condenado a virar cadáver antes da hora.
A única maneira de ser idoso sem envelhecer é não se opor a novos comportamentos, é ter disposição para guinadas.
Eu pretendo morrer jovem aos 120 anos.
Mudança, o que vem a ser tal coisa?
Minha mãe recentemente mudou do apartamento enorme em que morou a vida toda para um bem menorzinho.
Teve que vender e doar mais da metade dos móveis e tranqueiras, que havia guardado e, mesmo tendo feito isso com certa dor, ao conquistar uma vida mais compacta e simplificada, rejuvenesceu.
Uma amiga casada há 38 anos cansou das galinhagens do marido e o mandou passear, sem temer ficar sozinha aos 65 anos.
Rejuvenesceu.
Uma outra cansou da pauleira urbana e trocou um baita emprego por um não tão bom, só que em Florianópolis, onde ela vai à praia sempre que tem sol.
Rejuvenesceu.
Toda mudança cobra um alto preço emocional.
Antes de se tomar uma decisão difícil, e durante a tomada, chora-se muito, os questionamentos são inúmeros, a vida se desestabiliza.
Mas então chega o depois, a coisa feita, e aí a recompensa fica escancarada na face.
Mudanças fazem milagres por nossos olhos, e é no olhar que se percebe a tal juventude eterna.
Um olhar opaco pode ser puxado e repuxado por um cirurgião a ponto de as rugas sumirem, só que continuará opaco porque não existe plástica que resgate seu brilho.
Quem dá brilho ao olhar é a vida que a gente optou por levar.
Olhe-se no espelho..."

Lya Luft

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

APAGÃO: primatas tecnológicos

O apagao passou. Como um cometa deixou um rastro confuso de disse-me-disse no país. Forças da natureza? Força de um hacker? Incompetencia de alguem? Ninguem jamais saberá ao certo. O que fica é a certeza de que a perfeição é impossível. Mas por outro lado, fiquei observando minha janela. Muitas velas sendo acesas. Muitas pessoas na janela olhando a escuridão sem entender. São fantasmas aguardando uma luz no fim do túnel ou da rua. O tempo passa. Muitos barulhos estranho na noite. Nada é conhecido. Parece que há outra realidade sobreposta. E todos na janela pensam. Do lado de cá, estou olhando pessoas, silhuetas de prédios, claridades no infinito e...barulho... um barulho estranho... Aguço meus ouvidos e escuta palavras. É um RÁDIO DE PILHA! Que medo! É primitivo demais! Volto para o meu quarto, procura meu laptop, ligo e acesso informações. Sem luz, mas nao sem informação! Meus ouvidos latejam... Foi em Itaipu? foi em linha de transmissao? Nao sei... Pessoas do pais inteiro sem lugar, sem espaço, no escuro. O tempo se esvai... Celular toca, amiga presa no elevador... Outra amiga na portaria de casa a 10 andares de sua sala de estar... São Paulo, Rio, Minas, Vitoria, Espírito Santo apagados... Nao gosto de vela. O vento muda as imagens da vela. Volto para a janela. Nada de informação. Todas as baterias se foram. Em duas horas, sou primitiva novamente. Nada além do calor, da vela e do barulho ao longe. Desisto. O barulho me chama. Minha mae dorme placidamente junto com seu suor. De novo, desisto. Procuro pilhas nas gavetas. Ligo o radio. Conforto. Na janela, uma babel nas ondas do rádio. No ouvido, as noticias sobre a escuridao do pais vão se desdobrando... Estou num canto do quarto, perto da janela. Os olhos estão se acostumando. Meu corpo está menos tenso. O que será de Caxias e Nova Iguaçu? Da janela, musica, informação e noticias. Da janela, como na geral do maracanã, estamos em rede radiofusora sem o sentido do olhar, primatas tecnológicos.

