sexta-feira, 8 de maio de 2020

Phineas Gage, nós e mundos estilhaçados



De novo, relendo a história de Phineas Gage. De novo tentando entender o princípio das habilidades que nos fazem ser executivos, em um mundo em velocidade 5. De novo pensando em comportamentos disfuncionais por causa das exigências de captação rápida das habilidades que nos fazem ser executivos e que, por isso, são descartados. Por que tanta ênfase na funcionalidade do hemisfério esquerdo?
Ainda que se escrevam livros e mais livros sobre equilíbrio emocional, nossa sociedade enfatiza rotineiramente os sentidos do olhar e do ouvir, porque assim, diz, a produção é mais focada e a atenção perde a possibilidade de divisão. Que pena! Humanos só o são porque ultrapassam os limites biológicos criando um mundo surpreendente, basicamente através dos sentidos, todos eles. Humanos são curiosos, precisam das habilidades de execução de pensamentos, desejos e sentidos, em estratégias de superação de quaisquer ‘nãos’, mas também precisam dos andaimes emocionais. E mesmo assim, em isolamento social, somos surpreendidos pela importância dos ambientes, pessoas e atividades que descartamos como ‘inúteis’ em nosso dia a dia. Como assim isso existia? Como assim guardei isso? Como assim ele\ela age\pensa assim? Realmente Roberto da Mata tinha razão: a casa e a rua são diferentes em nossa sociedade.
Nosso cérebro é integrado e funciona em sinergia; mas nós selecionamos o mundo que queremos viver e acreditamos que é o ÚNICO possível. Nós criamos expectativas e caminhos em linha reta; e esperamos comboios de pessoas passivas nos seguindo. Grande erro! Quando conhecemos a história de Phineas Gage, um capataz de estrada de ferro que, por causa de uma detonação de uma carga explosiva, teve seu cérebro varado por uma vareta de ferro de mais de 30cm de comprimento e uma polegada de espessura, através de sua bochecha, por trás do olho esquerdo, através do lobo cerebral frontal e saindo pelo topo da cabeça, sobreviveu, apesar de ter mudado radicalmente sua maneira de ser (antes calmo e confiável, Phineas tornou-se ineficiente, teimoso, incapaz de cumprir um plano e propenso a gritar obscenidades); nós percebemos que, por diferentes questões, há outras dimensões de realidade. Junto com um pedaço do cérebro, um pedaço de sua mente se fora. Seus amigos diziam que ele “não era mais Gage”. Agora, outro ser se apresentava e precisava se inserir.
Nós somos pessoas cujas mentes sociais constroem um mundo particular para vivermos confortavelmente. Nele apostamos nosso corpo e a própria mente para o autodesenvolvimento e autoconfiança, além de estabelecermos metas para sonhos e conquistas. E a vida segue: isso é bom, isso não; isso serve, isso, não. Só que a vida nunca segue linearmente.
A vida é uma moça independente, brejeira e autoritária, tal e qual Capitu, ou as Moiras, que tem a roda da fortuna e nosso destino, em suas mãos. Por isso, só sabemos como realmente agiremos ou como realmente pensamos ou nos emocionamos, quando parte do mundo construído diz “não!” e senta na plateia, sem explicações, para nos ver assustados, paralisados, duvidando, negando, investindo e arriscando manter o movimento do mundo, agora, com tudo o que lhe aconteceu. É a parada obrigatória para vivermos a certeza de que tudo é uma ilusão.
Diante do que lhe aconteceu, independente de sua vontade, Phineas alterou seu comportamento, saiu dos trilhos (regras sociais), apresentou outras eficiências e, por isso, perdeu seu mundo ‘arrumadinho’. Phineas e seu mundo foram descartados. Hoje, passamos pela mesma situação. Em isolamento compulsório, nosso mundo está estilhaçado e quase sem a possibilidade de remontagem. Fomos atravessados pelo medo da morte, agora, algo muito próximo e real. E, de novo, como o Neanderthal, por necessidade, a vontade de sobreviver é nosso maior combustível. Só que agora em outro mundo; em outra dinâmica; com outros olhares e escutas; outros comportamentos e alianças; com outras presenças e recursos; e com a certeza de que ‘tudo que é sólido se desmancha [realmente] no ar’.
Em isolamento social, nós estamos fazendo parte de um novo tempo de seleção pouco natural, mas uma seleção. Que os céus nos ajudem e nos traga a bonança de tempos mais “abracentos” outra vez!

Prof.ª Ms. Claudia Nunes (06.05.20)



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