terça-feira, 15 de março de 2022

Desconexão emocional

Depois do vendaval, não sentir é a melhor decisão. Ele foi embora. Deixou um bilhete. E Sancha segue apaixonada. Não entendeu nada. Era uma dor insuportável, mas aconteceu. Opção: autocontrole e não sentir. Outra escolha seria morte certa. Ela estava apaixonada. Três dias na cama. Três dias tentando entender. Três dias de anestesia emocional: ela não sentiria nada! Na cama, ela tinha lembranças, um corpo exigente e algumas provocações dramáticas. Só não tinha como se livrar disso tudo. Amargura, adversidade, golpe baixo. Ele a abandonou e a vida tinha um fundo imenso. Mas ela não sentiria nada. Essa taquicardia passaria. Projetos acabados. Insegurança. Sofrimento. Baixa autoestima. Tristeza. Anedonia. Sancha se levantou, foi em seus livros e pesquisou: anedonia é a incapacidade de sentir prazer e aproveitar as coisas boas. Isso! Assim seria ela. Cérebro desconectado, sentimentos ignorados. Não sentir para não sofrer, isolar-se, ficar anestesiada. Os dias seriam assim. Anedonia e apatia. Essa dor não seria minha. Não quero viver isso. Ele se foi e pronto. E ela apaixonada. Por dias, ela agiria assim. Nenhum prazer de viver. Mecanismo de defesa mesmo. Anedonia positiva: falta de interesse pelas relações sociais, pela comida, pela comunicação com os outros… é dormir, dormir e dormir. Sancha quer um muro entre o que lhe aconteceu e sua paixão. Carinho é mentiroso. Pessoas são fingidas. Interesses são bobos. Ela queria cura. Ela queria uma alma livre do que lhe aconteceu. Tempo passou. Corpo amoleceu. Como nos livros, o cérebro se modificou: o lóbulo frontal, relacionado com a tomada de decisões, se reduz; os gânglios basais, relacionados com o movimento ficam afetados e exigem muito esforço para acontecer; o hipocampo, relacionado com as emoções e a memória, perde volume e surgem as falhas. Sancha se aprisionou. Sancha estava apaixonada.

 

Prof.ª Claudia Nunes (08.04.2021)

 

 

Um tempo das decisões

          Em tempo: decisões. Em tempo: antes de decisões, indecisões. Antes de tudo: o que falar? Para quem falar? Como falar? E paciência para ver o tempo passar. Resultado: ou arrependimento, ou conquista. Sancha se sentia numa encruzilhada: para decidir, controle emocional. Ela já tivera aula disso: autocontrole, apesar dos riscos desconhecidos de uma decisão. Andando na beira da praia, ela pensar em como dar os próximos passos. Ela precisava aproveitar a viagem de cruzeiro em que sua vida e pessoas estavam. Não adiantaria irritação, autoridade ou rigidez. Quando algumas pessoas participam de sua vida, maleabilidade emocional é fundamental. Como aprendera no curso de meditação holística, respiração dá qualidade aos investimentos emocionais e facilitam a tomada de decisão. Por dias, ela procrastinou; não moveu palhas ou alfinetes; pensando em perfeição. Sim, ela tinha mania de perfeição, inclusive para gerir sua vida. Só que agora, decisões determinariam três vidas e ela precisaria ser paciente, humilde e boa ‘escutadora’. Na praia, ela se organizava emocionalmente. Sempre fora assim. Quando situações tensas se apresentavam, ela fugia para praia ou livraria. Não haveria possibilidade de ser impulsiva. Hora da escuta sensível e da flexibilidade cognitiva. “Nossa que bonito pensar assim, mas na vida real...” – sorria ela. Heureka! Heurística! Eis a solução. Atalho mental para se decidir de forma lúcida e rápida. Ainda assim atenção às emoções, principalmente a surpresa, sentimento, que ligado a outro, responde por comportamentos errôneos ou inadequados, e uma vida cheia de desculpas. Na praia, ela quer a consciência e certezas. Heurística encurta as decisões e ainda assim ‘todo cuidado é pouco’. Três pessoas com experiências e interesses diferentes. Três pessoas inseguros e pensando em várias propostas. Sancha sabe: tomar uma decisão exige um esforço absurdo à memória. A busca por informação correta é árdua e cansativa; mas vale a pena. Toda tomada de decisão reajusta nossas formas de aprendizado e qualificam nosso pensamento estratégico. Então heurística e praia: levantamento mental e emocional dos riscos e benefícios; dos sentimentos bons ou nem tanto; da possibilidade de um futuro em paz. Sancha sempre foi menos coração, porém, agora, ser positiva e subestimar riscos não vai dar certo. Ela precisava pensar nas três pessoas sem perder sua razão ou autonomia. Na volta da praia, ela já tinha feito um apanhando sobre as personalidades e temperamentos das duas pessoas. Respiração acelerada e tantas lembranças estranhas. Muitas desvantagens. Muitos riscos. Muitas dúvidas. Mais do que as decisões, ela precisaria pensar no ‘depois’. Ela não agradaria, mas a possibilidade de sentir-se bem era uma certeza maior. Mais do que decidir, havia o risco de viver o ‘pós-decisão’. Sancha estava inclinada a ser ela sem ansiedade. Ela precisa ter respeito a si mesma. Seja como for, as pessoas estão longe de serem a máquina racional que alguns aspiram ser. Queiramos ou não, nossa mente está preparada e predisposta a tomar a decisões de maneira rápida e utilizando apenas uma parte da informação. Então tudo bem. “Alô? Lucas? Liga da Ivandra e venham tomar café. Tomei uma decisão e quero que pensem sobre isso. Nossa mãe não gostaria que brigássemos”.

 

Prof.ª Claudia Nunes (08.04.2021)

 

 

Uma viagem... para sempre (78 anos – 2021)

             Novo dia especial e ela não está aqui. Dia especial para ela e para mim. Patamares diversos mesmo. Sr.ª Certeza Ruim, seus serviços acabaram. Leve tudo o que for seu e vá embora de vez. Minha ariana está em viagem de cruzeiro em outra esfera e a senhora precisa me esquecer. Sei eu udo mudou. Dizem que não é um fim, mas a senhora sabe que é sim. É seu papel falar a verdade de forma grosseira. Tudo tem um fim sim! Tudo precisa de fim sim! A senhora passa e modifica tudo. Nunca mais somos os mesmos. A senhora passa e tira tudo do lugar, principalmente o que de melhor temos: afetos familiares. Inseguros e frágeis, nós vamos de composição em composição, mudando cores e geometrias para tentar recuperar o amor roubado. Sr.ª Certeza Ruim, você é podre!