Profa. Ms. Claudia Nunes

Outro quarto bimestre escolar

O fim do ano está proximo. Em muitas escolas, o clima é de fechamento de conteúdo e das atividades. Está aberta a temporada de avaliações (aprovações e reprovações). Está aberta a temporada de revisões e/ou acertos finais. Aumenta muito o diálogo entre professores e alunos visando a aprovação deste último. Em tempos outros, por algum motivo inexplicável para mim, o número de alunos, em sala de aula e na escola, aumentava muito. Eu observava sempre que, no 4 bimestre, muitos alunos ausentes ou os chamados 'turistas' passavam a frequentar a sala de aula com grande assiduidade. E, no grupo de professores, meu estranhamento tinha sempre a mesma resposta: 'agora é que eles percebem que o ano acabou e que, talvez, fiquem reprovados'. Reprovar é uma palavra e ação reprovável, e sempre pronunciada com constrangimento, mas é uma verdade. Acontece. As potencialidades e as capacidades são extremamente diferentes em cada um aluno, logo professores lidam com tempos de aprendizagem diferentes, e ai 'reprovar' acontecerá sim. É pérfido? É sórdido? Infelizmente é sim: se dentro de um ano o aluno nao alcançar determinado conjunto de notas (normalmente 20), ele se reprova sim.

Ainda assim, por mais que haja diferentes esforços dos professores e da equipe pedagógica, aliada a um grande conjunto de recursos pedagógicos, o aluno parece se colocar em isenção/ à parte desta possibilidade o ano todo. Dificuldades além da conta. Muita displicência/indiferença e forte desatenção. O que é impressionante (e, do lado do professor, decepcionante). Sendo assim, o 4 bimestre surgia como um bimestre das propostas de 'jeitinhos', dos pedidos de trabalhos de pesquisa em casa, dos choros incontidos, das mil e uma histórias, e das mortes em familias (de preferencia, pai, mae e irmãos). A idéia do aluno era recuperar o tempo perdido (ausente) atrvés da comoção e doação de pontos extras. É triste, mas era um hábito.

Mas hoje percebe-se algo diferente. Em tempos de acendência tecnológica, algo está muito diferente. De dois anos para cá observo outras atitudes dos alunos: eles nao voltam nem mesmo para o 4 bimestre e, em muitos casos, na volta das férias de julho, boa parte dos alunos assíduos desaparecem. Há uma desertificação da sala de aula. Uma turma que inicia o ano com 40 ou 50 alunos tem a grande possibilidade de acabar o ano com 15 ou 20 anos alunos frequentes. Não há uma ausência duvidosa e que tenha a probabilidade de reversão, há uma ausência definitiva. Os alunos não voltam. As salas se esvaziam e o 4 bimestre se arrasta de forma 'pesada' demais.

O que está acontecendo?

Lentamente o governo do estado do Rio de Janeiro vem realizando e criando programas de fomento da qualidade de ensino relacionado, principalmente com a informatização das escola, dos professores (entrega de laptops), criação de sites de acesso às questões da educação para alunos e professores (Conexão Professor / Conexão Aluno) etc. Tudo isto refletido na idéia de que o aluno deve ser alcançado cognitiva e socialmente em diferentes situações, com diferentes recursos, alcançando diferentes saberes.

Então, o que está faltando?

Não se pode julgar que os professores não sejam criativos, mas, neste fim de ano, observa-se em ambos os atores educacionais (professor e aluno) FALTA DE MOTIVAÇÃO. Por razões completamente diferentes, professores e alunos comungam num mesmo ambiente social, mas estão cada vez mais 'duros' com relação à escola, ao ensino, à aprendizagem e à relação com o conhecimento.

Segundo o site http://www.brasilescola.com/, MOTIVAÇÃOé uma força interior que se modifica a cada momento durante toda a vida, onde direciona e intensifica os objetivos de um indivíduo. Portanto é algo que existe em potencia em todos e que, além de se realizar por movimento próprio do individuo, também se realiza quando este mesmo indivíduo é 'tocado' por outras pessoas em seus interesses e necessidades. Segundo Abraham Maslow é possível organizar estas necessidades e/ou intereses da seguinte forma:
- auto-realização
- auto-estima
- sociais
- segurança
- fisiológica

Logico que não se deve generalizar nada, mas quem nao está DESMOTIVADO, no processo de interação e convivência, vai ficando. Mas quais são os itens que levam à FALTA DE MOTIVAÇÃO de ambos os atores educacionais? Se o sintoma está em relevância, quais são as causas? Autores comentam e escrevem sobre suas consequencias, como desatenção, indisciplina, indiferença, intransigência, dificuldade de ensino e de aprendizagem. Mas quais seriam as causas?

