quinta-feira, 7 de abril de 2016

APRENDIZAGEM e seus POSSÍVEIS ADJACENTES

Estamos em um tempo em que o pensamento sempre se volta para um conceito / atitude: aprendizagem, resultado final de imersões variadas, contínuas e complexas em um número infinito de informações cujo foco favorece a mudança dos comportamentos cognitivo, afetivo e físico.
No território da educação, isto é uma constante. E por isso, de tempos em tempos, surgem ideias compreendidas como inovadoras, principalmente, das práticas de ensino (metodologias). Porém uma pergunta sempre surge: como estimular a vontade de aprender, mesmo em situações de vulnerabilidade?; ou, em ambientes violentos?; ou, ainda, em mentes com baixa autoestima? Superficialmente podemos responder: difícil diante da crise social e econômica do país; difícil diante da rápida desvalorização da profissão docente; difícil diante da falta de perspectiva real observada na mentalidade dos discentes inseridos em comunidades, às vezes, de precariedades extremas. E de tão difícil, repensamos o conceito de ‘líquido’[1] trazido por Baumann. E de tão difícil, voltamo-nos para a biologia do cérebro e sua complexidade neuronal.
Toda forma de pensar é representativa do conjunto de memórias genética e social que o cérebro assimila enquanto vivo. E justamente a memória social (aquela que compõe a inteligência / a ‘ecologia coletiva’ trabalhada por Pierre Levy) parece ser a fonte de uma intensa (e, às vezes, inconsciente) adaptação das potencialidades inatas aos sujeitos de maneira positiva ou negativa na relação com o cotidiano. Essa adaptação, por sua vez, torna-se ponto nevrálgico em que, no processo maturacional, se amalgama as aprendizagens.
Entendemos que ‘aprender’ é libertar das amarras; é inaugurar links para a imaginação e a criatividade, ainda que se utilizem ferramentas cognitivas comuns; e é desenvolvida por atitudes inovadoras que proponham, segundo Johnson (2011, p.41) “centelhas, lampejos, sopros, iluminações, estalos em nossa mente”.
Para aprender é preciso desatenção das rotinas cognitivas e reorganização das redes de neurônios, “uns em sincronia com os outros, pela primeira vez, em nosso cérebro” (p.41). Para o senso comum, então, à aprendizagem é necessário sair da rotina emocional, e assim “explorar o possível adjacente de conexões que possam ser estabelecidas em nossa mente” (p.41). O outro é fundamental: somos sociais sempre.
Nas aprendizagens cotidianas e escolares, há um enxame de iluminações “capazes de estabelecer conexões complexas uns com os outros” (p.42). Os estudantes têm expectativas. Mesmo àqueles que demonstram comportamentos disfuncionais, as expectativas de estar diante de algo diferente e aprender, permanece; logo, é importante que repensemos (nós, os professores) nossas maneiras de apresentar os conteúdos e, assim, fortalecer a rede de aprendizagem necessária à liberação, por exemplo, da imaginação e da autonomia; e mesmo, necessária ao desenvolvimento qualitativo de funções executivas[2].
Ainda que saibamos que o cérebro é plástico, a qualidade desta neuroplasticidade exige que estimulemos, com frequência e intensidade, novas configurações às redes de neurônios com metodologias / práticas desafiantes, contextuais, proativas e libertárias. “Uma rede densa que não consegue formar novos padrões é, por definição, incapaz de mudar, de investigar nas bordas do possível adjacente” (p.42).
Práticas pedagógicas com recursos inovadores ou renovados trazem a ‘sensação de novidade que torna a experiência [de aprender] tão mágica’, além de inaugurar novas correspondências nas células do cérebro, trazendo a percepção de que, por exemplo, os sonhos mais guardados tem real possibilidade de serem realizados.
Práticas pedagógicas envolvendo diferentes tecnologias / técnicas, variadas manifestações artísticas e outros movimentos de corpo recriam “um conjunto inteiramente novo de neurônios” (2011, p.42) cujo processamento transforma a ação dos sentidos junto à realidade e, por consequência, afetos, cognições e atitudes: comportamentos em geral de um ser afetado integralmente pelo novo. Para Johnson, “as conexões são a chave da sabedoria (...) logo o que importa em nossa mente não é só o número de neurônios, mas a miríade de conexões que se formam entre elas”, quando diante de atividades diferenciadas, desafiantes e significativas (p.42).
Nós, professores, devemos criar uma rotina de mudanças pedagógicas tendo em vista que estaremos sempre diante de mentalidades diferentes; são outros conjuntos de neurônios, eletroquimicamente, ativos e ávidos por se experimentar e se experienciar, nas diferentes configurações de realidade a que tiverem a chance de imergir.
Só que Johnson (2011) nos pergunta: “como impelir estes cérebros para redes mais criativas”; no caso da escola, mais equilibradas e atencionais; e, ainda, no caso da sociedade, mais producentes e funcionais?
Uma primeira resposta, segundo Johnson (2011, p.43) seria “maravilhosamente fractal: para tornar nossa mente mais inovadora, temos que inseri-la em ambientes que compartilhem daquele mesmo tipo característico de rede; isto é, em rede de ideias ou pessoas que imitem as redes neurais de uma mente que explora os limites do possível adjacente”.
Outra resposta pode estabelecer-se na introdução da percepção de que a atividade pedagógica oferecida é uma aventura, uma competição regrada, um jogo, com necessidade de associações (grupo), a partir de / através da realidade (informações conhecidas), de forma a se criar / desenvolver soluções/ resultados possíveis.
Como todos os alunos são capazes de aprender, todos são potencialmente capazes de criar novas conexões, de serem geradores de novas relações e de reorganizarem o ambiente escolar realçando suas formas de pensar / agir / sentir, se a eles forem liberadas ferramentas cognitivas coerentes, ou seja, se puderem ‘manejar’ seus ‘aprenderes’ em colaboração com as informações escolares, a partir:
ð  do aprender a partir de;
ð  do aprender acerca de;
ð  do aprender através de;
ð  e, principalmente, do aprender com[3].