Mas hoje é festa. Independente da senhora, hoje é festa! Eu preciso entender que hoje é festa. Como sempre fico lhe esperando. Os dias passam e sei que você está feliz vivendo como gosta; mas quando vai voltar? Isso sempre foi uma certeza. Eu cuidei e me despedi; criei uma armadura de força e coragem para seguir; e você foi ser ‘gouche’ na vida sem falar nada; você voou o sono dos justos sem abrir seus olhos. Danada!

Não há tristeza, desespero ou angustia em mim; há espera. Estou esperando a porta abrir e você, cheia de malas, dizer: ‘pega o resto lá embaixo; tenho horrores para contar’, porque é dia de festa. Hoje passei o dia olhando uma porta diferente. Hoje esperei a maluquice do aniversário programado um mês antes. Hoje a viagem deveria terminar. Só que não. A palhaça da Sr.ª Certeza Ruim armou uma falcatrua e tirou você dos meus cuidados, com certeza, antes do tempo. E você nem me ligou para dizer ‘oi’. Você se foi. Então, hoje, só pude respirar fundo e lhe desejar o melhor de tudo onde quer que esteja. Fechei os olhos e pensei no reencontro: você, papai, vovô, vovó e minha tia Lelete. Puxa que inveja! No cais do porto, imagino as alegrias e os abraços. Que saudades!

Feliz aniversário mamãe! Sei que desembarcou para uma vida muito melhor. Sei que sua viagem é outra e que as mudanças precisam acontecer. Talvez agora crescer tenha outro significado em mim, mas podia ser menos; podia ser depois. Feliz viagem mamãe! Essa casa permanece vazia e sem alegria. Seu furdunço faz falta mesmo. Seu contato diário tem outra consistência, por isso abandono não é minha palavra. Você existe em mim, em meus arquivos e memória; logo você vive para sempre.

Hoje feliz aniversário mamãe! Nada foi encerrado; apenas há outro contrato entre céu e terra. Não sei bem o que fazer todos os dias, mas acordo e faço o necessário em nome da sua presença, toque e cheiro. De novo, saudades do até logo, do ‘oiiiiiii’, das blusinhas da feira, das discussões sobre seus ou meus horários etc. Em isolamento e silencio, só posso fechar os olhos e imaginar sua alegria e sua liberdade pelo seu aniversário. Sua presença invisível é clara para mim, assim como da minha avó. Que abraço! Que perfume! Que mensagem! Adorei! Sei que preciso paciência comigo mesma, desculpe, estou aprendendo.

Hoje é dia de festa. Festa pela vida. Aqui, estamos em luta pela vida, mas quem não está? Hoje é dia de festa porque você está viva em mim. É hora do apego, do afeto, do carinho e do calor que sinto de você. É um tempo diferente. Mas hoje será dia de festa. É hora de agradecer, de alegria, de parabéns, de desejar o melhor para você onde estiver. Nem sei se você saberá ao certo que dia é hoje, mas vai saber... vai sentir... vai me sentir... Nossas vidas estão do avesso e nele estamos unidas para reencontrar nossos caminhos juntas. Avesso do avesso é o direito.

Hoje é dia de muita festa. Não esqueço o que aprendi com você e sua mãe: viva a vida celebrando sempre. É dia de festa. E assim será para sempre!!

Obrigada pela vida sempre!!! Feliz aniversário!!

 

Prof.ª Claudia Nunes (08.04.2021)

 

 

 

Tempo dos ‘caras fechadas’: cuidado!

           ‘Eu não sei vocês, mas estou num tempo de pequenas negatividades estranhas a mim. Nunca passei por isso, mas agora entendo inclusive quem passa pela depressão ou síndrome do pânico. Sempre estive ao largo de pessoas que tendem a ver sempre o copo vazio. Nunca entendi o porquê desses jeitos, mas essas pessoas existem em profusão. Estar perto dessas pessoas agonia, cansa, desmotiva. Eu não sei vocês, mas hoje a vontade de fugir de mim é real. Sei que o sentimento é normal, acontece e passa. Só que é estranho”. Sancha está no supermercado e ao ver pessoas de caras fechadas, tem um lampejo: “eu estou assim”. Que loucura! O sorriso está perdido. As reclamações tomam café com as famílias. O medo é parceiro do vírus. Caras fechadas! Um desserviço às almas ao redor. Caras fechadas são contagiosas. Caras fechadas geram doenças. No meio do setor dos queijos e leites, Sancha observa as pessoas e a si mesma: muitas caras fechadas.

Em sua maioria, as pessoas são boas, afetuosas, sorridentes e estão ali resolvendo a própria vida, mas suas experiências de vida e de morte criaram memórias dolorosas, estigmatizadas, descrentes. Caras fechadas e as experiências, dupla de ligação direta.  “Logico que reconheço que a vida não é perfeita, mas será que, em nenhum momento, houve um desejo mais forte de torna-la melhor?” – Sancha caminha pensando e sem pegar nada.

Caras fechadas e a incapacidade de sentir luz no fim do túnel ou sol dentro de uma caverna. Sempre são as sombras que fortalecem seus sentimentos e suas ações. É quase um vício. Caras fechadas e tempestades, escuridão, seriedade, revolta, descrença, tempo nublado, indelicadezas, desrespeito. O que fazer para ajudar ou mudar? Talvez desafiá-las a mudar olhares sobre alguns pontos da vida; motivá-las a lidar consigo mesmas de outra forma; incentivá-las a compreender a força do coletivo; etc. Estas são opções em que os vínculos de qualidade com a vida podem se estabelecer. E, no supermercado, essas pessoas estão ainda mais solitárias. Elas não se tocam ou se olham. Ali não há empatia; apenas apatia e consumismo; e Sancha se sente triste. “Eu não quero ser isso!”. Portanto atenção:

- Não se preocupe com bobagens;

- Não sejam dramáticos;

- Não alimente amarguras;

- Não despreze as pessoas;

- Não ignore pequenas situações positivas;

- Não se concentre no pior;

- Aceite elogios, ajudas, abraços;

- Não aceite autossabotagem;

         - Interesse-se pelos sentimentos alheios;

         - Experimente aventuras: arrisque-se;

         - Aprende coisas novas;

         - tenha mais paciência consigo mesmo;

 

Sancha não sabe bem o que fazer, mas sabe que uma decisão positiva deve ser mantida por tempo indeterminado para que cérebro e mente possam aceita-la como rotina. É a diferença entre se manter em preto e branco ou colorir o tempo sem tempo para curtir dissabores, principalmente, do passado.