No caso dos professores, para além da realização do processo de ensino, existem outras preocupações como: desvalorização pessoal; perda do poder aquisitivo; excessiva valoração da arte e da cultura; necessidade de muitos deslocamentos; pouco tempo de ajustamento ás novidades da informática na escola; etc. Já, no caso dos alunos, há influência da comunidade onde vive; necessidade de absorção profissional rápida; má alimentação; regras demais; falta de contextualização do ensino etc. Para ambos, razões suficientes para desqualificar a importancia da escola/educação e ir em busca de outros horizontes que atenda com mais rapidez seus anseios, interesses e desejos.

Então o que se há de fazer?

Aproveitar as férias e pensar em revitalizações, tanto dos estudos e das formas de ensinar; quanto do movimento da sala de aula no proximo ano.

Profa Ms. Claudia Nunes

LER e ESCREVER: outros sentidos ou sentidos dos outros?

Atualmente a leitura e a escrita estão sendo apregoadas ao 04 ventos da educação. Em relevo, a análise de que, no processo escolar, os alunos apresentam dificuldades de interpretação porque fazem apenas um leitura muito objetiva do texto. Os alunos lêem, mas nao se interpenetram por entre as palavras que compõem o texto. será que há um desinteresse pela palavra escrita? Não foi o que se viu, por exemplo, na Bienal do Livro do Rio de Janeiro. Diante do poder da imagem, a literatura entrou em transmutação para se adaptar ao mundo contemporâneo. Junto ao processo de escrita e de leitura, outras mídias. É uma simbiose de instrumentos que possam lidar com os interesses dos alunos e favorecer a prática de ensino dos professores. O livro transforma-se num grande 'polvo marinho' pelas infovias da Internet, pelas imagens do cinema ou pelas ondas do rádio. E aí está renovada sua sedução e, principalmente a manutenção de sua existência entre nós. A escrita e a leitura, pelas diferenças de acesso aos conteúdos, atualizam-se como necessidades prementes em uma sociedade. O problema, então, é como deslocar o olhar do aluno para uma 'viagem literária' sem grandes podas ou restrições. Hoje, então, desenvolve-se a escrita colaborativa cujo mote principal é a comunhão de idéias (re)organizando a arquitetura do texto de maneira que o leitor possa entender os sentidos e interagir com as ações. Com a Web 2.0, conceitos como cooperação e colaboração são utilizados para amealharmais participantes para os projetos de oficinas de leitura e de escrita em diversos espaços educacionais. A leitura e a escrita desafiam os sujeitos a estar no mundo com mais integração. E os professores devem incentivar, através de dinãmicas desafiantes, seus alunos a interpretar outros sentidos ou os sentidos dos outros.

Profa. Ms Claudia Nunes

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Diga-me com quem andas que eu te direi quem és