Há uma energia armazenada e pronta para ‘acontecer’ e fertilizar nossa sala de aula de inovação, criatividade e afeto. De acordo com Johnson (2011, p.45/46), esta é a reflexão do “poder combinatório do átomo de carbono”. Mas, atenção professor: ‘sem um meio que lhe permita [o aluno] colidir ao acaso com outros elementos, suas capacidades conectivas serão provavelmente desperdiçadas’. Ou seja, o desafio, a proatividade e a colaboração são mesmo as chaves mais interessantes para o desenvolvimento da aprendizagem porque são chaves ‘atitudinais’ que trazem a surpresa da possibilidade de SER diferente para o cenário da mente discente e da dinâmica da sala de aula.
Será que videoclipes de hip-hop podem ser introduzidos para ensinarmos elementos da comunicação, figuras de linguagem ou gêneros textuais? Será que dinâmicas de grupo podem ser recursos didáticos em que se vivenciem características literárias, raciocínio lógico, expressão corporal e assim introduzir o equilíbrio emocional? Será que jogos, como damas, bingo, xadrez, ou de memória podem favorecer mudanças de comportamento ou o entendimento de conteúdos de física, matemática e até geografia? Será que passeios pela comunidade ou pela própria escola podem se justificar através de relatórios, maquetes, pinturas, desenhos, murais imagéticos, o aprendizado de história, artes, língua portuguesa? Será que a criação de vídeos temáticos pode ajudar nos conteúdos de química, interpretação de texto, lógica, leitura? Será que não fazer nada, só ouvir música e conversar, ou meditar e aprender a respirar, vez por outra, é tão improdutivo assim? Vamos nos repensar, professor, o mundo mudou seriamente e seus alunos tem outro movimento de realidade em seus sentidos.

