sábado, 9 de novembro de 2019

A professora não sabia... mal sabia... soube...



Da mesa da sala de aula, a professora observa seus alunos de forma diferente. No repentino silencio daquela hora, eles estavam diferentes mesmo. Ontem, alunos agitados; agora, em grupo, focados e desenvolvendo uma atividade. Mesmo dentro de um contexto de violência grave, eles tinham condições de fazer a diferença. Eles só não sabiam disso. Eles foram influenciados por um meio ambiente preconceituoso e ignorante. Sem parcerias emocionais coerentes e adequadas, eles chegaram aos 18 anos com poucas chances de realizar metacognição (pensar sobre o pensar) e elaborar seu tempo com mais habilidade. Eles mal se conheciam. Suas potencialidades foram, por muito tempo, alijadas para segundo plano: eles foram invisibilizados desde o nascimento e tinham pouca consciência disso.
Será que é possível tocá-los de modo especial? Que tipo de encantamento lhe daria o up necessário ao autoconhecimento e autossuficiência de uma vida em sociedade? A professora não sabe. Ela não tem resposta. Ela só precisava lhes dar qualidade cognitiva. Mas ela estava chateada. De repente, ela estava muito chateada. Qualidade cognitiva ignorava seus mecanismos emocionais; suas rotinas de vida; seus múltiplos saberes; seus sonhos e desejos. Tudo isso foi tão encoberto por tantas influencias desajustadas que seus comportamentos exprimiam mais frustração (pelas indiferenças e indisciplinas) do que resiliência ou superação. Eles perderam o ponto da vontade muito normal na adolescência: o ponto do sonho.
Como restaurar seus sonhos? Como remexer em suas emoções e fazê-los desacreditar de tudo o que disseram para eles, sobre eles, a vida toda? A professora não sabia. Eles apenas sobreviviam; tinham poucos objetivos, muita insegurança e medo; eram solitários apesar de se socializarem muito bem. O que seria deles daqui a dez anos? A professora não sabia. Alguém precisava surgir como exemplo na vida deles: devia ensiná-los a lutar, a superar, a fracassar e levantar, a pensar, a entender que o tempo deveria ser aproveitado para viver consciente de si e dos outros sem tanta ansiedade. Eles deveriam entender que, em um futuro próximo, eles poderiam atuar como cidadãos e iniciar mudanças importantes na sociedade. Mas o número de experiências a que tinham acesso não criava memórias positivas. Eles viviam o conturbado \ o caos \ a sobrevivência.
Será que eles sabem que a vida deles tem real importância? Será que eles entendem o termo ‘valorização pessoal’? Será que sabem que o controle do tempo... do próprio tempo... está em suas próprias mãos? A professora não sabia. Ela os olhava animados, conversando, rindo, produzindo, e não tinha resposta para nenhuma dessas perguntas. Ela estava triste. Como é difícil ser jovem de comunidade hoje! Livros e livros de autoajuda surgem como grandes solucionadores da vida tóxica das pessoas. Mil regras e estratégias são criadas para proporcionar realização de vida em diferentes setores. Mas e aqueles jovens? A professora os olhava e sabia: ATENÇÃO.
Ninguém lhes dava atenção e eles não tinham atenção. No círculo vicioso, o vagalhão atenção, foco e concentração perdia força na maré de exigências, obrigações, preconceitos, violências, fome, ignorância, e os incapacitava a ‘ser gente’. Exemplo, atenção, foco e concentração, palavras que mobilizam memória, linguagem, raciocínio lógico e funções executivas: todas relacionadas às funções cognitivas.
Aos 18 anos, como focar em sonhos e desejos se o estofo, os comandos, o chão, a família não lhes dá segurança para experimentar suas potencialidades para talvez errar e voltar para começar de novo? Para essa questão a professora tinha resposta: eles deveriam aprender a entender a si mesmos; deveriam se conhecer realmente; deveriam entender o que os leva a fazer o que fazem e se isso é tão importante para suas vidas. Eles devem se questionar sobre como seus atos, hoje, pode reverberar em seus objetivos de vida. Eles devem aprender o autoconhecimento para moldar o próprio destino. Todos têm talentos, habilidades e estas precisam ser estimuladas e exploradas para autossuficiência futura.
Com certeza, eles não têm as mesmas oportunidades que outros jovens, até mesmo de outras comunidades. Mas precisam aprender que oportunidade é algo que se conquista com muito esforço e só um pouco de sorte. A professora sabe que isso não é fácil. Mas encantar e despertar outros comportamentos emocionais e cognitivos exige pequenas mudanças nas formas de se relacionar e no volume de informações a que estes alunos têm acesso.
Fim da aula. A professora, agora, sabe de algumas coisas cuja palavra de ordem era DESAFIO. Seus alunos precisavam de desafios. Desafios de seu tempo, para suas mentes, com suas imagens, seus saberes, suas emoções, com a força da verdade, de forma a provocar a vontade de mudar. Acreditar, desejar, crescer, guiar, experimentar, palavras que os destinarão para sua própria grandeza: a grandeza do seu desejo \ sonho.
Próxima aula: roda da verdade: quem é quem no jogo da vida em sociedade? Vamos explorar as sutilezas dos sonhos mais guardados da vida de uma pessoa e pensar em como conquistá-los a partir de valores sociais fundamentais. Não é possível desperdiçar tanta juventude num tempo só.

Profa Claudia Nunes (22\10\19)


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