A imagem de um homem em cima de uma jangada jogando sua rede ao mar está em minha mente nestes últimos dias. Se de um lado tem-se um homem em atividade livre, forte e séria. Uma atividade de sobrevivência e de autonomia em busca da oportunidade e da sorte. De outro, tem-se a construção de objetivos de vida. Ou seja, cada sujeito passa a vida lançando redes de contato em diferentes momentos e arrasta para si aquilo que merece. Nessa hora vale o esforço, o interesse, as relações, o conhecimento. Cada peixinho, cada conquista presa na rede causa prazer e alívio, mas também provoca novos investimentos / perspectivas. Ser humano é ser das eternas querências. Hoje há uma nova rede. Ao invés de observar, medir e lançar um objeto em cima de um ambiente apinhado de peixes / objetivos; os sujeitos são seduzidos ao lançamento do próprio corpo e mente para dentro do ciberespaço: são rede e pescado ao mesmo tempo. Ao tempo de conhecimento e aprofundamento de todos os tipos de relações soma-se o tempo do arrasto-click: no virtual, encontro um amigo, arrasto e click; encontro uma empresa, arrasto e click; encontro uma emoção, arrasto e click. De alguma forma todos se mantêm juntos e/ou dentro. Mas, cada vez menos construídas em ambiente ‘presencial, as redes sociais são entendidas como janelas de oportunidades profissionais. Os sujeitos se lançam em sites de relacionamento com outras expectativas/ intenções. Mais do que redes sociais, são redes de contatos e extensão das reputações profissionais. Existem vários links específicos para futuras contratações ou exposição de currículos, ou seja há redes sociais criadas especialmente para conectar profissionais com interesses comuns, além de informar o surgimento de vagas de trabalho. Aproveita-se o ‘boom’ da Internet, cria-se nova forma de processo seletivo e reorganiza-se uma boa parte do mercado de trabalho. Será que parte de nossa competência passa pela construção de nosso perfil na internet? Já há diversos cursos sobre ‘redes sociais e seleção por competência’, o que demonstra a realidade dos novos tempos e quão atentos devemos estar quando construímos o design de nossos perfis em ambiente virtual. Todos devem ter atenção a isso. Não é besteira! No Orkut, no Facebook ou no Twitter (para mencionar os mais populares), há sim um ‘grande irmão’ de Orwell. Um ‘grande irmão’ que também procura profissionais especialistas ou generalistas, e que vem determinando mudanças de comportamento dos/nos interagentes em suas redes sociais. Se por um lado não há mais como se isentar da participação nestas redes, de outro lado, precisa-se entender que, em nenhum deles, há a inocência da simples diversão. Educação, ética, escrúpulo e bom comportamento se mantêm como exigência nestes espaços, além de informação sobre vagas e processos seletivos. A efervescência do primeiro momento de aproximação dos sujeitos de um destes sites desvanece quando o retorno entra na rotina dos dias. As escolhas das comunidades representam mais nossos gostos, pensamentos e sentimentos, do que efetivamente encarado como espaço de participação (ativa) e intimidade (encontro com novas pessoas). Então surge a idéia: acessar sites que possam oportunizar mudança de status, mais informação sobre novos pontos de trabalho, ou de aprofundamento teórico. Hoje estou assanhada com o twitter. É um espaço grátis onde é preciso ser conciso. A informação deve ter, no máximo, 140 caracteres. É fácil, é complexo; é simples, é estranho. Na mesma praia, com alcance ilimitado, ‘seguimos’ muitas instituições e pessoas, e recebemos micro-informações, tanto completamente inúteis como estados de espírito ou eventos do dia, quanto densas de sentido e importantes elementos para compartilhamento e colaboração profissional. Sou muito desconfiada dessa profusão de redes sociais aparecendo na Internet. Mas o twitter tendo sido diferente. Para mim foi um ‘achado’. Amigos, gostos, papos, fotos, eu compartilho no Orkut. No twitter, tenho meu local de trabalho. Não é um lugar para papos descontraídos. É lugar de vantagens: de tirar vantagem da informação do outro; além de compartilhar e de colaborar. Mas para isso, é preciso ser coerente nas escolhas de quem se segue. Escolho bem quem sigo porque tenho interesses: vagas para professores, seminários, congressos e textos de aprofundamento. Estou aprendendo e tentando ‘pescar’ uma mudança de vida ou mais grana. Joguei a rede a muitos anos e conquistei o último dos desejos semana passada: mestrado. Agora me preparo para jogar novamente minha rede. Muitos movimentos à volta. Muitos animais com boquinhas abertas me distraindo, me encantando. O canto da sereia está por toda parte. Mas a tentação deve ser refreada. Sem mentiras ou exageros vou aceitando o dia-a-dia, reorganizando papeis e sentimentos, acessando novos rumos, limpando gavetas e recantos e (re)semeando a superfície perto de mim. Conserto e lavo minha rede com calma e sem pressa. E no twitter recheio a mente com possíveis escolhas para um dia seguinte de novas e outras trilhas, conquistas, esforços e... pesca.
Pro(a) Ms. Claudia Nunes