Na fila, duas senhoras tinham dois pacotes em mãos. Sancha as chama e cede o lugar. Os caras fechadas reclamam, mas Sancha olha, abre os braços e sorri. Em tempo de dias cinza, precisamos de milhares de razões para agradecer; por isso, acalme seu coração e agradeça a quem quer que seja, mesmo os caras fechadas.

 

Prof. Claudia Nunes (07.04.2021)

 

 

Será que temos mesmo a capacidade de nos curar?

              Em isolamento social, Sancha pensa nisso. Sozinhos, encavernados, limitados, nosso corpo está em desequilíbrio; nossa mente navega em pensamentos sinistros; nossas vontades não tem para onde ir. Em tempo de vírus descontrolado, desequilíbrio é a palavra-chave. De novo, Sancha toma seu café sozinha e pensa no que fazer pelas próximas horas. De novo tenta controlar sua vontade de nada pelo dia. Na literatura surgem temas como positividade, resiliência, empatia, controle emocional. Temos a certeza de que Descartes estava errado: corpo e mente não são realidades separadas ou opostas. Somos o que sentimos e o que sentimos tem fundamento na sinergia entre corpo e mente. E nesse momento, a luta é feroz. Nós perdemos o controle. Nossa saúde mental é uma peneira e nosso inconsciente tem sido atingido brutalmente por estímulos que geram alteração nas emoções. Sancha reconhece que o tempo trouxe males estranhos. Ou, ao menos, a sensação de descontrole neuroquímico, psíquico e físico gerando males estranhos. E o corpo fala, grita, berra. O corpo não aguenta mais. Humanos não gostam mais de cavernas. Humanos não ficam em esconderijos, mesmo os mais seguros. Humanos experimentam, arriscam, desejam. E a panela de pressão do isolamento está a ponto de explodir. Sancha e psicossomática. Sancha e o cérebro primitivo (reptiliano). Sancha e mais um café. O café liberta sua alma e descansa suas ânsias. Será que temos mesmo a capacidade de nos curar para viver o tal ‘novo normal’? Sem resposta! Sancha tem apenas um sorriso de desconfiança. A mente precisa de mais do que remédios, mesmo da medicina alternativa; ela precisa de propósito, perseverança, positividade, investimento e outros estilos de vida. Em tempos pandêmicos, nós estamos desafiados em nossa criatividade e imaginação, e somos provocados a mostrar nosso cerne como diferença entre a vida e a morte, diante de uma penetra abusado: o vírus. Então café, corpo e mente são uma unidade invisível que deve encouraçar nossos pulmões e nos manter convidados nesta ‘festa pobre’ chamada vida terrena. Será que temos mesmo a capacidade de nos curar? Sim! Aproveitemos o isolamento para escutar o corpo; aumentar a ingestão de agua; fazer atividade física; ler e escrever; diminuir os remédios; cantar, dançar, ouvir música; e nos perguntar: para que nossa mente decidiu sentir os dias de hoje por tal jeito?

 

Prof.ª Claudia Nunes (07.04.2021)

 

 

SANCHA, a vida e sua maturidade

             Toc toc, é a vida. Sem aviso, a vida bate e entra em casa. Não há preparação. Não precisa de convite. Ela entra, muda tudo de lugar e vai embora. Ela não se interessa pelas pessoas. Ela é parceira do tempo. E temos que aceitar que vez por outra ela vai voltar para sacudir a rotina. Na garagem de casa, dentro do seu carro, Sancha escuta música. Está cansada de tentar ser forte. Muito cansada. A música lhe acalma. A música ajuda a pensar. Mais do que força, ela precisa de maturidade. A vida é assim: apenas exige. Ou você sobrevive ou se deprime. Não há meio termo. Enquanto crescemos, maturidade é a palavra de ordem. Maturidade já ajustes que fazemos por dentro de nós todas as vezes que a vida atravessa nosso caminho de maneira abusada e sem pedir licença. Alguns chamarão equilíbrio emocional. Sancha gosta de maturidade apenas, sem adjetivações. Chega de limites. Respirando profundamente, ela aceita: maturidade não se refere à idade; ela se refere às estratégias aos quais nos acessamos para lidar com a sociopatia da vida. E de pronto, ela também aceita: estratégia só podem ser pensadas se nossas emoções são entendidas. Maturidade e autoconhecimento. Interessante. No tempo, nós crescemos, nos desenvolvemos e amadurecemos. A sociopatia da vida também ajuda nisso. Ela é provocadora. Toda hora temos que reconhecer: não há sentimento maior do que o amor próprio. Nem caminho mais real do que o ‘em frente’. Só que a ausência de emoção da vida provoca surpresas às rotinas e estas surpresas exigem trabalho, esforço, profundas respirações e autoconhecimento para a realização do próximo passo.  Não é fácil. A vida é sociopata e histérica. Suas ações exigem resposta a seguinte pergunta: como você vai encarar a nova realidade agora? Ou: quais recursos emocionais você para encarar a nova realidade e sobreviver? No amor ou na dor, a vida vai lhe obrigar a encarar encruzilhadas assustadoras e dolorosas. Então, no radio, Sancha escuta: “antes de tomar um rabo de arraia em seus hábitos”:

- Aprenda a dizer adeus;

- Reveja seus medos e erros;

- Estabeleça limites no geral;

- Tenha espaços de liberdade;

- Agradeça ao passado sempre;

- Aprenda a fechar ciclos;

- Afaste-se de quaisquer toxicidades;

- Sabia respirar antes de decidir;

- Conheça verdadeiramente suas emoções;

- Pare de reclamar;

- Envolva-se mais com sentimentos empáticos;

- Observe melhor as pessoas ao seu redor;

- Reconheça seus limites;

- Alimente sorrisos e abraços;

- Assuma o controle de sua vida

           

Sancha sorri, desliga a música e vai limpar sua casa. Da casa ao coração, a vida tem que aprender que humanos sabem sobreviver aos seus abusos.

 

Prof.ª Claudia Nunes (07.04.2021)

 

 

Sancha + PÁSCOA = passagem

           Mais um dia observando a casa vazia. Mais um dia especial nada especial. Desde cedo, Sancha não conseguiu sair de sua cama. Luz do sol. Silencio em casa. Vazia de alma. Sancha respira profundamente e pensa no passado. Um passado em que a mesa da cozinha nunca estava vazia ou em que sua casa tinha movimentos intensos e variados. Ah havia sempre música. Muita música.

Hoje é Páscoa e seu presente é o silêncio. A passagem de mais um dia de silêncio. Lá fora: Jesus, crucificação, ressurreição, reis magos, libertação, anjo da morte, passagem. Dentro de sua casa e mente: saudades, lembranças, silêncio, mesmice. Sancha não era religiosa, então, para seu autocontrole, sua mente corre ao passado para entender o presente.

