De novo, relendo a
história de Phineas Gage. De novo tentando entender o princípio das habilidades
que nos fazem ser executivos, em um mundo em velocidade 5. De novo pensando em
comportamentos disfuncionais por causa das exigências de captação rápida das habilidades
que nos fazem ser executivos e que, por isso, são descartados. Por que tanta
ênfase na funcionalidade do hemisfério esquerdo?
Ainda que se
escrevam livros e mais livros sobre equilíbrio emocional, nossa sociedade
enfatiza rotineiramente os sentidos do olhar e do ouvir, porque assim, diz, a
produção é mais focada e a atenção perde a possibilidade de divisão. Que pena!
Humanos só o são porque ultrapassam os limites biológicos criando um mundo
surpreendente, basicamente através dos sentidos, todos eles. Humanos são
curiosos, precisam das habilidades de execução de pensamentos, desejos e
sentidos, em estratégias de superação de quaisquer ‘nãos’, mas também precisam
dos andaimes emocionais. E mesmo assim, em isolamento social, somos
surpreendidos pela importância dos ambientes, pessoas e atividades que
descartamos como ‘inúteis’ em nosso dia a dia. Como assim isso existia? Como
assim guardei isso? Como assim ele\ela age\pensa assim? Realmente Roberto da
Mata tinha razão: a casa e a rua são diferentes em nossa sociedade.
Nosso cérebro é
integrado e funciona em sinergia; mas nós selecionamos o mundo que queremos
viver e acreditamos que é o ÚNICO possível. Nós criamos expectativas e caminhos
em linha reta; e esperamos comboios de pessoas passivas nos seguindo. Grande
erro! Quando conhecemos a história de Phineas Gage, um capataz de estrada de
ferro que, por causa de uma detonação de uma carga explosiva, teve seu cérebro
varado por uma vareta de ferro de mais de 30cm de comprimento e uma polegada de
espessura, através de sua bochecha, por trás do olho esquerdo, através do lobo
cerebral frontal e saindo pelo topo da cabeça, sobreviveu, apesar de ter mudado
radicalmente sua maneira de ser (antes calmo e confiável, Phineas tornou-se
ineficiente, teimoso, incapaz de cumprir um plano e propenso a gritar
obscenidades); nós percebemos que, por diferentes questões, há outras dimensões
de realidade. Junto com um pedaço do cérebro, um pedaço de sua mente se fora.
Seus amigos diziam que ele “não era mais Gage”. Agora, outro ser se apresentava
e precisava se inserir.
Nós somos pessoas
cujas mentes sociais constroem um mundo particular para vivermos
confortavelmente. Nele apostamos nosso corpo e a própria mente para o
autodesenvolvimento e autoconfiança, além de estabelecermos metas para sonhos e
conquistas. E a vida segue: isso é bom, isso não; isso serve, isso, não. Só que
a vida nunca segue linearmente.
A vida é uma moça
independente, brejeira e autoritária, tal e qual Capitu, ou as Moiras, que tem
a roda da fortuna e nosso destino, em suas mãos. Por isso, só sabemos como
realmente agiremos ou como realmente pensamos ou nos emocionamos, quando parte
do mundo construído diz “não!” e senta na plateia, sem explicações, para nos
ver assustados, paralisados, duvidando, negando, investindo e arriscando manter
o movimento do mundo, agora, com tudo o que lhe aconteceu. É a parada
obrigatória para vivermos a certeza de que tudo é uma ilusão.
Diante do que lhe
aconteceu, independente de sua vontade, Phineas alterou seu comportamento, saiu
dos trilhos (regras sociais), apresentou outras eficiências e, por isso, perdeu
seu mundo ‘arrumadinho’. Phineas e seu mundo foram descartados. Hoje, passamos
pela mesma situação. Em isolamento compulsório, nosso mundo está estilhaçado e
quase sem a possibilidade de remontagem. Fomos atravessados pelo medo da morte,
agora, algo muito próximo e real. E, de novo, como o Neanderthal, por
necessidade, a vontade de sobreviver é nosso maior combustível. Só que agora em
outro mundo; em outra dinâmica; com outros olhares e escutas; outros
comportamentos e alianças; com outras presenças e recursos; e com a certeza de
que ‘tudo que é sólido se desmancha [realmente] no ar’.
Em isolamento
social, nós estamos fazendo parte de um novo tempo de seleção pouco natural,
mas uma seleção. Que os céus nos ajudem e nos traga a bonança de tempos mais
“abracentos” outra vez!
Prof.ª
Ms. Claudia Nunes (06.05.20)
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