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

ACADEMIA

Academia de ginástica, de leitura, de imortais, não! Academia científica! E eu passei por ela enfrentando pedras e armadilhas. Passei por ela crescendo, não há como negar, mas com grandes estranhamentos. Os fantasmas não foram dissipados, os preconceitos ‘pedagojosos’ perpetuaram, juntando-se a outros criando uma grande platéia de incógnitas que, entre si, apostava numa ação natural: a desistência. Quem dá mais? Quem dá mais? A roleta girava e as apostas eram cada vez mais frenéticas. Um elemento ‘alimentava’ seus frutos: o tempo. Numa cegueira turbilhonante das indecisões, surpresas, perdas e desencantos, o tempo sorria com dentes trágicos e me escapava. Vozes exigiam atitudes, interferências, ‘pé na porta’ e ‘múltiplas voadoras’, mas, ainda que sem entender os porquês, uma das minhas pernas estava travada pela ética, pela ação ética. Não se consegue nada sem ética, elegância e silêncio nevralgicamente utilizados. Eu passei pela academia, em discussão, em críticas, em análise, nunca por aceitação ou dentro da voracidade do senso comum. Era inútil medir forças ou mergulhar no descontrole porque, para isso, também foi preciso ciência, metodologia, grupo de discussão e vários seminários. Ainda assim faltou mediação: entre o tempo e a ética, não tive o refresco da orientação. É complexo tudo isso porque a conquista só é um véu nas indignações, perplexidades e injustiças que transpassaram esse tempo. A conquista neutraliza. O alívio da conquista neutraliza. Mas antes de qualquer coisa eu penso: ‘o vento que venta lá, venta cá também’, então, e mais uma vez o jogo egóico acadêmico se atém por interesse próprio então jogo no amanhã a reflexão, afinal a marca da instituição está feita e o corpo jamais esquecerá a terra dos Bruzundangas de Lima Barreto, já que o que vale é a marca da diversidade: eu passei pela academia... Parabéns para mim!

Prof(a) Ms Claudia Nunes

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O CORPO


Corpo orgânico
Corpo bioquímico
Corpo tradição
Corpo de afetos agônicos
Corpo humano
Corpo imperfeito
Corpo justo
Corpo insano
Mas corpo da liberdade e das paternidades
Corpo ungido
Corpo fingido
Corpo aturdido
Corpo arrepiado
E sempre confundido e iludido

Corpo possível
Corpo amoroso
Corpo distraído
Corpo tocável
No fim só corpo
         Frágil, delicado e desconhecido
                   Cuidado...


Profa. Ms. Claudia Nunes

PROMETEU


Embora o fogo mate
O fogo criou a sabedoria
Envolveu o corpo
E distraiu os deuses
Agora o fogo tem olhares,
Carrega nossas atenções
E justifica nossas dores
Quando Prometeu nos deus o fogo
Arrepiou a vida
Afastou o tempo de morte
Incandesceu os sentidos
E o mundo amou...

Amou a vida
Amou o verbo
Amou as historias
Amou o amor

Humanos!
Fogo como vida
Fogo como morte
Respirem com cuidado!
Como afastou os predadores,
O fogo apressa nossas cinzas...



Profa. Ms. Claudia Nunes

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Monte de ações na cultura digital

Na cultura digital, junto aos conceitos de colaboração, mediação e interação, aliam-se, pelo senso comum, as ações de copiar, recortar e colar. De substantivos cheios de significâncias à ações altamente ativas, os sujeitos mantém a impressão de que ‘tudo pode’, ‘tudo é de direito’. As redes sociais crescem aceleradamente e todos têm algo para dizer, informar ou criticar. A tônica é manter o conhecimento acontecendo de múltiplas formas e num tempo cada vez menor. Será que daqui a alguns anos teremos ‘homens de letras’? O pensamento se inaugura pelo olhar e pelo tato. E a mediação é feita em parceria com a memória e de acordo com os níveis de criatividade. Mas hoje,o pensamento paira ao nível da ação de ‘capturar’. Capturar investe-se da aura de ‘saber’. Capturar age por ligações infinitas desrespeitando direções como vertical e horizontal. Cada vez mais palavras como ‘terminar’, ‘finalizar’ ou ‘concluir’ encontram-se no conjunto de ações românticas e/ou metafóricas. Cada vez mais pretende-se a diluição das diversidades como se estas fossem estigmas negativos de uma sociedade e de uma cultura. Então, no ambiente virtual, em meio às facilitações das ferramentas virtuais, copiar, recortar e colar são permitidas. Não temos apenas ruídos nas comunicações, temos ruídos nas éticas. Transformado em ‘cursor’, os sujeitos são personagens principais de cada imersão, interação e mediação com seus desejos, experiências e retrospectivas. Não há ‘arquivos mortos’, há ‘arquivos vivos’, mas cada vez mais obcecando as formas de ser, e estar e sentir humanos. Na saída da caverna, na ‘volta do parafuso’ sentimentos a muito esquecidos: desentendimentos, desconfianças, medos e, por fim depressão. Afinal, no cotidiano, ‘recortar, colar e copiar estão extremamente dificultados.

