Na mesa do café, presto atenção em mim. Não ser mais eu é estranho e incrível. Mas presto atenção. “Muito barulho por nada” é de Shakespeare, mas o barulho de tudo está em mim e às vezes é uma confusão danada. Como separar o joio do trigo de tantas coisas e sentimentos? Não sei... Nunca soube... Mas estou prestando atenção. Prestar atenção é um ato de escolha. É preciso delinear caminhos e focar em outras esferas: devo prestar atenção aos novos detalhes sobre tudo.
Café, atenção e um
bombardeio de sons lá fora e aqui dentro. Imaginação com muitas direções,
perspectivas e consequências. Que difícil! Pensei na vida de um hiperativo (H)!
Eu sou apenas H! Múltiplos sons e cores; desejo de seleção e concentração; e a
possibilidade de escolher e aprender; só que o descontrole sensorial não
retroalimenta comportamentos adequados, como todo mundo quer.
Eu, meu café (já
um amigo imaginário) e meu H, em expectativa de nos concentrarmos
simultaneamente em tantas fontes de informações sensorial. Muito difícil! Por
que? No sistema visual, a atenção nos permite a concentração em um objeto entre
muitos outros do campo visual. Ou seja, estamos menos sensíveis aos sons que
surgirem e experimentando focar em algo que seja de maior interesse. Menos eu!
Segundo Bear
(2018), a atenção está claramente relacionada com o processamento preferencial
de informação sensorial. Eu, meu café e meu H somos parceiros da atenção; nós
aprendemos algumas estratégias de sobrevivência e manutenção da autoestima; mas
é muito difícil ter preferencias, no tempo adequado; é muito difícil lidar com
um corpo cheio de humores impulsivos e inconscientes; é difícil mesmo
identificar meus reais interesses. Nós temos muita dificuldade em nos
concentrar, de ficarmos quietos ou de resistirmos à vontade de fazer várias
coisas ao mesmo tempo, porque esse mundo não é o nosso: ele tem outro movimento
em nosso cérebro.
Nessa cozinha, eu
penso em meus tempos de infância e adolescente, quando meu tempo emocional,
cognitivo e motor tinha movimentos mais acelerados e desengonçados. Mais do que
desatenta ou impulsiva, eu era hiperativa, no caso, adjetivada como agitada,
‘com bicho carpinteiro’; abusada; irritante ou, as vezes, quando eu queria,
extremamente fechada e tímida. “Tudo ao mesmo tempo agora” como afirmam os Titãs,
era meu lema.
Eu tinha parte de
um transtorno (diziam); tinha vontades engraçadas; tinha urgências estranhas;
tinha minhas prioridades, num mundo só meu, já que o outro mundo era chato
demais, bobo, sem força ou intensidade. Nessa cozinha, eu, sozinha, penso
então: Genética? Hereditariedade? Fisiologia? Alterações nas fóveas dos olhos?
Sei lá... Apenas sei que, no meu mundo, tons e cores passavam /passam
rapidamente e meu corpo responde, de forma vertiginosa, em todos os cantos da
escola, da casa e/ou da rua; e da vida. E, hoje, adulta, eu, meu café meu H
ainda não compreendemos o valor real dessa atenção tradicional para nós, os
hiperativos, mas sabemos que os paradigmas vêm mudando e nos envolvendo como
mais atenção e respeito.
Nós estamos no
topo da cadeia da aprendizagem porque temos outra eficiência e servindo de
experiencia para diferentes práticas de ensino porque estamos na moda. Nós
ajudamos a evoluir as formas de educar porque nossos movimentos motores são
incríveis e ‘fora da caixinha’ e, às vezes, incomoda. Lamento!
Eu, meu café e meu
H lamentamos: somos o que somos e vamos sobreviver.
Agora, meu almoço:
eu, meu suco e a ansiedade...
Prof.ª
Claudia Nunes (19.03.2021)
Referência:
BEAR, Mark. F; CONNORS, Barry W.; PARADISO, Michael A. Atenção (cap.21). NEUROCIENCIAS: desvendando o sistema nervoso. 3ª edição.
Porto Alegre: Artmed, 2008, p.643-659. [Dados Eletrônicos].
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