Estamos em um
tempo em que o pensamento sempre se volta para um conceito / atitude:
aprendizagem, resultado final de imersões variadas, contínuas e complexas em um
número infinito de informações cujo foco favorece a mudança dos comportamentos
cognitivo, afetivo e físico.
No território da
educação, isto é uma constante. E por isso, de tempos em tempos, surgem ideias
compreendidas como inovadoras, principalmente, das práticas de ensino (metodologias).
Porém uma pergunta sempre surge: como estimular a vontade de aprender, mesmo em
situações de vulnerabilidade?; ou, em ambientes violentos?; ou, ainda, em
mentes com baixa autoestima? Superficialmente podemos responder: difícil diante
da crise social e econômica do país; difícil diante da rápida desvalorização da
profissão docente; difícil diante da falta de perspectiva real observada na
mentalidade dos discentes inseridos em comunidades, às vezes, de precariedades
extremas. E de tão difícil, repensamos o conceito de ‘líquido’[1]
trazido por Baumann. E de tão difícil, voltamo-nos para a biologia do cérebro e
sua complexidade neuronal.
Toda forma de
pensar é representativa do conjunto de memórias genética e social que o cérebro
assimila enquanto vivo. E justamente a memória social (aquela que compõe a inteligência
/ a ‘ecologia coletiva’ trabalhada por Pierre Levy) parece ser a fonte de uma
intensa (e, às vezes, inconsciente) adaptação das potencialidades inatas aos
sujeitos de maneira positiva ou negativa na relação com o cotidiano. Essa
adaptação, por sua vez, torna-se ponto nevrálgico em que, no processo
maturacional, se amalgama as aprendizagens.
Entendemos que
‘aprender’ é libertar das amarras; é inaugurar links para a imaginação e a
criatividade, ainda que se utilizem ferramentas cognitivas comuns; e é
desenvolvida por atitudes inovadoras que proponham, segundo Johnson (2011, p.41)
“centelhas, lampejos, sopros,
iluminações, estalos em nossa mente”.
Para aprender é
preciso desatenção das rotinas cognitivas e reorganização das redes de
neurônios, “uns em sincronia com os
outros, pela primeira vez, em nosso cérebro” (p.41). Para o senso comum,
então, à aprendizagem é necessário sair da rotina emocional, e assim “explorar o possível adjacente de conexões
que possam ser estabelecidas em nossa mente” (p.41). O outro é fundamental:
somos sociais sempre.
Nas
aprendizagens cotidianas e escolares, há um enxame de iluminações “capazes de estabelecer conexões complexas
uns com os outros” (p.42). Os estudantes têm expectativas. Mesmo àqueles
que demonstram comportamentos disfuncionais, as expectativas de estar diante de
algo diferente e aprender, permanece; logo, é importante que repensemos (nós,
os professores) nossas maneiras de apresentar os conteúdos e, assim, fortalecer
a rede de aprendizagem necessária à liberação, por exemplo, da imaginação e da
autonomia; e mesmo, necessária ao desenvolvimento qualitativo de funções
executivas[2].
Ainda que
saibamos que o cérebro é plástico, a qualidade desta neuroplasticidade exige
que estimulemos, com frequência e intensidade, novas configurações às redes de
neurônios com metodologias / práticas desafiantes, contextuais, proativas e
libertárias. “Uma rede densa que não
consegue formar novos padrões é, por definição, incapaz de mudar, de investigar
nas bordas do possível adjacente” (p.42).
Práticas
pedagógicas com recursos inovadores ou renovados trazem a ‘sensação de novidade
que torna a experiência [de aprender] tão mágica’, além de inaugurar novas
correspondências nas células do cérebro, trazendo a percepção de que, por
exemplo, os sonhos mais guardados tem real possibilidade de serem realizados.
