terça-feira, 15 de março de 2022

Pensando FUNÇÕES EXECUTIVAS: O que será o amanhã?


Século XXI. Pandemia. Isolamento. Ritmo social e neural reajustados radicalmente em nossa sociedade. Como ficam as funções executivas (FEs)? De repente, nossas habilidades de planejar e executar atividades simples e complexas estão ou suspensas ou descontroladas, ou mesmo desconexas. Estamos ‘fora da caixa’ dos hábitos; da rotina; e das certezas. De novo, a questão: copo meio cheio ou meio vazio? Um elemento invisível não permite que organizemos e estruturemos nossos ambientes diversos como sempre. O ‘todo dia’ acabou. Objetivos, sonhos, desejos e liberdades estão rasgados. Tudo o que acreditávamos ser normal precisa ser repensado. Tudo!

Independente de nossas vontades, estamos incapazes, ansiosos, deprimidos e angustiados. Comunicação, linguagem, interpretação precisam de novas intencionalidades porque o TEXTO mundial é outro; a TESSITURA da vida é outra. E o ‘agora, José?’, de Drumond, é relembrado. Segundo Searle (1983), a "intencionalidade" é a capacidade de referir, direcionar ou significar algo a alguém; e na ordem do dia (do tempo), nossa sobrevivência está na ação de RESSIGNIFICAR o que for necessário, a qualquer preço. Quando caçávamos mamutes para sobreviver também era assim...

Nossa capacidade de observação, interpretação e ação (decisão) demandam uma justa relação com nossas FEs, ponte fundamental à manutenção da comunicação humana, com / no mundo, ainda que muito virtualizado. Vamos lembrar: as FEs incluem ações como seleção e estabelecimento de ações; muitos planejamentos; algumas estratégias; contínuo monitoramento; e a manutenção de uma sequenciação; desta forma, raciocínio lógico, controle inibitório, escuta sensível, memória de trabalho, atenções diversas, por exemplo, ocorrem adequadamente, favorecendo comportamentos mais equilibrados, inclusive, emocionalmente. Será que estamos conseguindo?

Diante deste momento pandêmico, diferentes áreas do cérebro (áreas pré-frontais, alguns núcleos da base, o tálamo, as estruturas límbicas e as vias conectadas a essas regiões) estão envolvidos em uma neuroquímica muito volumosa, mais intensa e, em muitos casos, paralisantes (negativas), já que sabemos que as emoções são reflexos de alterações fisiológicas, a partir da tipologia de estímulos que recebemos todos os dias. Em tempo pandêmico, estamos mais emocionais e primitivos; estamos mais emocionais e menos executivos. É a solidão maior do nosso córtex pré-frontal. Então “Eu queria saber agora, o que será?” e não vai adiantar perguntar à menininha do Gantois[1].

Lendo um pouco de Luria (1966, 1973a) é mais triste ainda observar o nosso tempo. Nele, nós aprendemos que os lobos frontais (coloque a mão na testa e saberá do que escrevo), responsáveis pelo controle de várias áreas, além da regulação e verificação da atividade mental, são a última base para nossas formas de sentir, pensar e agir, com criatividade, planejamento e estratégia. Ou seja, atividades complexas são representadas em nossos comportamentos, quando a neuroquímica que envolve o sistema nervoso (um sistema que funciona de forma integrada), alcança nossos lobos frontais e são trabalhadas e evocadas de maneira equilibrada e/ou adequada, ao ponto de executarmos bem ações intencionais ou não. E nesse sentido, três funções são fundamentais: ATENÇÃO, MEMÓRIA e LINGUAGEM. Perceberam? Será que damos conta?

Mesmo antes da pandemia, já falávamos de DIFICULDADES emocionais, cognitivas e motoras, diante de problemas na alimentação, no sono, nas relações e no sedentarismo crônico. A questão da APRENDIZAGEM era preocupante. Pelo que percebemos, hoje, diante da pandemia, cujo inimigo invisível nós mesmos criamos, estes problemas se agravaram, ‘alimentado’ pela presença de um item: ISOLAMENTO ou DISTANCIAMENTO SOCIAL involuntário.