‘Quando voltamos nossos olhos para o mecanismo original de inovação na Terra, encontramos duas propriedades essenciais. Primeiro, uma capacidade de estabelecer novas conexões com o maior número possível de outros elementos. Segundo, um ambiente ‘randomizante’, que estimula colisões entre todos os elementos do sistema’ (JOHNSON, 2011, p.46).

Essa citação nos faz pensar o seguinte: em sala de aula, há cérebros solventes e fluidos se reorganizando sempre por combinação de estímulos e os selecionando em conexões de interesses, e estes mudam de acordo com as faixas etárias (adaptações estáveis) e a vivência de outros estímulos (necessidades e desejos). Nós, professores, somos responsáveis, então por esta organização e auto-organização quando respeitamos as formas de aprender, entendemos um pouco sobre o sistema nervoso humano e, a partir disso, requalificamos nossas práticas.
Metaforicamente e, como o cientista da computação Christopher Langton (apud JOHNSON, 2011, p.47) afirma, para descrever a qualidade dessa prática, pense no comportamento de moléculas em cada um dos três estados da matéria: gasoso, líquido e sólido:


Fator científico
Fator educacional
Na forma de gás
O caos impera; novas configurações são possíveis, mas a todo instante são rompidas e despedaçadas pela natureza volátil do ambiente.
Na sala de aula: indisciplina, desinteresse, baixa autoestima, falta de afeto, desrespeito entre os atores educacionais etc.
Na forma sólida
Acontece o contrário: os padrões têm estabilidade, mas são incapazes de mudanças.
Na escola: práticas engessadas, repetição de práticas de sucesso, estigmatizações, grande burocracia, falta de flexibilidade, manutenção dos paradigmas tradicionais etc.
Na forma líquida
Cria-se um ambiente mais promissor para o sistema explorar o possível adjacente. Novas configurações podem emergir por meio de conexões aleatórias formadas entre as moléculas, mas o sistema não é tão instável a ponto de destruir num instante as próprias criações.
Na sala de aula e na escola: mais independência, autonomia, prazer, colaboração, compreensão, diálogo, afeto, respeito, integração entre todos.


A questão do conceito do ‘liquido’ tem uma versão positiva quando empreendemos densidade às células glias, à bainha de mielina, às redes neuronais ilustrando o ambiente escolar com imagens e movimentos significativos para os estudantes e fortalecemos as interconexões para a exploração de novos padrões em consonância com a preservação das “estruturas úteis por longos períodos de tempo” (p.47). Não fugiremos da construção de padrões, mas precisamos vivenciar novidades para recriar ou reintroduzir novos sentidos / movimentos às nossas memórias de procedimento e de longa duração.

Profa Claudia Nunes

Referencia:
JOHNSON, Steven. Rede líquida. In. De onde vêm as boas ideias. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p.41-59.





[1] Bauman apresenta o conceito de ‘modernidade líquida’ como volátil, incerta e insegura; acreditamos que, por isso mesmo, as potencialidades aprendentes possam ser provocadas à ascensão no real como comportamentos cognitivos mais criativos e flexíveis quando se deparam com ensinagens significativas. É o princípio da neuroplasticidade, processo constante de adaptação do sistema nervoso; e da criação da memória de longo prazo.
[2] Habilidades cognitivas que nos permitem controlar e regular nossos pensamentos, nossas emoções e nossas ações diante dos conflitos ou das distrações. Estas habilidades estão concentradas em três grandes panoramas: autocontrole, memória de trabalho e flexibilidade cognitiva. Fonte: www.enciclopedia-crianca.com/funcoes-executivas
[3] Ferramentas cognitivas ou mindtools são todas as tecnologias ou aplicações que, numa perspectiva construtivista da aprendizagem, facilitam o pensamento crítico, permitem uma aprendizagem significativa e envolvem ativamente os alunos: na construção do conhecimento, na conversação, na atitude, na colaboração e na reflexão. Fonte: http://ferramentascognitivas.blogspot.com.br/2002_09_22_archive.html

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