Mesmo depois dos 50 anos, cadê a blusinha de presente escondida para brincar de quente e frio? Sim! Em sua casa, Páscoa, Cosme Damiao e Dia das Crianças sempre foram lembrados com risos de criança. Da cama, ela olha ao redor e... nada... ninguém. Nada diferente em volta. A porta não vai se abrir para ela escutar: “Oiiiii!! Não vai levantar não??? Já fiz café!” Não há barulhos na cozinha. Não há surpresas no celular. É o sol, a casa, a cama e ela.

Ela lembra: Páscoa como passagem. Jura? Passagem de um tempo a outro muito sem graça, sem destino, sem liberdades, sem o beijo da manhã avisando: “café está pronto, cortei o abacaxi e fiz arroz; to saindo para Sueli, ou Norma, ou Graça. Elas me chamaram para almoçar. Passa lá depois”. Sancha, de novo, chora. Essa passagem é uma dolorosa.

Páscoa = passagem. Passagem para o novo mundo; para uma aventura ‘fênix’; para dias bobos; para falta de sorrisos, agitação, cuidados e segurança; mas também, para aprendizados. Sancha se sente muito só. Esta é sua passagem para ressurreição sem celebrações; é ressurreição por obrigação ou para sobrevida. No celular, muitos afetos, muito carinho, muitas palavras; só que tudo isso não preenche o silencio dos últimos 5 meses. E ela sabe disso.

Sancha sabe que seus sentimentos devem ter a durabilidade de uma decisão e uma ação. Mas só hoje, só por hoje, Páscoa = passagem de uma dor para outra dor sem remédio, sem compreensão e sem paz. É um sacrifício imposto sem piedade. Sancha não tem força para se levantar. Então, ela se deixa levar. Não tem jeito. Ela sonha e lembra: a força fundamental de uma vida é saber vive-la em toda a sua intensidade. Assim viveu sua mãe. Assim Sancha vai aprender a viver.

“Levanta-te e anda”! A vida não para mesmo.

 

FELIZ PÁSCOA a todos

Profª Claudia Nunes (04.04.2021)

 

 

 

Espelho rachado, choque elétrico e a máscara

             Uma vida no espelho. Isso acabou. O espelho rachou e seus fragmentos ditam inclusive a moda. No espelho, muitos disfarces e como afirma Paula Ekman, “o controle voluntário de quase duzentos músculos da face” para parecer alguém. No mundo do espelho, parecer é fundamental. Mas isso acabou. Choque elétrico forte: um vírus. De repente parecer não é a melhor ação social; SER é a verdade do ano. Um choque que desgovernou nossa fisiologia e nossa sociedade. Um choque que estancou o rodopio da grande capa com o qual nos encobrimos para interagir melhor. Um choque para agitar músculos, alterar conjuntos de neurônios e criar comportamentos emocionais estranhos. Realidade: somos estranhos e sinistros. Espelho rachado, choque elétrico e humanos ‘quarentenados’, ‘encavernados’, limitados. Proeza maior: o autocontrole. Dificuldade? Entender as novas emoções que os limites exigem. Na crista da onda, nossos medos, angustias, pesadelos. Cadê os abraços? Cadê os sorrisos? Cadê a respiração livre? Como nós, as emoções da socialização estão escondidas. Ekman identificou 18 tipos de sorrisos, por exemplo, através de várias combinações dos 15 músculos faciais envolvidos. Do sorriso amarelo aos de maior prazer, passando pelos de crueldade, nós agitamos nossos neurônios-espelho a experimentar e estimular novos sorrisos para manter as relações ou expressão sentimentos porque é importante a saúde mental. Faz parte da boa convivência. Faz parte do que seja ser ser humano social. Só que o espelho quebrou e o choque elétrico interrompeu esse fluxo, modificando memórias e imaginações. Espelho rachado, choque elétrico e mascara no rosto. Nós estamos perdendo a graça do calor tropical. Como resolver isso? Sugestões: tomada de decisão. Gratidão sincera. Respiração profunda. Positividade ampla. Investimento empático. E uma relação profunda com o autoconhecimento. Na caverna, nossas opões são de puro reconhecimento de campo: nós mesmos. Não estávamos preparados para viver uma lição tão profunda e cruel sobre nós mesmos, mas é a vida que o nosso tempo tem. Espelho rachado joga-se fora. Choque elétrico dura segundos. E a máscara... bom, a máscara faz parte de nossa história e do nosso guarda-roupa. Tenha estilo e sobreviva, por favor!

 

Prof.ª Claudia Nunes (03.04.2021)

 

 

Atenção, ansiedade passando...

            Atenção, ansiedade passando!

Atenção, tempo de revolução sem ação ou solução! Mantra do momento: ‘Quem puder FIQUE EM CASA!’ Um mantra que nos assombra e protege. Todas as vidas com engrenagem fora do ritmo ou quase emperrada.

Atenção, ansiedade passando e levando hábitos, ideias, forças, disfarces. Desnudos, em nossas cavernas, somos a sombra do que fomos e perdemos a noção do EU. Quem sou eu? Quem são essas pessoas? Onde estou? O que fazer? A vida precisa de outra palheta de cores como caminho, ritmo e liberdade. Enquanto isso atenção, ansiedade passando. E nós precisamos lidar conosco 24h sem dó ou piedade. E nisso a mente torna-se um espaço histérico: ‘Nããããããoooo!!! Cadê minhas memórias de sempre?’ Surgem dores, pensamentos estranhos, palpitações, medos e sustos.

Na caverna, tudo se torna assombrado e desconhecido. É a ansiedade! Um vírus nos fez surtar e seguir irritados, impacientes, acelerados, chorões, repetitivos, desconcentrados, com compulsões diversas, amedrontados, desorganizados, inquietos, displicentes, sem empatia, com insônias e pesadelos, preguiçosos, procrastinadores e com a sensação constante de que algo ruim vai acontecer.

Em cavernas, nós fomos das dificuldades aos transtornos.

Mente negativa, garganta seca, dores em diferentes partes do corpo, pele vermelha e/ou seca, sistema digestivo alterado; e corpo inteiro em ebulição quase incontrolável. Nossa capacidade motora está inconstante. Então do que precisamos? Romper o ciclo da ansiedade com pequenas decisões diárias. Nós precisamos aceitar a ansiedade como parceira eventual, mas aprender a RESPIRAR e RELAXAR com calma. Opções? Sugestões?