Práticas
pedagógicas envolvendo diferentes tecnologias / técnicas, variadas
manifestações artísticas e outros movimentos de corpo recriam “um conjunto inteiramente novo de neurônios”
(2011, p.42) cujo processamento transforma a ação dos sentidos junto à
realidade e, por consequência, afetos, cognições e atitudes: comportamentos em
geral de um ser afetado integralmente pelo novo. Para Johnson, “as conexões são a chave da sabedoria (...)
logo o que importa em nossa mente não é só o número de neurônios, mas a miríade
de conexões que se formam entre elas”, quando diante de atividades
diferenciadas, desafiantes e significativas (p.42).
Nós,
professores, devemos criar uma rotina de mudanças pedagógicas tendo em vista
que estaremos sempre diante de mentalidades diferentes; são outros conjuntos de
neurônios, eletroquimicamente, ativos e ávidos por se experimentar e se
experienciar, nas diferentes configurações de realidade a que tiverem a chance
de imergir.
Só que Johnson
(2011) nos pergunta: “como impelir estes
cérebros para redes mais criativas”; no caso da escola, mais equilibradas e
atencionais; e, ainda, no caso da sociedade, mais producentes e funcionais?
Uma primeira
resposta, segundo Johnson (2011, p.43) seria “maravilhosamente fractal: para tornar nossa mente mais inovadora,
temos que inseri-la em ambientes que compartilhem daquele mesmo tipo
característico de rede; isto é, em rede de ideias ou pessoas que imitem as
redes neurais de uma mente que explora os limites do possível adjacente”.
Outra resposta
pode estabelecer-se na introdução da percepção de que a atividade pedagógica
oferecida é uma aventura, uma competição regrada, um jogo, com necessidade de
associações (grupo), a partir de / através da realidade (informações
conhecidas), de forma a se criar / desenvolver soluções/ resultados possíveis.
Como todos os
alunos são capazes de aprender, todos são potencialmente capazes de criar novas
conexões, de serem geradores de novas relações e de reorganizarem o ambiente
escolar realçando suas formas de pensar / agir / sentir, se a eles forem
liberadas ferramentas cognitivas coerentes, ou seja, se puderem ‘manejar’ seus
‘aprenderes’ em colaboração com as informações escolares, a partir:
ð
do
aprender a partir de;
ð
do
aprender acerca de;
ð
do
aprender através de;
ð
e,
principalmente, do aprender com[3].
Há uma energia
armazenada e pronta para ‘acontecer’ e fertilizar nossa sala de aula de
inovação, criatividade e afeto. De acordo com Johnson (2011, p.45/46), esta é a
reflexão do “poder combinatório do átomo
de carbono”. Mas, atenção professor: ‘sem um meio que lhe permita [o aluno]
colidir ao acaso com outros elementos, suas capacidades conectivas serão
provavelmente desperdiçadas’. Ou seja, o desafio, a proatividade e a
colaboração são mesmo as chaves mais interessantes para o desenvolvimento da
aprendizagem porque são chaves ‘atitudinais’ que trazem a surpresa da
possibilidade de SER diferente para o cenário da mente discente e da dinâmica
da sala de aula.
Será que videoclipes
de hip-hop podem ser introduzidos para ensinarmos elementos da comunicação, figuras
de linguagem ou gêneros textuais? Será que dinâmicas de grupo podem ser
recursos didáticos em que se vivenciem características literárias, raciocínio
lógico, expressão corporal e assim introduzir o equilíbrio emocional? Será que
jogos, como damas, bingo, xadrez, ou de memória podem favorecer mudanças de
comportamento ou o entendimento de conteúdos de física, matemática e até
geografia? Será que passeios pela comunidade ou pela própria escola podem se justificar
através de relatórios, maquetes, pinturas, desenhos, murais imagéticos, o
aprendizado de história, artes, língua portuguesa? Será que a criação de vídeos
temáticos pode ajudar nos conteúdos de química, interpretação de texto, lógica,
leitura? Será que não fazer nada, só ouvir música e conversar, ou meditar e
aprender a respirar, vez por outra, é tão improdutivo assim? Vamos nos
repensar, professor, o mundo mudou seriamente e seus alunos tem outro movimento
de realidade em seus sentidos.
‘Quando
voltamos nossos olhos para o mecanismo original de inovação na Terra,
encontramos duas propriedades essenciais. Primeiro, uma capacidade de
estabelecer novas conexões com o maior número possível de outros elementos.
