sexta-feira, 22 de maio de 2020

GINA – Isolamento e pensando em ideias fixas



“Eu sou e penso assim mesmo e pronto! Você me conheceu desse jeito!” – e assim, Pedro desligou o telefone na cara de Gina. Sem nenhum tipo de reação, ela olhou o telefone, respirou, pensou e se disse: “Ufa, acabou!”. Há situações que se resolvem sozinhas e, por isso, devem ser abençoadas. Sem esforço algum, nós podemos seguir em frente e reinventar mundos com outra flora e fauna. Gina limpa e incensa a casa, pega uma caneca de café e, pela janela, observa o sol se pôr. “Como é possível ter ficado 6 meses com alguém assim? Como é possível entender uma pessoa com ideias tão fixas? Como manter ideias fixas e ainda assim acreditar em mudanças?”. Gina não entende seus sentires, mas a expressão ‘ideia fixa’ lhe incomoda. Em isolamento social, pensar nisso é matar o tempo para aprender mais um pouco sobre si mesma e a vida que construíra. Com tantas coisas diferentes acontecendo no mundo, por alguma razão, nós ainda não nos permitimos ampliar nosso olhar para a possibilidade de nos transformarmos, quando desejarmos. Diante de um vírus incomum, talvez seja a hora de pensamos de outras maneiras sobre muitos assuntos e experimentarmos outros gostos, toques, visões e escutas. Só que ainda desejamos nossas rotinas anteriores; ainda estamos divididos entre ‘sim e não’, ‘bom e mal’, ‘certo e errado’. E ficamos chatos. Nós precisamos decidir o que seremos ao voltarmos para fora. Somos hábeis em mudar de rumo e de assunto. Somos hábeis em imaginar, experimentar e inovar. Mas, diante do medo ou da ignorância, aceitamos ideias fixas, nem sempre surgidas da nossa memória e experiência de vida, como proteção. E o diálogo consigo, com o mundo, com os outros, se estanca, confunde e cria conflitos. O medo sempre prefere o monólogo da fala e do pensamento únicos. É energia magnética. É casulo. Mas também é demonstração de insegurança, é medo do próprio medo e de se reconhecer com conhecimento frágil. Eis o terreno fértil para ideia fixa. A ideia fixa pressupõe tentativa de impressionar, de mostrar saber, de criação de valor e respeito, e de poder. Não é necessário entender de tudo para ampliar visões de mundo; mas precisamos entender que saber escutar, por exemplo, é abrir-se à possibilidade de pensar diferente e ainda assim sermos aceitos com respeito; e é ter controle do que se é, como ser pensante, para escutar outros comportamentos e começar a escolher no que acreditar ou o que precisa pesquisar melhor. O mundo é mutante, assim como nossos cérebros. Somos adaptáveis porque somos seletivos; e esta seleção ocorre pelas formas com que os estímulos ‘tocam’ nossas memórias. Em potência, somos sistemas nervosos em movimento de mudança constante; logo, é estranho a permanência e manutenção das ideias fixas, em longo prazo. Hoje, diante do isolamento, depois da reação intempestiva de Pedro, Gina entende que ter ideias fixas é ilusão de sabedoria. Ela precisa largar de mão a rotina anterior em todas as dimensões conhecidas, inclusive àquelas com Pedro, para viver sua própria realidade com clareza e sozinha. A ilusão de realidade ‘bem vivida’ ou ‘normal’ acabou. As peças do quebra-cabeças estão pelo chão a espera de novo milagre. Sem ‘neuras’ maiores, Pedro se foi e levou consigo, as ideias fixas da relação. Agora ela estava ali, inteira, lembrando e esquecendo. Estava em oportunidade de adaptação. Não há vazio simples ou luto histérico. Agora, sua mente é um terreno que precisa de nova limpeza para viver novas emoções e aprendizados, sem ideias fixas. E, em cada passo, ela precisa tomar muitos cuidados. Ela vai começar tudo de novo: observar, se aproximar, duvidar, experimentar e amar de novo. Na ilusão de proteção, junto a Pedro, a capa protetiva da ideia fixa se fortaleceu e, cega, ela foi vítima da má informação, da distorção, da mentira, da ilusão, do romantismo e da insinuação. “Sinistro!” – pensa ela. Sua sensibilidade foi afetada. Suas decisões ficaram deformadas. Seu comportamento foi visto como estranho ou incoerente. Por ‘n’ vezes, por paixão, ela agiu sem pensar ou apenas com foco em suas certezas e crenças; e perdeu o discernimento de quem era quem, na relação. Culpa das ideias fixas. Culpa do desejo por padrões e hábitos. Culpa dela mesma. Gina estava preocupada. Sem Pedro, ela precisava reconquistar a si mesma sem nenhuma ideia fixa. E Pedro fora sua maior ideia fixa. Em sua memória afetiva havia comportamentos estranhos, desejo de atenção contínuo, inseguranças, pensamentos sem nexo, emoções conturbadas. Ela não se reconhecia naquilo tudo. Estava surpresa. A ideia fixa traz o medo de se envolver e gerar cumplicidades mais profundas; é caminhar em linha reta sem admitir imperfeições, pedras ou desvios. Com a ideia fixa, não há como improvisar, sair da zona de conforto, eliminar hábitos; não sabemos como transitar em ambientes fora do nosso contexto amoroso e social; e pode engatilhar ou fortalecer vícios, compulsões, solidão, depressão, ansiedades, medos, dificuldades em geral. “Realmente, tinha que acabar” – sorriu ela. Ainda que o medo persista, ela desejava diversidade; viver para outras interpretações, mesmo as mais frustrantes; abrir-se para desorganizações emocionais; editar novas memórias; criar novos pensamentos e atitudes; amar a possibilidade de sentir-se plena em novos amores; renovar alma e corpo com sentidos renovados; voar até as estrelas só para sentir mais uma grande paixão. E assim acabou o café, seu dia, seu namoro, sua ideia fixa. “Ufa, fim de caso... estou bem na fita”.

Prof.ª Ms. Claudia Nunes (20.05.20)

Nenhum comentário:

Nada nunca é igual

  Nada nunca é igual   Enquanto os dias passam, eu reflito: nada nunca é igual. Não existe repetição. Não precisa haver morte ou decepçã...