A questão do descontrole emocional e executivo hoje foca-se na palavra INVOLUNTÁRIO. Por uma questão SANITÁRIA, vínculos são mantidos, mas os ENCONTROS físicos não. Encontros e toques não podem. Em ascensão, o desequilíbrio dos SENTIDOS, portas de entrada dos estímulos que geram boas e/ou novas conexões neuronais, aprendizagens e comportamentos executivos, no caso, adequados a nossa sociedade.

O TATO (toque), sentido tão esquecido na lida cotidiana de nossa sociedade capitalista, e agora restrito, inaugura um tempo de desconexão que modifica nossa fisiologia, neuroquímica e atividade psíquica, logo altera nossa tão querida execução humana no mundo: a INTERAÇÃO social. Somos humanos, mas antes de tudo somos animais e, por isso, devemos lembrar que, além da visão e da audição, para que as FEs funcionem adequadamente, nós precisamos do tato, do equilíbrio, do olfato, do paladar, dentre outros responsáveis pelo processamento da informação porque estes codificam quatro aspectos de um estímulo: tipo (modalidade); intensidade; localização; e duração. Entenderam? Somos cérebros executivos que, a partir da criação de um inimigo invisível, perderam a capacidade de planejar o amanhã.

Diante de uma ‘força maior’ (o vírus e a pandemia), o MUNDO precisou ficar isolado, as vezes em lockdown radical (bloqueio = isolamento), as vezes com restrições como máscara e uso de álcool gel diariamente (distanciamento). Nesta dinâmica ‘de guerra sanitária’, num cenário nada ‘multicor’, ascenderam diferentes prejuízos como alteração drástica da econômica familiar; desabastecimento de alimentos, medicamentos e outros produtos fundamentais à vida; aumento da violência familiar, da fome, do desemprego; além de aumento dos quadros de doenças psíquicas como depressão, ansiedade, baixa autoestima, dores físicas relacionadas às emoções desorganizadas; e agravamento quadros problemáticos já instalados, em tratamento ou não. Somos cérebros executivos vivendo o incrível, fantástico, extraordinário de uma vida cheia de novas distorções e com pouco tempo de adaptação.

Hoje, nós estamos em distanciamento social. Levanta-se a questão da EMPATIA e da RESILIENCIA. Mas ainda assim, há prejuízo nas FEs. Todos os planos e hábitos estão restritos. Nossas demonstrações de afeto impedidas. Nossas relações virtualizadas. Nossos corpos em casa. Nossas formas de extravasamento e sublimação (ARTES / CULTURA) negadas. Nunca estivemos tão despreparados. Nunca estivemos tão sem caminhos para nos libertar. Nunca pensamos que precisaríamos repensar QUEM SOMOS diante do impensado, do desconhecido e, principalmente, diante da negação de SER no mundo, como sempre. Nós estamos experimentando nos reposicionar no mundo através do ambiente virtual, algo que exigirá outros comportamentos executivos, fisiológicos e coletivos. Será possível? Não sei... Mas, de novo, me vem ao pensamento: estamos dentro da chamada SELEÇÃO não muito NATURAL que muitos chamarão de evolução na revolução. E só me resta perguntar COMO SERÁ O AMANHA?

 

REFERÊNCIAS:

Luria, A. R. (1966). Higher cortical functions in man. New York: Basic Books.         [ Links ]

Luria, A. R. (1973a). The working brain. An introduction to neuropsychology. New York: Basic Books.         Links ]

Malloy-Diniz, L. F., Cardoso-Martins, C., Carneiro, K. C., Cerqueira, M. M. M., Ferreira, A. P. A., Aguiar, M. J. B., & Starling, A. L. (2004). Funções executivas em crianças fenilcetonúricas: Variações em relação ao nível de Fenilalanina. Arquivos de Neuropsiquiatria, 62(2b), 473-479.         [ Links ]

Searle, J. (1983). Intentionality: An essay in the philosophy of mind. Cambridge, United Kingdom: Cambridge University Press.         [ Links ]

 

Profª. Ms. Claudia Nunes (21.02.2021)

 

 



[1] Samba da Ilha do Governador, 1979: O que será?

Nenhum comentário:

Nada nunca é igual

  Nada nunca é igual   Enquanto os dias passam, eu reflito: nada nunca é igual. Não existe repetição. Não precisa haver morte ou decepçã...