                                                                                                                Profa. Claudia Nunes

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Oh Doce Dilema!!!!


Estou me vendo diante da tela do computador. Sou uma sombra de mim ou um artefato invisível? Não sei... Na tela, minha imagem acabou. Minha consistência está dissipada. Posso estar em qualquer ‘lugar’. Ainda assim pulsa um sentido de vida: o frenesi do cursor de um lado a outro. Estou desaparecida, não estou anônima, há uma pessoa trabalhando. Pessoa? Onde está a pessoa? Cursor é uma marionete sem cordões, mas sob controle. Tantos estudos sobre anatomia, biologia e evolução humana, mas, diante da tela, presa na tela, eu! Só eu! Neste ambiente, a expansão possível é vertical, para dentro, numa descida sem fim e sem chão, mesmo sem minha vontade. Essa vertigem desata múltiplos nós e deles escorrem jorros de informações. O que fazer? Não sei... Talvez arriscar ou tocar ou abrir outros itens numa rotina de liberdade que (re)estrutura o corpo. Será que não há linhas de fuga da tela? Será que não vou escapar da sombra que vislumbro pelas laterais? Tela, ‘tele’, tecer, então por que temer? Sim, é isso! Diante da tela, a perda da imagem só traz temor. Esse é o resultado da distração de mim. Mas cadê eu? Onde fui? Sou do mundo? Sou de todos? Não estou a fim dessa promiscuidade. Por telepatia imagino-me novamente por que tenho uma parceira de vida: minha memória. O mundo pode me alcançar de qualquer maneira, mas as peças do meu ‘quebra-cabeças’ estão bem guardadas na memória. Ali sou livre, ali eu posso, ali eu me recrio quantas vezes forem necessárias. Não posso acreditar que ‘cada um no seu quadrado’ telemático estabeleceu experiências com a vida descartando o momento ‘corpo’, o momento ‘toque’ ou o momento ‘sorriso’. Estou diante da tela, da minha sombra, aceitando um processo de mudança, mas mantendo minha habitação inicial: a memória. Ela pode ser enganosa, frágil, emocional, dolorida, mas é tudo o que tenho como sobrevida. A vida não se retoma sozinha, ela se insurge contra ‘o de sempre’, contra as ‘asas da borboleta’ e vivifica no caos. As letras continuam aparecendo na tela e eu já não me vejo mais. O ‘papel’ digital me separa de mim. Se minimizar, me reencontro; se maximizar, me perco. Oh doce dilema! Eu tenho a decisão de me perder, me esquecer e, mesmo assim, temo e agonizo. São cavernas maravilhosas, coloridas e em festa: vícios começam assim. Eu me escondo e me divirto. O corpo esquecido exige fisioterapia, mas a mente continuar ‘comendo’ dados. Manhas, tarde e noites, e a tela me limite, me sombreia, mas me celebra. Fazer o que? Fechar os olhos e lembrar...
Profa. Claudia Nunes

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Mal estar de um anjo (Clarice Lispector)

Ao sair do edifício, o inesperado me tomou. O que antes fora apenas chuva na vidraça, abafado de cortina e aconchego, era na rua a tempestade e a noite. Tudo isso se fizera enquanto eu descera pelo elevador? Dilúvio carioca, sem refúgio possível, Copacabana com água en­tran­do pelas lojas rasas e fechadas, águas grossas de lama até o meio da perna, o pé tateando para encontrar calçadas invisíveis. Até movimento de maré já tinha, onde se juntasse o bastante de água começava a atuar a secreta influência da Lua: já havia fluxo e refluxo de maré. E o pior era o temor ancestral gravado na carne: estou sem abrigo, o mundo me expulsou para o próprio mun­do, e eu que só caibo numa casa nunca mais terei casa na vida, esse vestido ensopado sou eu, os cabelos escorridos nunca secarão, e sei que não serei dos escolhidos para a Arca, pois já selecionaram o melhor casal de minha espécie.

