terça-feira, 15 de março de 2022

Mundo: eu, meu café e minha hiperatividade

            Na mesa do café, presto atenção em mim. Não ser mais eu é estranho e incrível. Mas presto atenção. “Muito barulho por nada” é de Shakespeare, mas o barulho de tudo está em mim e às vezes é uma confusão danada. Como separar o joio do trigo de tantas coisas e sentimentos? Não sei... Nunca soube... Mas estou prestando atenção. Prestar atenção é um ato de escolha. É preciso delinear caminhos e focar em outras esferas: devo prestar atenção aos novos detalhes sobre tudo.

Café, atenção e um bombardeio de sons lá fora e aqui dentro. Imaginação com muitas direções, perspectivas e consequências. Que difícil! Pensei na vida de um hiperativo (H)! Eu sou apenas H! Múltiplos sons e cores; desejo de seleção e concentração; e a possibilidade de escolher e aprender; só que o descontrole sensorial não retroalimenta comportamentos adequados, como todo mundo quer.

Eu, meu café (já um amigo imaginário) e meu H, em expectativa de nos concentrarmos simultaneamente em tantas fontes de informações sensorial. Muito difícil! Por que? No sistema visual, a atenção nos permite a concentração em um objeto entre muitos outros do campo visual. Ou seja, estamos menos sensíveis aos sons que surgirem e experimentando focar em algo que seja de maior interesse. Menos eu!

Segundo Bear (2018), a atenção está claramente relacionada com o processamento preferencial de informação sensorial. Eu, meu café e meu H somos parceiros da atenção; nós aprendemos algumas estratégias de sobrevivência e manutenção da autoestima; mas é muito difícil ter preferencias, no tempo adequado; é muito difícil lidar com um corpo cheio de humores impulsivos e inconscientes; é difícil mesmo identificar meus reais interesses. Nós temos muita dificuldade em nos concentrar, de ficarmos quietos ou de resistirmos à vontade de fazer várias coisas ao mesmo tempo, porque esse mundo não é o nosso: ele tem outro movimento em nosso cérebro.

Nessa cozinha, eu penso em meus tempos de infância e adolescente, quando meu tempo emocional, cognitivo e motor tinha movimentos mais acelerados e desengonçados. Mais do que desatenta ou impulsiva, eu era hiperativa, no caso, adjetivada como agitada, ‘com bicho carpinteiro’; abusada; irritante ou, as vezes, quando eu queria, extremamente fechada e tímida. “Tudo ao mesmo tempo agora” como afirmam os Titãs, era meu lema.

Eu tinha parte de um transtorno (diziam); tinha vontades engraçadas; tinha urgências estranhas; tinha minhas prioridades, num mundo só meu, já que o outro mundo era chato demais, bobo, sem força ou intensidade. Nessa cozinha, eu, sozinha, penso então: Genética? Hereditariedade? Fisiologia? Alterações nas fóveas dos olhos? Sei lá... Apenas sei que, no meu mundo, tons e cores passavam /passam rapidamente e meu corpo responde, de forma vertiginosa, em todos os cantos da escola, da casa e/ou da rua; e da vida. E, hoje, adulta, eu, meu café meu H ainda não compreendemos o valor real dessa atenção tradicional para nós, os hiperativos, mas sabemos que os paradigmas vêm mudando e nos envolvendo como mais atenção e respeito.

Nós estamos no topo da cadeia da aprendizagem porque temos outra eficiência e servindo de experiencia para diferentes práticas de ensino porque estamos na moda. Nós ajudamos a evoluir as formas de educar porque nossos movimentos motores são incríveis e ‘fora da caixinha’ e, às vezes, incomoda. Lamento!

Eu, meu café e meu H lamentamos: somos o que somos e vamos sobreviver.

Agora, meu almoço: eu, meu suco e a ansiedade...

 

Prof.ª Claudia Nunes (19.03.2021)

 

Referência:

BEAR, Mark. F; CONNORS, Barry W.; PARADISO, Michael A. Atenção (cap.21). NEUROCIENCIAS: desvendando o sistema nervoso. 3ª edição. Porto Alegre: Artmed, 2008, p.643-659. [Dados Eletrônicos].

 

 

 

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