Segundo, um ambiente ‘randomizante’, que estimula colisões entre todos os
elementos do sistema’
(JOHNSON, 2011, p.46).
Essa citação nos
faz pensar o seguinte: em sala de aula, há cérebros solventes e fluidos se
reorganizando sempre por combinação de estímulos e os selecionando em conexões
de interesses, e estes mudam de acordo com as faixas etárias (adaptações
estáveis) e a vivência de outros estímulos (necessidades e desejos). Nós,
professores, somos responsáveis, então por esta organização e auto-organização
quando respeitamos as formas de aprender, entendemos um pouco sobre o sistema
nervoso humano e, a partir disso, requalificamos nossas práticas.
Metaforicamente
e, como o cientista da computação Christopher Langton (apud JOHNSON, 2011,
p.47) afirma, para descrever a qualidade dessa prática, pense no comportamento
de moléculas em cada um dos três estados da matéria: gasoso, líquido e sólido:
Fator científico
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Fator educacional
|
|
Na forma de gás
|
O
caos impera; novas configurações são possíveis, mas a todo instante são
rompidas e despedaçadas pela natureza volátil do ambiente.
|
Na sala de aula:
indisciplina, desinteresse, baixa autoestima, falta de afeto, desrespeito
entre os atores educacionais etc.
|
Na forma sólida
|
Acontece
o contrário: os padrões têm estabilidade, mas são incapazes de mudanças.
|
Na escola: práticas engessadas,
repetição de práticas de sucesso, estigmatizações, grande burocracia, falta
de flexibilidade, manutenção dos paradigmas tradicionais etc.
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Na forma líquida
|
Cria-se
um ambiente mais promissor para o sistema explorar o possível adjacente.
Novas configurações podem emergir por meio de conexões aleatórias formadas
entre as moléculas, mas o sistema não é tão instável a ponto de destruir num
instante as próprias criações.
|
Na sala de aula e na
escola: mais independência, autonomia, prazer, colaboração, compreensão,
diálogo, afeto, respeito, integração entre todos.
|
A questão do
conceito do ‘liquido’ tem uma versão positiva quando empreendemos densidade às
células glias, à bainha de mielina, às redes neuronais ilustrando o ambiente
escolar com imagens e movimentos significativos para os estudantes e
fortalecemos as interconexões para a exploração de novos padrões em consonância
com a preservação das “estruturas úteis
por longos períodos de tempo” (p.47). Não fugiremos da construção de
padrões, mas precisamos vivenciar novidades para recriar ou reintroduzir novos
sentidos / movimentos às nossas memórias de procedimento e de longa duração.
Profa
Claudia Nunes
Referencia:
JOHNSON, Steven. Rede líquida. In. De onde
vêm as boas ideias. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p.41-59.
[1]
Bauman apresenta o conceito de ‘modernidade líquida’ como volátil, incerta e
insegura; acreditamos que, por isso mesmo, as potencialidades aprendentes
possam ser provocadas à ascensão no real como comportamentos cognitivos mais
criativos e flexíveis quando se deparam com ensinagens significativas. É o
princípio da neuroplasticidade, processo constante de adaptação do sistema
nervoso; e da criação da memória de longo prazo.
[2]
Habilidades cognitivas que nos permitem controlar e regular nossos pensamentos,
nossas emoções e nossas ações diante dos conflitos ou das distrações. Estas
habilidades estão concentradas em três grandes panoramas: autocontrole, memória
de trabalho e flexibilidade cognitiva. Fonte:
www.enciclopedia-crianca.com/funcoes-executivas
[3] Ferramentas
cognitivas ou mindtools são todas as tecnologias ou aplicações que, numa
perspectiva construtivista da aprendizagem, facilitam o pensamento crítico,
permitem uma aprendizagem significativa e envolvem ativamente os alunos: na
construção do conhecimento, na conversação, na atitude, na colaboração e na
reflexão. Fonte:
http://ferramentascognitivas.blogspot.com.br/2002_09_22_archive.html
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