SINOPSE DO ENREDO DA PORTELA PARA O
CARNAVAL 2019 - 28/06/2018
'Na Madureira moderníssima, hei sempre
de ouvir cantar uma Sabiá'
A Portela vai apresentar no carnaval de
2019 uma homenagem à cantora Clara Nunes, ressaltando a diversidade e a
atualidade de sua trajetória biográfica e seu vasto e plural repertório musical,
constituído de sambas-canção, sambas-enredo, partidos-altos, marchas-rancho,
forrós, xotes, afoxés, repentes e canções de influência dos pontos de umbanda e
do candomblé. Para isso, pretende sair do lugar-comum das narrativas sobre sua
vida ou de uma colagem de títulos de sua discografia. Nossa escola exalta a
importância cultural de Madureira, das festas, terreiros e do contagiante
carnaval popular, enfatizando a contribuição do bairro para a formação da
identidade que caracterizou Clara Nunes: a brasilidade.
O meu lugar,
tem seus mitos e seres de luz.
É bem perto de Oswaldo Cruz*
Em 1924, no primeiro carnaval da
Portela, fundada em abril do ano anterior, o coreto de Madureira, criado pelo
cenógrafo José Costa, reproduzia a imponente Torre Eiffel. Visitando o bairro
na companhia de alguns amigos, Tarsila do Amaral não apenas eternizou aquela
imagem numa tela, como também mostrou para seus pares modernistas que as festas
populares do nosso subúrbio incorporavam os mais diversos elementos culturais.
Sem dúvida, Madureira sempre teve um ar moderno, como a própria trajetória de
Clara Nunes, que parece ter emergido de uma obra modernista, como se fosse uma
tela da Tarsila: a Mineira representa a mais plural expressão da brasilidade.
Morena. Mestiça.
Porque tem um sanfoneiro no canto da
rua,
fazendo floreio pra gente dançar,
tem Zefa da Porcina fazendo renda
e o ronco do fole sem parar**
Clara nasceu no interior mineiro, num
lugar que hoje se chama Caetanópolis. Ainda menina, trabalhou numa fábrica de
tecidos para conseguir sobreviver, mas seu destino já estava traçado. Tinha
como missão cantar o Brasil! Ao longo da infância, conheceu de perto as
tradições culturais e as festas folclóricas interioranas, certamente recebendo
influência de seu pai, Mané Serrador, mestre de canto de Folia de Reis e
violeiro dos sertões das Gerais.
Sua brasilidade, como herança de sua
origem, sempre valorizou a diversidade regional de nosso país. A voz de Clara
fez ecoar os ritmos do povo, na saborosa confusão dos mercados populares, seja
do nordeste ou de qualquer outro recanto desta nação.
Alçando voos mais ousados, Clara
mudou-se para Belo Horizonte, onde participou de concursos, realizou os
primeiros trabalhos artísticos e conquistou espaço nos meios de
comunicação. Chegando ao Rio de Janeiro, seguiu fazendo sucesso e
conheceu o misticismo que aflorava em Madureira, incorporando-o à sua identidade.
Sou a Mineira Guerreira,
filha de Ogum com Iansã***
Até então, a artista cantava
principalmente boleros e sambas-canções. Após ter contato com o ancestral
universo afro-brasileiro de Madureira, a mineira se transformou igual ao céu
quando muda de cor ao entardecer. E nunca mais foi a mesma: visitou os
terreiros, quintais e morros de Oswaldo Cruz e Madureira, vestiu-se de branco,
incorporou colares, turbantes e contas, cantou sambas e pontos de macumba. Seu
repertório se expandiu. A imagem de Clara evocando os Orixás, irmanada ao povo
de Santo, eternizou-se na memória de seus fãs. Ela se tornou a Guerreira que
não temia quebrantos, dançando feliz pelas matas e bambuzais, sambando descalça
nas areias da praia, unindo a essência negra de Angola ao subúrbio carioca. E
assim, sua voz rapidamente se espalhou. Seu canto correu chão, cruzou o mar,
foi levado pelo ar e alcançou as estrelas. Uma força da natureza que brilhou
como um raio nos palcos e terreiros, iluminando o coração dos portelenses. Nada
disso foi por acaso.
Portela, sobre a tua bandeira
esse divino manto.
Tua Águia altaneira
é o Espírito Santo
no templo do samba****
Desde que foi fundada, a Portela tem uma
presença significativa de elementos típicos do mundo rural, trazidos pelo povo
simples do interior, sobretudo do interior de Minas Gerais, mesclados à
negritude que vibrava em Madureira. Talvez tenha sido por isso que a
identificação de Clara com a Portela foi imediata. Ela sempre ocupou posição de
destaque nos desfiles, é madrinha da Velha Guarda e até puxou sambas-enredos na
avenida. Ela e os portelenses, famosos e anônimos, sempre caminharam de
mãos entrelaçadas, voando nas asas da Águia.
Um dia, inesperadamente ela partiu.
Trinta e cinco anos se passaram desde então. A dor da saudade sempre reverberou
no coração de todos, tornando-a uma estrela ainda mais cintilante.
Agora está na hora de a Guerreira reencontrar
seu povo mestiço, para mais uma vez brilhar na avenida. Vestida com o manto
azul e branco e a Águia a lhe guiar, voa minha Sabiá.
Até um dia!
Carnavalesca: Rosa Magalhães
Sinopse: Fábio Pavão e Rogério Rodrigues
Referencias:
* O Meu Lugar – Arlindo Cruz e Mauro
Diniz
** Feira de Mangaio – Glorinha Gadelha e
Sivuca
*** Guerreira – João Nogueira e Paulo
Cesar Pinheiro
**** Portela na Avenida – Paulo Cesar
Pinheiro e Mauro Duarte
Nenhum comentário:
Postar um comentário