Em cada dia acorde e respire calma e profundamente; mentalize agradecimentos e pensamentos positivos; alongue braços, pernas e coluna: todo corpo merece acordar com você; mantenha o sorriso no rosto; alimente-se adequadamente: café da manhã é fundamental; no meio de tudo, coloque uma música: ritmo ajuda no equilíbrio dos pensamentos; abra sua agenda e a cumpra: tempo organizado gera tempo a ser desfrutado consigo mesmo e/ou com lazeres diversos (hobbys); faça alguma atividades física de que goste: sempre há tempo, organize-se; controle sua vontade de acessar quaisquer telas: o vício destrói sua agenda e saúde; quando puder, interaja com pessoas, sorria e converse sem rodeios ou entraves; e, finalmente, a madrugada é feita para dormir: durma! Equilíbrio emocional se conquista deixando o cérebro fazer seu papel durante o sono sem interrupção.

A ansiedade vai insistir, vai estranhar, vai se afastar e, por fim, lhe abandonar. Atenção, ansiedade é parceira, mas não deve fazer morada em sua mente por causa de sua hibernação consciente e necessária. Ansiedade é sentimento que ‘dá e passa’ sempre que decidimos apenas sobreviver. Mas, em caso de insistência, o médico deverá ser consultado.

 

Prof.ª Claudia Nunes (29.03.2021)

 

 

 

NOITE, luto e jornada nada heroica

            Na noite sem estrelas, eu respiro e deixo as emoções seguirem seu curso seja qual for. É o luto. São os limites testados radicalmente. É vida em preto e branco sem muitos critérios. É menos força, vontade e alegria. Desistir é a loucura e uma resposta. As opções são muitas e todas sem os hábitos anteriores. Estou sem chão, ainda... Ás vezes, a vitimização e a alienação são interessantes e estimulantes. É a noite da melancolia; de olhar a mesa da cozinha cheia de cadeiras vazias; e de viver a tristeza egoísta de Arnaldo Antunes. É a noite da chatice: estou chata e sem graça. Pensar em recuperação é possível, amanhã.

Hoje é a dor, o cinza e o autoconhecimento. Até que ponto posso chegar? Até onde posso ir? Noite do inimaginável em mim: a falta de humor. Tudo bem. Noite, lugar do eu sem sombrinhas; lugar do eu negro. É ruim demais. Há um eu negro em mim. Negro que desgoverna, ameaça, amedronta, esclarece. Há negro no eu de todos também, mas só eu posso enfrentar o meu. Ninguém é capaz de sentir por mim. E mentiras sobre isso seguem sendo ditas. É um descaminho total.

Luto: jornada que não tem nada de heroica. Jornada noite adentro sem proposta de reconhecimento é horrorosa. Jornada para ir porque ir é a única opção para crescer, dizem. Sei não... Noite, negro, jornada e dor. Coração palpita e o rosto ganha uma máscara trágica. É solitário andar pela noite do luto. Dependo de mim mesma. Sem antolhos, bengalas, amigos ou família. Não é a jornada do herói, mas é a hora da verdade.

Luz no fim do túnel só pode ser vista se o corpo entra em movimento retilíneo uniforme sem recear tropeços. Ninguém pode viver minha vida, nesse movimento. A vida real não admite a opção ser coadjuvante. Minha vida, minhas regras, minhas contas. E nessa hora, o ponto do salto. Eu quero o salto. E salto só ocorre com memórias intensas. Depois de viver o negro de mim, é a hora da revanche. Fundo do poço, revanche, energia, reajuste de memórias e emoções; e, como um bebê, reaprender a andar, aproveitando inúmeras lembranças.

Posso viver como se não houvesse amanhã? Sim! Posso sair ‘fora da caixa’ do habito e dar vazão aos sonhos? Sim, de novo! Posso procurar ajuda para reconhecer o tempo e tomar as decisões com mais calma? Sim, outra vez! Perfeição e felicidade não existem 100%. Existe o caminho, os acontecimentos e muita gratidão pela vida. É preciso coragem para assumir o tempo que o tempo tem, agora, por exemplo, na ausência de um ente querido. É coragem, crescimento e o desenho. Da noite sem estrelas, a luz no fim do túnel ganha cores, traços e curiosidade.

Fim de setembro, quase outubro, a trama macabra da vida familiar foi revivida. Só que não sou de ‘coitadismos’. E os dias subsequentes não me deixaram rachar de todo. Não dei o ‘pulo do gato’; tive que ficar na ‘crista da onda’; agir e reagir. E a arte do DESENHO me ajudou demais! Fui desenhar para iluminação, conscientização e superação de uma dor muito cruel. Como afirma Fernando Pessoa: “a arte anima e é vital para a vida”. Experimento desenho em madeira, papel e tecido. Experimento emoções em ebulições profundas em madeira, papel, tecido e personalidade.

Ponto de partida: MANDALAS. Só ponto de partida. O autoconhecimento segue demarcando novos lances e vida. E eu sigo aceitando as mudanças nos traços e nos tamanhos. O dia chegou e o ritmo circular foi se ampliando em outras geometrias. Quebrei o ritmo da noite sem estrelas, da rotina de lamentações e da falta de humor.

Renasci.

Segue o baile

 

Prof.ª Claudia Nunes (22.03.2021)

 

 

MOTIVAÇÕES para o século XXI

           Em tempos de pandemia, a motivação é uma força interna que devemos desenvolver com lucidez e vontade. Por que? Porque motivação exige um desafio e uma necessidade. E haverá recompensas sempre: algumas reais e físicas (dinheiro, conquistas, definições) e outras, mais subjetivas e muito pessoais (mudança de comportamento, autoconhecimento, liberdade, justiça).

Mas hoje, assumindo que nada voltará ao normal facilmente, nós sabemos que a luta é por sobrevivência. É instintivo. Através de emoções equilibradas, primitivas ou transcendentais, nós vamos em frente por um único interesse: sobreviver ao dia seguinte e com saúde. É a hora da imaginação e da criatividade; mas também da presença de sentimentos desengonçados como irritação, agressividade, egoísmo e solidão... muita solidão.

Em cada casa, empresa, escola, hospital, repartição etc., motivação significa respirar melhor; procurar memórias antigas de desejos, sonhos e alegrias; e criar estratégias que reflitam hábitos e experiências que nos motivem a viver apesar de tudo. Nós estamos reencontrando prazeres antigos ou investindo em desejos reprimidos.

Em tempos de pandemia, motivação é uma forma de sublimação de nossas sombras que teimam em experimentar visibilidade comportamental e cujo teor estabelece qualidade à nossa saúde mental, social, relacional e interpessoal. Vamos pensar: parcialmente mais em casa do que na rua, as experiências de aprendizagem são as mais variadas justamente porque são de / em / para casa; de / em / para o corpo; ou mesmo, de / da/ em mente para tudo isso junto. Cantar, cozinhar, tocar, desenhar, pintar, fazer choche, escrever, ler são ações que seguem determinando nossa existência junto a perdas irreparáveis e insensatas. Arte como forma de supressão do medo, da ansiedade, da irritação, do desespero, das angustias e da solidão... de novo, a solidão.