Pelas esquinas os carros de motor paralisado, e nem sombra de táxi. E a alegria feroz de vários homens finalmente impossibilitados de voltar para casa. A alegria demoníaca dos homens livres ainda mais ameaçava quem só queria casa própria. Andei sem rumo ruas e ruas, mais me arrastava que andava, parar é que era o perigo. De minha desmedida desolação eu só conseguia que ela fosse disfarçada. Alguém, radiante sob uma marquise, disse: que coragem, hein, dona! Não era coragem, era exatamente o medo. Porque tudo estava paralisado, eu que tenho medo do instante em que tudo pare tinha que andar.

E eis que nas águas vejo um táxi. Avançava cuidadosamente, quase centímetro por centí­metro, tateando o chão com as rodas. Como é que eu me apoderaria daquele táxi? Aproxi­mei-me. Não podia me dar ao luxo de pedir, lembrei-me de todas as vezes em que, por ter tido a doçura de pedir, não me deram. Contendo o desespero, o que sempre me dá uma aparência de força, disse ao chofer: “o senhor vai me levar para casa! é de noite! tenho filhos pequenos que devem estar assustados com minha demora, é de noite, ouviu?!” Para minha grande surpresa, vai o homem e simplesmente diz que sim. Ainda sem entender, entrei. O carro mal se movia nas ondas lamacentas, mas movia-se — e chegaria. Eu só pensava: eu não valho tanto. Daí a pouco já estava pensando: e eu que não sabia que valia tanto. E daí a pouco era a dona-de-casa de meu táxi, já tomara posse de direito do que gratuitamente me fora dado, e energicamente tomava medidas úteis: torcia cabelos e roupas, tirava os sapatos amolecidos, enxugava o rosto que mais parecia ter chorado. A verdade, sem pudor, é que eu tinha chorado. Muito pouco, e misturando motivos, mas chorado. Depois de arrumar minha casa, encostei-me bem confortável no que era meu, e de minha Arca assisti ao mundo acabar-se.

Uma senhora aproximou-se então do carro. Devagar como este avançava, ela pôde acom­panhá-lo agarrada em aflição ao trinco da porta. E literalmente me implorava para comparti­lhar do táxi. Era tarde demais para mim, e seu itinerário me desviaria de meu caminho. Lembrei-me, porém, de meu desespero de havia cinco minutos, e resolvi que ela não teria o mesmo. Quando eu lhe disse que sim, seu tom de imploração imediatamente cessou, substituído por uma voz extremamente prática: “É, mas espere um pouco, vou até aquela transversal buscar na casa da costureira o embrulho do vestido que deixei lá para não molhar”. “Estará ela se apro­veitando de mim?”, indaguei-me na velha dúvida se devo ou não deixar que se aproveitem de mim. Terminei cedendo. Ela demorou à vontade. E voltou com um enorme embrulho pousado nas mãos estendidas, como se até seu próprio corpo pudesse macular o vestido. Instalou-se total­mente, o que me deixou tímida na minha própria casa.

