Século XXI.
Pandemia. Isolamento. Ritmo social e neural reajustados radicalmente em nossa
sociedade. Como ficam as funções executivas (FEs)? De repente, nossas
habilidades de planejar e executar atividades simples e complexas estão ou
suspensas ou descontroladas, ou mesmo desconexas. Estamos ‘fora da caixa’ dos
hábitos; da rotina; e das certezas. De novo, a questão: copo meio cheio ou meio
vazio? Um elemento invisível não permite que organizemos e estruturemos nossos
ambientes diversos como sempre. O ‘todo dia’ acabou. Objetivos, sonhos, desejos
e liberdades estão rasgados. Tudo o que acreditávamos ser normal precisa ser
repensado. Tudo!
Independente de
nossas vontades, estamos incapazes, ansiosos, deprimidos e angustiados.
Comunicação, linguagem, interpretação precisam de novas intencionalidades
porque o TEXTO mundial é outro; a TESSITURA da vida é outra. E o ‘agora,
José?’, de Drumond, é relembrado. Segundo Searle (1983), a
"intencionalidade" é a capacidade de referir, direcionar ou
significar algo a alguém; e na ordem do dia (do tempo), nossa sobrevivência
está na ação de RESSIGNIFICAR o que for necessário, a qualquer preço. Quando
caçávamos mamutes para sobreviver também era assim...
Nossa capacidade
de observação, interpretação e ação (decisão) demandam uma justa relação com
nossas FEs, ponte fundamental à manutenção da comunicação humana, com / no
mundo, ainda que muito virtualizado. Vamos lembrar: as FEs incluem ações como
seleção e estabelecimento de ações; muitos planejamentos; algumas estratégias; contínuo
monitoramento; e a manutenção de uma sequenciação; desta forma, raciocínio
lógico, controle inibitório, escuta sensível, memória de trabalho, atenções
diversas, por exemplo, ocorrem adequadamente, favorecendo comportamentos mais
equilibrados, inclusive, emocionalmente. Será que estamos conseguindo?
Diante deste
momento pandêmico, diferentes áreas do cérebro (áreas pré-frontais, alguns
núcleos da base, o tálamo, as estruturas límbicas e as vias conectadas a essas
regiões) estão envolvidos em uma neuroquímica muito volumosa, mais intensa e,
em muitos casos, paralisantes (negativas), já que sabemos que as emoções são
reflexos de alterações fisiológicas, a partir da tipologia de estímulos que
recebemos todos os dias. Em tempo pandêmico, estamos mais emocionais e
primitivos; estamos mais emocionais e menos executivos. É a solidão maior do
nosso córtex pré-frontal. Então “Eu queria saber agora, o que será?” e não vai
adiantar perguntar à menininha do Gantois[1].
Lendo um pouco de
Luria (1966, 1973a) é mais triste ainda observar o nosso tempo. Nele, nós
aprendemos que os lobos frontais (coloque a mão na testa e saberá do que
escrevo), responsáveis pelo controle de várias áreas, além da regulação e
verificação da atividade mental, são a última base para nossas formas de
sentir, pensar e agir, com criatividade, planejamento e estratégia. Ou seja,
atividades complexas são representadas em nossos comportamentos, quando a
neuroquímica que envolve o sistema nervoso (um sistema que funciona de forma
integrada), alcança nossos lobos frontais e são trabalhadas e evocadas de
maneira equilibrada e/ou adequada, ao ponto de executarmos bem ações
intencionais ou não. E nesse sentido, três funções são fundamentais: ATENÇÃO,
MEMÓRIA e LINGUAGEM. Perceberam? Será que damos conta?
Mesmo antes da
pandemia, já falávamos de DIFICULDADES emocionais, cognitivas e motoras, diante
de problemas na alimentação, no sono, nas relações e no sedentarismo crônico. A
questão da APRENDIZAGEM era preocupante. Pelo que percebemos, hoje, diante da pandemia,
cujo inimigo invisível nós mesmos criamos, estes problemas se agravaram,
‘alimentado’ pela presença de um item: ISOLAMENTO ou DISTANCIAMENTO SOCIAL
involuntário.
