Em meio a uma vida quarto, sala, banheiro, sala, cozinha,
quarto, nos tempos atuais, vez por outra, Gina fantasiava: “como seria a
morte?” Dias e dias de confinamento não a deixavam reelaborar seus pensamentos
como sua terapeuta lhe ensinou. Então, sua fantasia: “Como seria a morte?”
Sentada no sofá, olhando a luz que, abusadamente, cismava em invadir sua
janela, Gina tinha dificuldade para pensar claramente e se sentia uma pouco
ansiosa. Tudo já fora feito: casa limpa; leitura quase em dia; papéis no lixo;
gavetas organizadas; trabalhos em pastas; roupas lavadas; geladeira robusta,
inclusive com seu vinho preferido. Mas o movimento das horas parecia lento
demais e suas emoções estavam em crescente ebulição. “Como seria a morte?” -
ela fantasiava. Ela não podia fazer isso, mas resolveu se assumir. Em
inatividade, não havia esconderijos mentais ou formas de sublimação adequadas
para equilibrar seus sentimentos. Seu lugar não precisava mais de atenção; ela
sim, então por que não aceitar também esse momento para se limpar, organizar,
lavar e arrumar? Ela não era uma máquina de ‘ser gente’! Agora era ela e sua
real essência pessimista, tensa, intensa, dispersa; e, aí, “Como seria a morte?”
é uma pergunta tão válida, quanto “para quem doar os livros?” ou “como limpar o
topo do armário?”. Olhando aquela luz na janela, de repente, ela vacila:
“sempre havia os antidepressivos no armário... Não! Não podia! Não precisava!”
Sem a rua, tanto ela quanto a casa precisavam de varredura e respeito! É duro!
É difícil! Muitas memórias! Mas ela não escaparia do que estava encarando
surpreendida por uma ordem superior que lhe nega a argumentação e o vento livre
no rosto. Em algum tempo da vida, ela teria que se experimentar ‘limpa’ como
agora estava seu chão. E o momento era agora. Só que ela não sentia nada:
humor? Não! Apetite? Não! Sono? Não! Prazer? Pouco; Interesse? Nenhum!
Irritação? Pouco! Medo? “Ah sei lá...!”. Como criar um ritmo de satisfação ou
de distração dentro de uma caixa já muito mexida, arrumada e limpa? Ela se
responde: “Logicamente, pensando em como seria a morte...”. A morte de um mal;
do orgulho; das mesmices; da loucura do trabalho; dos convívios inúteis; do
desprezo ao outro; do desconhecimento emocional; dos egoísmos; dos
preconceitos; da empatia; do planeta; do medo de não saber. Enfim, de pé e
sorridente, Gina diz para luz que já se esvai muito independente: “Querida,
sabe de uma coisa, vou tomar banho, abrir os armários e fazer um pudim só para
mim... Doce me ajuda a dormir e sumir. Paz!”.
Profª MSc. Claudia Nunes (24.03.20)
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