As manifestações artísticas se oferecem então como terrenos de sobrevida, espaços de autorreflexão e elementos de recuperação de nossa criança anterior e interior. É a arte sendo base da motivação que nos distrai do mundo lá fora e nos recompõe ao mundo aqui dentro, para entender que não podemos ir lá fora, por enquanto. Ela nos distrai, nos fortalece, nos movimenta e nos transforma.

Neste movimento, de repente, surpresas. Nós nos surpreendemos com nossas antigas e/ou novas habilidades e conhecimentos práticos; com nosso poder de escolha; com nosso espaço de vida; com os comportamentos dos familiares; com as novas formas de trabalho; e, principalmente, com nosso entendimento de que o tempo tem seus humores e estes não devem nos governar, nos paralisar, ou mesmo, nos matar.

Pandemia como oportunidade de aprendizados automotivados; de exploração interior; de compartilhamento de sentimentos, experiências e conhecimento; de acomodação das certezas sobre tudo; de reelaboração de princípios e valores; de colaboração na resolução de problemas, também em grupo; de engajamento em diferentes ambientes, agora virtuais, para dialogar e/ou aprender; de estimulação da mente da forma mais positiva possível; de forte trabalho de nosso lado mais emocional; e de assimilação de mais força, confiança e competência à medida que nos autovalorizamos; dentre outras atitudes.

Sendo mais acadêmica, é o tempo em que os movimentos precisam ser voluntários (lobo frontal) para acontecer, buscando satisfazer alguma necessidade ou algum desejo (BEAR, 2008). Nós devemos ser voluntários para a vida. É a vida que estabelece nossos comportamentos, mesmo os mais abstratos ou irreverentes, às vezes, de uma vida inteira.

Em tempos de pandemia grave, motivação é uma construção de vida diária; é uma forma de homeostase (equilíbrio interno do ambiente); é um jeito de ajudar o hipotálamo em sua função de regulação da temperatura corporal, do balanço de fluidos, do balanço energético (BEAR, 2008); quiçá, da temperatura emocional.

Motivação é um jeito de se evitar desvios dos neurônios sensoriais ao ponto de fundamentarem a ansiedade, a depressão, a timidez, o estresse, ou mesmo, a agressividade; e é a maneira como o ser civilizado controla sua resposta humoral, vícero-motora e somático-motora, de forma integrada.

Não adianta resistir.

Em tempos de pandemia, o ser vivo humano tem, em sua biologia, a possibilidade de se autoorganizar para sobreviver. Então, uma pergunta:

- O que você tem feito de você com o que a pandemia fez de / com você?

 

Profª. Claudia Nunes (19.03.2021)

 

Referencias:

BEAR, Mark. F; CONNORS, Barry W.; PARADISO, Michael A. Motivação (cap.16). NEUROCIENCIAS: desvendando o sistema nervoso. 3ª edição. Porto Alegre: Artmed, 2008, p.509-532. [Dados Eletrônicos].

 

 

Mundo: eu, meu café e minha hiperatividade

            Na mesa do café, presto atenção em mim. Não ser mais eu é estranho e incrível. Mas presto atenção. “Muito barulho por nada” é de Shakespeare, mas o barulho de tudo está em mim e às vezes é uma confusão danada. Como separar o joio do trigo de tantas coisas e sentimentos? Não sei... Nunca soube... Mas estou prestando atenção. Prestar atenção é um ato de escolha. É preciso delinear caminhos e focar em outras esferas: devo prestar atenção aos novos detalhes sobre tudo.

Café, atenção e um bombardeio de sons lá fora e aqui dentro. Imaginação com muitas direções, perspectivas e consequências. Que difícil! Pensei na vida de um hiperativo (H)! Eu sou apenas H! Múltiplos sons e cores; desejo de seleção e concentração; e a possibilidade de escolher e aprender; só que o descontrole sensorial não retroalimenta comportamentos adequados, como todo mundo quer.

Eu, meu café (já um amigo imaginário) e meu H, em expectativa de nos concentrarmos simultaneamente em tantas fontes de informações sensorial. Muito difícil! Por que? No sistema visual, a atenção nos permite a concentração em um objeto entre muitos outros do campo visual. Ou seja, estamos menos sensíveis aos sons que surgirem e experimentando focar em algo que seja de maior interesse. Menos eu!

Segundo Bear (2018), a atenção está claramente relacionada com o processamento preferencial de informação sensorial. Eu, meu café e meu H somos parceiros da atenção; nós aprendemos algumas estratégias de sobrevivência e manutenção da autoestima; mas é muito difícil ter preferencias, no tempo adequado; é muito difícil lidar com um corpo cheio de humores impulsivos e inconscientes; é difícil mesmo identificar meus reais interesses. Nós temos muita dificuldade em nos concentrar, de ficarmos quietos ou de resistirmos à vontade de fazer várias coisas ao mesmo tempo, porque esse mundo não é o nosso: ele tem outro movimento em nosso cérebro.

Nessa cozinha, eu penso em meus tempos de infância e adolescente, quando meu tempo emocional, cognitivo e motor tinha movimentos mais acelerados e desengonçados. Mais do que desatenta ou impulsiva, eu era hiperativa, no caso, adjetivada como agitada, ‘com bicho carpinteiro’; abusada; irritante ou, as vezes, quando eu queria, extremamente fechada e tímida. “Tudo ao mesmo tempo agora” como afirmam os Titãs, era meu lema.

Eu tinha parte de um transtorno (diziam); tinha vontades engraçadas; tinha urgências estranhas; tinha minhas prioridades, num mundo só meu, já que o outro mundo era chato demais, bobo, sem força ou intensidade. Nessa cozinha, eu, sozinha, penso então: Genética? Hereditariedade? Fisiologia? Alterações nas fóveas dos olhos? Sei lá... Apenas sei que, no meu mundo, tons e cores passavam /passam rapidamente e meu corpo responde, de forma vertiginosa, em todos os cantos da escola, da casa e/ou da rua; e da vida. E, hoje, adulta, eu, meu café meu H ainda não compreendemos o valor real dessa atenção tradicional para nós, os hiperativos, mas sabemos que os paradigmas vêm mudando e nos envolvendo como mais atenção e respeito.

Nós estamos no topo da cadeia da aprendizagem porque temos outra eficiência e servindo de experiencia para diferentes práticas de ensino porque estamos na moda. Nós ajudamos a evoluir as formas de educar porque nossos movimentos motores são incríveis e ‘fora da caixinha’ e, às vezes, incomoda. Lamento!

