quinta-feira, 7 de abril de 2016

OS GRITOS DA SALA DE AULA

Como diminuir os comportamentos indisciplinados? Como um professor pode estimular mudanças nessas emoções indisciplinadas e, por conseguinte, nos comportamentos para aprendizagem? Parando de gritar! Professor, pare de gritar!

Nós podemos ser impositivos olhando nos olhos e tendo calma na fala. A questão do tom da voz é muito importante. Pense: será que grito resolve? Grito mudaria seu comportamento, professor? Para o aprendente, em meio aos colegas, o grito é chocante e humilhante; e, provavelmente estabelece links com sua memória afetiva mais negativa; e, ai surgirá reação impulsiva também negativa ou a interrupção dos processos de aprender. Primeiras atitudes do aluno: susto, silêncio, estranhamento e uma decisão ‘tô fora desse professor!’. E, dependendo do aluno, no momento seguinte, haverá CONFRONTO, nunca CONFLITO. Eis a indisciplina...

Em sala, professor, regras estabelecidas devem ser cumpridas. Importante um nível de flexibilidade? Com certeza. Mas deve-se esclarecer o porquê das mudanças e procurar não repeti-las. Depois de certo tempo, exemplo e rotina, o aluno, que gosta de arrumar confusão, perceberá sua insensatez, sentir-se-á como um ‘peixe fora d’água’, pensará duas vezes antes de agir negativamente e, em médio prazo, poderá colaborar com a aula com mais prazer, mais do que atenção. Professor, mudança de comportamento tem relação direta com a aprendizagem, mas ela começa em você. Gritar não adianta...



Professor, talvez algumas sugestões lhes sejam interessantes: temos que mudar o foco das atenções incluindo, por exemplo, o movimento do corpo em sala de aula. No movimento do corpo, é possível que os gritos da memória afetiva se enfraqueçam; que, na corrente sanguínea, seja introjetado um conjunto neuroquímico diferente e renovador; que a sensação de bem-estar e tranquilidade ganhe primazia; e que os alunos permaneçam ativos, só que agora positivamente. Eles têm vontade de participar, discutir, questionar, colaborar, se solidarizar, tornarem-se proativos, autônomos e, enfim aprender; só que gritos, muito relacionados ao medo de perder a autoridade ou sensação de impotência, minimamente danificam a autoestima; esvaziam a possibilidade de confiança; e, por fim ‘alimentam’ o descontrole emocional. Como aprender assim?

Depois da primeira semana de aula, professor, vamos pensar diferente e de acordo com Alberca (2015), vamos pensar que “a atenção é a capacidade que o cérebro tem de dirigir a sua atividade para algo concreto de forma voluntária; logo, a atenção é um estado afetivo” (p.101); e, por conseguinte, vamos pensar que, “na realidade, a distração não é mais do que a fixação da atenção em outra coisa” (p.103); ou seja, “a dificuldade de aprender deve-se, com frequência, a uma incapacidade para fixar a atenção, o que não vem incorporado no corpo humano, mas é adquirido” (p.104). Será que parte dos problemas de aprendizagem foi adquirida pela vivencia dos gritos familiares e sua reprodução pelos professores?

Sem querer eu descobri: os gritos do mundo fundamentam fortemente as dificuldades de aprendizagem e distraíram os caminhos da inteligência. Por causa dos inúmeros e diferentes gritos travaram-se os procedimentos das emoções / dos afetos, e criaram-se pensamentos quase unânimes: ‘não sou capaz’; ‘não adianta’; ‘sempre tive essa dificuldade’; ‘sou igual ao meu irmão’. Pelo que observei, os alunos perderam a consciência de suas potencialidades intelectuais e emocionais. Eles foram moldados pelos tantos gritos ‘afetivos’ e a eles recorrem quando pensam em se integrar ou precisam escapar de situações de emoções intensas.

E foi isso que percebi, ao final da primeira semana de aula, diante de avaliações diagnósticas, no Ensino Médio, turno da noite, de uma escola pública, localizada no subúrbio do Rio de Janeiro, através de discussões e jogos temáticos. Os gritos adquiridos embotaram suas inteligências com muitos NÃOS e, por estes, eles vem se adaptando, se desenvolvendo e sobrevivendo solitariamente.

Para a semana seguinte e a partir da análise das avaliações diagnósticas, pensei em algumas alternativas para que estes gritos comecem a ser esquecidos:
ð  ao apresentar uma atividade, dê tempo para que a realizem, ainda que, no processo, haja papo paralelo, afinal o coletivo é importante nesse período (não incomode o brainstorm);
ð  com tempo para realizar a atividade, medie os grupos e suas ideias, afinal eles são proativos e, com certeza, pensarão em outras formas de realiza-la (saiba gerenciar a si e aos grupos com tranquilidade e escuta sensível);
ð  enquanto realizam a atividade, ofereça o maior numero de informações possíveis e abra espaço para pesquisa online (alunos do Ensino Médio adoram seus celulares) sem tantas restrições (introduza informações novas sempre que for necessário utilizando múltiplos recursos);
ð  não trave os movimentos do corpo, saiba que muitos alunos precisam do movimento para realizarem suas tarefas sem tantas dificuldades (compreenda que o movimento serve para ‘esfriar a cabeça’ e eliminar o cansaço mental);
ð  mesmo em meio à atividade, crie momentos lúdicos em que o aluno fale de si (adolescentes adoram isso) sem medos ou mentiras (crie espaços de aproximação e de crescimento da confiança mútua);
ð  entenda que todos têm formas de concentração diferentes (transforme a distração comum em algo proveitoso e de sucesso);
ð  estabeleça momentos de discussão cuja avaliação dependa da participação e do comportamento, mas lembre-se: fora do padrão é outra forma de padrão (seja flexível com as formas de se apresentar, falar, ouvir, avaliar);
ð  sempre que puder, quebre a rotina das aulas criando momentos mais significativos, e as melhores opções podem acontecer nos projetos de ensino;
ð  e, por último, e não menos importante, dialogue, pergunte, divida ideias (esteja disponível mesmo fora do seu tempo de aula).

No meu Ensino Médio, os gritos formataram um silencio comportamental e este vem determinando a perda da curiosidade. A questão atitudinal adolescente está presa no que conhecem / vivem. Se não há a curiosidade, não há possibilidade de superação, não há o olhar ‘para além’ e nem encontro com outras realidades. Os alunos equilibram suas emoções nos exemplos que têm (gritos, castigos, críticas constantes) e no que a vida lhes apresenta todos os dias. É sobrevivência de qualquer jeito e uma sequencia de ações ‘tapa buracos’, reflexos de uma sociedade sem prioridades, novidades, estímulos e/ou atenção em relação às novas gerações. E aos ‘trancos e barrancos’, eles vão vivendo.
Professor, a experiência do grito desilude, inclui indiferença e constrói corpos sem textura afetiva. E sendo assim, a aprendizagem não tem cores, caminhos e/ou sentidos. Os tempos da juventude não podem ser optimizados na vida adulta como fazemos ou fazíamos em nossos computadores. Maus exemplos e problemas de conduta são aliados às chamadas indisciplinas; e estas tanto surgem dos gritos, quanto constroem gritos que interferem, basicamente, na aprendizagem e, pasmem, no poder de resiliência futura.
Professor, atenção a isso. Para provocar atenção, tenha atenção aos seus gritos internos e tão presentes nos comportamentos de seus alunos adolescentes.

Profa Claudia Nunes


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