“Eu sou e penso assim mesmo e pronto!
Você me conheceu desse jeito!” – e assim,
Pedro desligou o telefone na cara de Gina. Sem nenhum tipo de reação, ela olhou
o telefone, respirou, pensou e se disse: “Ufa,
acabou!”. Há situações que se resolvem sozinhas e, por isso, devem ser
abençoadas. Sem esforço algum, nós podemos seguir em frente e reinventar mundos
com outra flora e fauna. Gina limpa e incensa a casa, pega uma caneca de café
e, pela janela, observa o sol se pôr. “Como
é possível ter ficado 6 meses com alguém assim? Como é possível entender uma
pessoa com ideias tão fixas? Como manter ideias fixas e ainda assim acreditar
em mudanças?”. Gina não entende seus sentires, mas a expressão ‘ideia fixa’
lhe incomoda. Em isolamento social, pensar nisso é matar o tempo para aprender
mais um pouco sobre si mesma e a vida que construíra. Com tantas coisas
diferentes acontecendo no mundo, por alguma razão, nós ainda não nos permitimos
ampliar nosso olhar para a possibilidade de nos transformarmos, quando
desejarmos. Diante de um vírus incomum, talvez seja a hora de pensamos de
outras maneiras sobre muitos assuntos e experimentarmos outros gostos, toques,
visões e escutas. Só que ainda desejamos nossas rotinas anteriores; ainda estamos
divididos entre ‘sim e não’, ‘bom e mal’, ‘certo e errado’. E ficamos chatos. Nós
precisamos decidir o que seremos ao voltarmos para fora. Somos hábeis em mudar
de rumo e de assunto. Somos hábeis em imaginar, experimentar e inovar. Mas,
diante do medo ou da ignorância, aceitamos ideias fixas, nem sempre surgidas da
nossa memória e experiência de vida, como proteção. E o diálogo consigo, com o
mundo, com os outros, se estanca, confunde e cria conflitos. O medo sempre
prefere o monólogo da fala e do pensamento únicos. É energia magnética. É
casulo. Mas também é demonstração de insegurança, é medo do próprio medo e de
se reconhecer com conhecimento frágil. Eis o terreno fértil para ideia fixa. A
ideia fixa pressupõe tentativa de impressionar, de mostrar saber, de criação de
valor e respeito, e de poder. Não é necessário entender de tudo para ampliar
visões de mundo; mas precisamos entender que saber escutar, por exemplo, é
abrir-se à possibilidade de pensar diferente e ainda assim sermos aceitos com
respeito; e é ter controle do que se é, como ser pensante, para escutar outros
comportamentos e começar a escolher no que acreditar ou o que precisa pesquisar
melhor. O mundo é mutante, assim como nossos cérebros. Somos adaptáveis porque
somos seletivos; e esta seleção ocorre pelas formas com que os estímulos ‘tocam’
nossas memórias. Em potência, somos sistemas nervosos em movimento de mudança
constante; logo, é estranho a permanência e manutenção das ideias fixas, em
longo prazo. Hoje, diante do isolamento, depois da reação intempestiva de
Pedro, Gina entende que ter ideias fixas é ilusão de sabedoria. Ela precisa
largar de mão a rotina anterior em todas as dimensões conhecidas, inclusive
àquelas com Pedro, para viver sua própria realidade com clareza e sozinha. A
ilusão de realidade ‘bem vivida’ ou ‘normal’ acabou. As peças do quebra-cabeças
estão pelo chão a espera de novo milagre. Sem ‘neuras’ maiores, Pedro se foi e
levou consigo, as ideias fixas da relação. Agora ela estava ali, inteira,
lembrando e esquecendo. Estava em oportunidade de adaptação. Não há vazio
simples ou luto histérico. Agora, sua mente é um terreno que precisa de nova
limpeza para viver novas emoções e aprendizados, sem ideias fixas. E, em cada
passo, ela precisa tomar muitos cuidados. Ela vai começar tudo de novo:
observar, se aproximar, duvidar, experimentar e amar de novo. Na ilusão de
proteção, junto a Pedro, a capa protetiva da ideia fixa se fortaleceu e, cega,
ela foi vítima da má informação, da distorção, da mentira, da ilusão, do
romantismo e da insinuação. “Sinistro!”
– pensa ela. Sua sensibilidade foi afetada. Suas decisões ficaram deformadas.
Seu comportamento foi visto como estranho ou incoerente. Por ‘n’ vezes, por
paixão, ela agiu sem pensar ou apenas com foco em suas certezas e crenças; e
perdeu o discernimento de quem era quem, na relação. Culpa das ideias fixas.
Culpa do desejo por padrões e hábitos. Culpa dela mesma. Gina estava
preocupada. Sem Pedro, ela precisava reconquistar a si mesma sem nenhuma ideia
fixa. E Pedro fora sua maior ideia fixa. Em sua memória afetiva havia comportamentos
estranhos, desejo de atenção contínuo, inseguranças, pensamentos sem nexo,
emoções conturbadas. Ela não se reconhecia naquilo tudo. Estava surpresa. A
ideia fixa traz o medo de se envolver e gerar cumplicidades mais profundas; é
caminhar em linha reta sem admitir imperfeições, pedras ou desvios. Com a ideia
fixa, não há como improvisar, sair da zona de conforto, eliminar hábitos; não
sabemos como transitar em ambientes fora do nosso contexto amoroso e social; e pode
engatilhar ou fortalecer vícios, compulsões, solidão, depressão, ansiedades,
medos, dificuldades em geral. “Realmente,
tinha que acabar” – sorriu ela. Ainda que o medo persista, ela desejava
diversidade; viver para outras interpretações, mesmo as mais frustrantes;
abrir-se para desorganizações emocionais; editar novas memórias; criar novos
pensamentos e atitudes; amar a possibilidade de sentir-se plena em novos
amores; renovar alma e corpo com sentidos renovados; voar até as estrelas só para
sentir mais uma grande paixão. E assim acabou o café, seu dia, seu namoro, sua
ideia fixa. “Ufa, fim de caso... estou
bem na fita”.
Prof.ª Ms. Claudia Nunes (20.05.20)
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