Eu, meu café e meu H lamentamos: somos o que somos e vamos sobreviver.

Agora, meu almoço: eu, meu suco e a ansiedade...

 

Prof.ª Claudia Nunes (19.03.2021)

 

Referência:

BEAR, Mark. F; CONNORS, Barry W.; PARADISO, Michael A. Atenção (cap.21). NEUROCIENCIAS: desvendando o sistema nervoso. 3ª edição. Porto Alegre: Artmed, 2008, p.643-659. [Dados Eletrônicos].

 

 

 

Uma proposta sempre presente: AMOR PRÓPRIO

            Amante de um bom café. Sento na cozinha e escuto música. Nada demais. Apenas o tempo passando e eu dando liberdade aos meus sentimentos e pensamentos. Muita coisa. Muitas pontas soltas. E o cheiro de café no ar. Será que conseguirei? Sei lá. Uma certeza: eu não posso deixar o café terminar.

Penso num passado. Outro tempo. Outra Claudia. Como mudamos? Nem sei quando foi; só sei que amanhã não serei mais eu. A vida é assim... Nós precisamos entender melhor a passagem do tempo. É duro, mas é bacana. Mudamos mesmo! Pensei nas pessoas que não assumem esse risco de mudar e, por exemplo, permanecem em relações toxicas. Pensei em amor próprio. Pensei em mim, em algumas situações. Que tenso né? Eu acho...

Às vezes somos espelho de pessoas que não gostam delas mesmas; que se incomodam com nossa liberdade; e que nos machucam para não serem machucadas. Que loucura! E pior: a gente não percebe mesmo! Hoje eu sei: o mundo realmente é redondo! O mal que se faz provoca o aparecimento de energias estranhas em torno da relação e, no retorno, as consequências podem ser sinistras. Mas, e o amor próprio? Ele é uma conquista. É o ‘band-aid’ de uma ferida. E leva tempo. É preciso sim, uma decisão: rompimento, afastamento e silencio. Essa é a sequência da resiliência, por exemplo.

A história da minha vida pertence somente a mim. A história é minha. Ela não pode estar nas mãos do outro em nome quaisquer afetos. Aliás, o território do afeto é sempre o mais atingido e machucado pelo outro, quando um ou outro, não tempo um mínimo de amor próprio; por isso, esse amor é a melhor arma no campo de batalha das relações. Realmente, eu e meu café não queremos mais ser plateia de ninguém; nós queremos a cena completa e dentro dos nossos limites.

Hoje eu sei que estou bem. Quando o passado retorna em disfarce, ou mais controlado, ou em outro tom, intencionando aproximação, não me causa nada. O amor próprio, os amigos, muitos cafés e o tempo foram excelentes remédios tomados diariamente. De diferentes maneiras o passado sempre retorna; faz seus testes; e eu sou apenas educada. Eu sou apenas eu e sem explicações. Aqui e agora me pergunto: explicar o que, a quem? Eu, meu café, minha cozinha, aqui e agora, não precisamos de palavras; somos nossas atitudes de todo dia; e quem quiser aceitar ou gostar, ou não, meus parabéns! Isso é amor próprio com personalidade e uma boa caneta para pensar antes de agir.

Há jogos de todo tipo acontecendo perto e longe de mim, fazer o que? Incômodos, chateações, ansiedade, frustrações, incompreensões só me farão mal, como o outro deseja. Isso eu não permito! Nada disso! Sou melhor que isso! Conviver é uma questão de opção. Então qual é a melhor ideia? Cuidar-me! Fingir demência, apesar das feridas, e seguir meu caminho do meu jeito.

Alguns dizem ‘Claudia, você muito boba!’ Não é isso! É que aprendi a assimilar golpes para sobreviver e contar toda e qualquer história. Eu quero argumento. Eu não sofro de amnésia. Eu quero ter razão, pois a paz não me serve. Eu sorrio e sigo conquistando o que eu quiser. Aprendi nos livros e lidando com vários tipos de ‘amigos’. Seguir sangrando em cima do nada é inútil e pode causar anemias afetivas crônicas. Sou privilégio e não opção. Amor próprio é isso: leonina em autoestima e em completo agradecimento pela vida que tem. Talvez o café faça isso. É duro aprender isso. Mas o tempo é meu parceiro e dele eu cuido bem.

Amor próprio é uma forma de ver a si mesmo e a vida; um estilo de vida real; uma sensação de autossuficiência equilibrada; um estado de apreço por si mesmo, apesar de reconhecer defeitos e cometer erros; é amadurecimento e autoconfiança; e é aprendizado de relação se relacionando. O que posso fazer? Preciso ajustar a personalidade; saber como me integrar; criar limites claros; e reconhecer as diferenças. Olho minhas mãos. Vivo com minhas memórias. E não gosto de submissões. Sou elástica nas permissões; mas não admito ordem e controle. Se não for assim, eu não cresço.

Meus melhores filtros e alívios são meus amigos, livros e escrita. Outros momentos difíceis virão então é cair, levantar; cair, levantar. Humor é fundamental. Qual é a questão, então? De novo: Cuidar-me! Como? Dar atenção a mim mesma sempre que necessitar; adquirir novos conhecimentos; mudar meus caminhos ‘de sempre’; escutar mais do que falar; sorrir apesar de tudo e todos; e sonhar sempre.

Ufa! Café acabou. Hora de ser eu outra vez.

 

Profa Claudia Nunes (15.03.2021)

 

 

KINTSUGI: Que a força esteja conosco

            Nós estamos vivendo anos de crise na Educação. Sei que é óbvio afirmar isso, mas quero que entenda que CRISE é a moeda que paga nosso autoconhecimento, no caso aqui, profissional. Pense de outra forma, por favor!

Um período de crise é o melhor momento para o fortalecimento de nossa visão de mundo sobre desequilíbrio, dificuldade, disfunção e/ou desordem. Somos humanos porque somos, curiosos imaginativos e criativos, e, na crise, surge a oportunidade de conhecermos nossas verdades e as experimentarmos com mais objetividade e intensidade. Não acredita? Continue lendo...

