domingo, 19 de abril de 2020

COMO SERIA A MORTE?



Em meio a uma vida quarto, sala, banheiro, sala, cozinha, quarto, nos tempos atuais, vez por outra, Gina fantasiava: “como seria a morte?” Dias e dias de confinamento não a deixavam reelaborar seus pensamentos como sua terapeuta lhe ensinou. Então, sua fantasia: “Como seria a morte?” Sentada no sofá, olhando a luz que, abusadamente, cismava em invadir sua janela, Gina tinha dificuldade para pensar claramente e se sentia uma pouco ansiosa. Tudo já fora feito: casa limpa; leitura quase em dia; papéis no lixo; gavetas organizadas; trabalhos em pastas; roupas lavadas; geladeira robusta, inclusive com seu vinho preferido. Mas o movimento das horas parecia lento demais e suas emoções estavam em crescente ebulição. “Como seria a morte?” - ela fantasiava. Ela não podia fazer isso, mas resolveu se assumir. Em inatividade, não havia esconderijos mentais ou formas de sublimação adequadas para equilibrar seus sentimentos. Seu lugar não precisava mais de atenção; ela sim, então por que não aceitar também esse momento para se limpar, organizar, lavar e arrumar? Ela não era uma máquina de ‘ser gente’! Agora era ela e sua real essência pessimista, tensa, intensa, dispersa; e, aí, “Como seria a morte?” é uma pergunta tão válida, quanto “para quem doar os livros?” ou “como limpar o topo do armário?”. Olhando aquela luz na janela, de repente, ela vacila: “sempre havia os antidepressivos no armário... Não! Não podia! Não precisava!” Sem a rua, tanto ela quanto a casa precisavam de varredura e respeito! É duro! É difícil! Muitas memórias! Mas ela não escaparia do que estava encarando surpreendida por uma ordem superior que lhe nega a argumentação e o vento livre no rosto. Em algum tempo da vida, ela teria que se experimentar ‘limpa’ como agora estava seu chão. E o momento era agora. Só que ela não sentia nada: humor? Não! Apetite? Não! Sono? Não! Prazer? Pouco; Interesse? Nenhum! Irritação? Pouco! Medo? “Ah sei lá...!”. Como criar um ritmo de satisfação ou de distração dentro de uma caixa já muito mexida, arrumada e limpa? Ela se responde: “Logicamente, pensando em como seria a morte...”. A morte de um mal; do orgulho; das mesmices; da loucura do trabalho; dos convívios inúteis; do desprezo ao outro; do desconhecimento emocional; dos egoísmos; dos preconceitos; da empatia; do planeta; do medo de não saber. Enfim, de pé e sorridente, Gina diz para luz que já se esvai muito independente: “Querida, sabe de uma coisa, vou tomar banho, abrir os armários e fazer um pudim só para mim... Doce me ajuda a dormir e sumir. Paz!”.

Profª MSc. Claudia Nunes (24.03.20)


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