A questão do
descontrole emocional e executivo hoje foca-se na palavra INVOLUNTÁRIO. Por uma
questão SANITÁRIA, vínculos são mantidos, mas os ENCONTROS físicos não.
Encontros e toques não podem. Em ascensão, o desequilíbrio dos SENTIDOS, portas
de entrada dos estímulos que geram boas e/ou novas conexões neuronais,
aprendizagens e comportamentos executivos, no caso, adequados a nossa
sociedade.
O TATO (toque),
sentido tão esquecido na lida cotidiana de nossa sociedade capitalista, e agora
restrito, inaugura um tempo de desconexão que modifica nossa fisiologia,
neuroquímica e atividade psíquica, logo altera nossa tão querida execução
humana no mundo: a INTERAÇÃO social. Somos humanos, mas antes de tudo somos
animais e, por isso, devemos lembrar que, além da visão e da audição, para que
as FEs funcionem adequadamente, nós precisamos do tato, do equilíbrio, do
olfato, do paladar, dentre outros responsáveis pelo processamento da informação
porque estes codificam quatro aspectos de um estímulo: tipo (modalidade);
intensidade; localização; e duração. Entenderam? Somos cérebros executivos que,
a partir da criação de um inimigo invisível, perderam a capacidade de planejar
o amanhã.
Diante de uma
‘força maior’ (o vírus e a pandemia), o MUNDO precisou ficar isolado, as vezes
em lockdown radical (bloqueio =
isolamento), as vezes com restrições como máscara e uso de álcool gel
diariamente (distanciamento). Nesta dinâmica ‘de guerra sanitária’, num cenário
nada ‘multicor’, ascenderam diferentes prejuízos como alteração drástica da
econômica familiar; desabastecimento de alimentos, medicamentos e outros produtos
fundamentais à vida; aumento da violência familiar, da fome, do desemprego;
além de aumento dos quadros de doenças psíquicas como depressão, ansiedade,
baixa autoestima, dores físicas relacionadas às emoções desorganizadas; e
agravamento quadros problemáticos já instalados, em tratamento ou não. Somos
cérebros executivos vivendo o incrível, fantástico, extraordinário de uma vida
cheia de novas distorções e com pouco tempo de adaptação.
Hoje, nós estamos
em distanciamento social. Levanta-se a questão da EMPATIA e da RESILIENCIA. Mas
ainda assim, há prejuízo nas FEs. Todos os planos e hábitos estão restritos.
Nossas demonstrações de afeto impedidas. Nossas relações virtualizadas. Nossos
corpos em casa. Nossas formas de extravasamento e sublimação (ARTES / CULTURA)
negadas. Nunca estivemos tão despreparados. Nunca estivemos tão sem caminhos
para nos libertar. Nunca pensamos que precisaríamos repensar QUEM SOMOS diante
do impensado, do desconhecido e, principalmente, diante da negação de SER no
mundo, como sempre. Nós estamos experimentando nos reposicionar no mundo
através do ambiente virtual, algo que exigirá outros comportamentos executivos,
fisiológicos e coletivos. Será possível? Não sei... Mas, de novo, me vem ao
pensamento: estamos dentro da chamada SELEÇÃO não muito NATURAL que muitos
chamarão de evolução na revolução. E só me resta perguntar COMO SERÁ O AMANHA?
REFERÊNCIAS:
Luria, A. R. (1966). Higher cortical functions in man. New
York: Basic Books. [ Links ]
Luria, A. R. (1973a). The working brain. An introduction to
neuropsychology. New York: Basic Books.
[ Links ]
Malloy-Diniz, L. F., Cardoso-Martins, C.,
Carneiro, K. C., Cerqueira, M. M. M., Ferreira, A. P. A., Aguiar, M. J. B.,
& Starling, A. L. (2004). Funções executivas em crianças fenilcetonúricas:
Variações em relação ao nível de Fenilalanina. Arquivos de Neuropsiquiatria, 62(2b), 473-479.
[ Links ]
Searle, J. (1983). Intentionality: An essay in the philosophy of
mind. Cambridge, United Kingdom: Cambridge University Press.
[ Links ]
Profª. Ms. Claudia Nunes (21.02.2021)
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