No livro KINTSUGI, de Celine Santini (Ed. Planeta, 2019), há uma seleção de ações e técnicas que sugerem a ideia de que nós, profissionais da educação, devemos pretender menos MODIFICAR os aprendentes e atuar mais em ENVOLVER seus rasgos, fragilidades, bloqueios, traumas e medos com ‘OURO’, o que realçaria suas experiências, aumentaria seus níveis de resiliência e traria uma luz mais positiva às suas feridas físicas e/ou emocionais. Ouro torna-se a metáfora do conhecimento, do vínculo, do respeito mútuo, da proximidade tranquila, emoções positivas que ajudem a fechar feridas, reatividades, solidões, negatividades e dúvidas. Ou seja, é preciso que saibamos transformar essas memórias COM ouro; e não EM ouro. Como? Atenção às etapas que Santini (2019, p.15-19) nos apresenta:

 

ETAPAS para uma proposta de ENVOLVIMENTO ou Técnica do KINTSUGI para o reparo passo a passo:

ETAPA 1: QUEBRE

ETAPA 4: REPARE

Sinta; Aceite; Decida; Escolha; Imagine; Visualize.

Lixe; toque; Aplique; Concentre-se; Acrescente; Reanime.

ETAPA 2: MONTE

ETAPA 5: REVELE

Prepare; Reconstitua; Transforme; Junte; Preencha; Associe.

Ilumine; Recupere; Desvele; Proteja; Personalize; Resplandeça.

ETAPA 3: SEJA PACIENTE

ETAPA 6: SUBLIME

Remova; Mantenha; Respire; Deposite; Limpe; Deixe.

Observe; Admite; Contemple; Sinta; Assuma; Exponha.

Fonte: SANTINI, Celine. Kintsugi. 2019, p.15-19 (resumo)

 

Quando um aprendente entra na escola, entra também em uma espécie de experiência iniciática em que suas memórias, cognições e comportamentos estarão em um processo de reajustes constantes destes elementos. E todos sobreviverão! Cada um de sua forma, de acordo com seu perfil e força familiar, em um tempo particular. Não podemos nos tornar avestruzes e dissimular ou disfarçar a interferência do tempo histórico-político em que vivenciamos desvalorização profissional; ignorância do poder público; deslocamento das famílias; e limitações cognitivas de nossos aprendentes. Como afirma Santini (2019), nós devemos acreditar que a dor é mensageira da ideia de que podemos fazer diferente apesar de. A dor (crise) é mensageira; jamais parceira de nossos sentires e pensamentos profissionais. A dor tem que ter tempo de validade.

Santini (2019, p. 35) afirma que, diante das provações que todos passam, independentes de suas vontades, sempre precisamos retomar a vida (ter o amanhã); achar um ‘fio da meada’ e nos dar um presente inestimável: AUTOESTIMA e AUTOCONHECIMENTO. Para isso, para nós e para os aprendentes, há três escolhas (técnicas) de reparo das perspectivas e de reajustes educacionais sérios, a saber:

 

DIFERENTES TÉCNICAS DE REPARO

Reparo ILUSIONISTA

O reparo é invisível, a cicatriz existe efetivamente, mas é completamente mascarada. Quando é bem realizado, o objeto parece ‘como novo’, seu passado é dissimulado

Reparo COM GRAMPOS

O reparo é bem visível, as cicatrizes do objeto sendo fechadas com grampo metálicos. É a técnica utilizadas por ocasião do reparo inicial da tigela de shogun, que ficou tão decepcionado que seus artesãos inventaram a técnica do Kintsugi!

Arte DO KINTSUGI

O reparo não só é visível, como é valorizado, sublinhado pelo ouro. O passado do objeto é assumido, ele transfigura. O objeto torna-se único, precioso, insubstituível.

Quadro montado a partir de SANTINI, 2019, p. 42.

 

Por isso, é importante procurar solução / dar atenção / observar emoções em domínios diferentes do conforto da sua rotina (CELINE, 2019). É possível reprogramar o cérebro e reflete de outra forma? É possível trocar, aos poucos, a palavra MAZELA, por OPORTUNIDADE ou mesmo POSSIBILIDADE e “mudar o rumo da História”? Ainda acredito que sim! Importante nos dias atuais, tomar a decisão de quebrar padrões e pensar diferente.

Para nós, profissionais de ensino, mudar os ingredientes (tente os temperos, em princípio) da ação profissional é elemento fundamental para descarregar ideias e energias mais pesadas, e muitas vezes alheias sobre o valor e a razão do nosso trabalho. E uma das sugestões é se projetar em diferentes técnicas de desenvolvimento PESSOAL. Quais? Santini (2019, p.44) elenca algumas opções:

 

SUGESTÕES (sem nenhuma preferência, nem pressupostos; apenas inspirações)

Caminhos físicos

Ioga, corrida de obstáculos, escalada, pilates, artes marciais, boxe, natação alimentação saudável, vegetarianismo, jejum, etiopatia, osteopatia, fasciaterapia, aculpuntura, reflexologia, naturopatia, medicina chinesa, balneoterapia, chi nei tsang, shiatsu, hidroterapia, fitoterapia, silvoterapia, quiropraxia, kyudo etc.

Caminhos emocionais

Psicoterapia, psicanálise, eneagrama, espiral dinâmica, ioga do riso, hipnose, consciência plena, teatro de improvisação, MBSR, TIPI (técnida de identificação dos medos inconscientes), EMDR (dessensibilização e reprocessamento do meio dos movimentos oculares), EFT, workshop de clown, sofrologia, MAI (múltiplos aspectos interiores), comunicação não violenta, terapia do renascimento, focusing (ou focalização), IFS (terapia dos sistems familiares internos), gestalt-terapia, PNL programação neurolinguística), psicologia positiva, grito primal, logoterapia, técnica Alexander etc.

Caminhos sensoriais

Florais de Bach, kinesiologia, equiterapia, ronronterapia, massagens, aromaterapia, dança, musicoterapia, canto harmônico, biodanza, tigelas cantantes, cromoterapia, método Feldenkrais, helioterapia, tantrismo etc.

Caminhos Energéticos

Tratamento de rearmonização energética, feng shui, geobiologia, qi song, tai chi chuan, reiki, xamanismo, magnetismo, litoterapia, ho’oponopono etc.

Caminhos sistêmicos ou familiares

Psicogenealogia, constelações familiares, criança interior etc.

Caminhos Artísticos

Mandala, terapia com argila, escrita, caligrafia, teatro, arteterapia, pintura, desenho, escultura, modelagem, kintsugi etc.

Fonte: SANTINI, Celine. 2019, p. 44.

 

Ao voltar ao território do trabalho, não haverá precipitações, há certo distanciamento, muitas avaliações, formas de se preparar e tomadas de posição / decisão mais coerentes e adequadas.

 

Referencia:

SANTINI, Celine. Kintsugi: a arte japonesa de encontrar força na imperfeição. São Paulo: Ed. Planeta, 2019.

 

Profª. Ms. Claudia Nunes (06.03.2021)

 

Nada nunca é igual

  Nada nunca é igual   Enquanto os dias passam, eu reflito: nada nunca é igual. Não existe repetição. Não precisa haver morte ou decepçã...