E começou o meu calvário de anjo — pois a mulher, com sua voz autoritária, já tinha co­meçado a me chamar de anjo. Não poderia ser menos comovente o seu caso: aquela era a noite de uma première e, se não fosse eu, o vestido se estragaria na chuva ou ela se atrasaria e perderia a première. Eu já tivera as minhas premières, e nem as minhas me haviam comovido. “A senhora não sabe o milagre que me aconteceu”, contou-me com firmeza. “Comecei a rezar na rua, a rezar ara que Deus me mandasse um anjo que me salvasse, fiz promessa de não comer quase nada amanhã. E Deus me mandou a senhora.” Constrangida, remexi-me no banco. Eu era um anjo destinado a proteger premières? a ironia divina me encabulava. Mas a senhora, com toda a força de sua fé prática, e tratava-se de mulher forte, continuava impositivamente a reconhe­cer o anjo em mim, o que só pouquíssimas pessoas até hoje reconheceram, e sempre com a maior discrição. Tentei sem jeito a leveza de um sarcasmo: “Não me supervalorize, sou ape­nas um meio de transporte”. Enquanto que a ela nem sequer ocorreu compreender-me, eu a contragosto percebia que o argumento na verdade não me isentava: anjos também são meios de transporte. Intimidada, calei-me. Fico muito impressionada com quem grita comigo: a mulher não gritava, mas claramente mandava em mim. Impossibilitada de confrontá-la, refugiei-me num doce cinismo: aquela senhora, que tratava com tanto vigor do próprio êxtase, devia ser mulher habituada a comprar com dinheiro, e na certa terminaria por agradecer ao anjo com um cheque, também levando em conta que a chuva já devia ter lavado toda a minha distinção. Com um pouco mais de confortável cinismo, em silêncio, declarei-lhe que dinheiro seria um meio tão legítimo como qualquer outro de agradecer, já que a moeda dela era mesmo moeda. Ou então — diverti-me eu — bem poderia dar-me em agradecimento o vestido da première, pois o que ela realmente deveria agradecer não era ter um vestido seco, e sim ter sido atingida pela graça, isto é, por mim. Dentro de um cinismo cada vez melhor, pensei: “Cada um tem o anjo que merece, veja que anjo lhe coube: estou cobiçando por pura curiosidade um vestido que nem sequer vi. Agora quero ver como é que sua alma vai se arrumar com a idéia de um anjo interessado em roupas”. Parece-me que, no meu orgulho, eu não queria ter sido escolhida para servir de anjo à tolice ardente de uma senhora.

A verdade é que ser anjo estava começando a me pesar. Conheço bem esse processo do mundo: chamam-me de bondosa, e pelo menos durante algum tempo fico atrapalhada para ser ruim. Comecei também a compreender como os anjos se chateiam: eles servem a tudo. Isso nunca me ocorrera. A menos que eu fosse um anjo muito embaixo na escala dos anjos. Quem sabe, até, eu era só aprendiz de anjo. A alegria satisfeitona daquela senhora começava a me dei­xar sombria: ela fizera uso exorbitante de mim. Fizera de minha natureza indecisa uma profissão definida, transformara minha espontaneidade em dever, acorrentava-me, a mim, que era anjo, o que a essa altura eu já não podia mais negar, mas anjo livre. Quem sabe, porém, eu só fora man­dada ao mundo para aquele instante de utilidade. Era isso, pois, o que eu valia. No táxi, eu não era um anjo decaído: era um anjo que caía em si. Caí em mim e fechei a cara. Um pouco mais e teria dito àquela de quem eu era com tanta revolta o anjo da guarda: faça o obséquio de descer já e imediatamente deste táxi! Mas fiquei calada, agüentando o peso de minhas asas cada vez mais contritas pelo seu enorme embrulho. Ela, a minha protegida, continuava a falar bem de mim, ou melhor, de minha função. Emburrei. A senhora sentiu e calou-se um pouco desarvorada. Já na altura de Viveiros de Castro a hostilidade se declarara muda entre nós.

— Escute, disse-lhe eu de repente, pois minha espontaneidade é faca de dois gumes tam­bém para os outros, o táxi vai antes me deixar em casa e depois é que segue com a senhora.

— Mas, disse ela surpreendida e em começo de indignação, depois vou ter que dar uma volta enorme e vou me atrasar! é só um pequeno desvio para me deixar em casa!

— Pois é, respondi seca. Mas não posso entrar pelo desvio.

— Eu pago tudo! insultou-me ela com a mesma moeda com que teria se lembrado de me agradecer.

— Eu é que pago tudo, insultei-a.

Ao saltar do táxi, assim como quem não quer nada, tive o cuidado de esquecer no banco as minhas asas dobradas. Saltei com a profunda falta de educação que me tem salvo de abismos angelicais. Livre de asas, com a grande rabanada de uma cauda invisível e com a altivez que só tenho quando pára de chover, atravessei como uma rainha os largos umbrais do Edifício Vis­conde de Pelotas.

Lispector, Clarice. Mal-estar de um anjo. In Para Não

Esquecer. São Paulo, Ática, 1984

Nada nunca é igual

  Nada nunca é igual   Enquanto os dias passam, eu reflito: nada nunca é igual. Não existe repetição. Não precisa haver morte ou decepçã...