Então
o mundo parou. Parou para se olhar e se proteger. Um pequeno animalzinho exigiu
parada quase total da humanidade. Em nossa loucura de vida e de destruição,
criamos muitas doenças e armadilhas e agora quarentena. Nós desorganizamos a
Natureza. Nós construímos prédios para tocar as nuvens e lixo a perder de
vista. Não sabemos o que temos em nossos armários mentais, tal a bagunça
emocional; e seguimos ignorando o outro, suas necessidades e deficiências. Nós
inventamos a idéia do ‘eu-sozinho’. Agora, um vírus fez parar tudo por medo.
Aos nossos olhos, nosso medo maior: a morte. Nós desenvolvemos altas
tecnologias: de nada adiantam. Agora, só as mentes humanas para criar ou inovar
medicamentos. As tecnologias voltam ao ponto de partida: simples recurso. E
nós, isolados e em casa. O vírus fez casa lá fora; e nós encapsulados aqui
dentro. Nós, os racionais, os inteligentes, os criativos, os donos do mundo,
temos que ‘arregar’ e aguardar a passagem dessa onda soberba. A onda passara no
tempo dela. Nem deu tempo de marcar as portas com sangue e impedir mortes,
agora, dos mais velhos e não dos primogênitos. Nem o divino quis nos avisar,
afinal, fomos nós que produzimos a morte ao longo do tempo e agora ela invade
lugares e corpos, abusada e incólume. E nós, em casa, escondidinhos, aguardando
esse tsunami tóxico passar sem alcançar nossas frestas cheias de orgulho. Que
coisa! Que tristeza! Que angústia! Que ansiedade! De outro lado, é tempo de
conhecer a própria casa e as pessoas que vivem nela. É tempo de cuidar e cuidar
muito. É tempo de ver os mais velhos, de novo, como centros do universo e
exemplos e vida. É tempo de reclusão para outra evolução: a dos sentidos mais
empáticos e solidários. Não dá para beijar e abraçar; mas dá para sorrir,
acenar, ajudar, cantar, limpar, limpar e limpar em silencio e sem a aproximação
latina. Que loucura! É uma viagem assustadora. Quem somos nós mesmos? De novo,
a pergunta da humanidade. Somos sociais, dizem, mas perdemos o rumo dessa
certeza em algum ponto da história. Encarcerados devemos respirar com calma;
interagir sem mãos; proteger sem proximidade; reconhecer sem abrir a boca. É o
tocar sem tocar e, ainda assim, afetar positivamente. É uma viagem louca.
Estamos parados no tempo vendo o sol ir e vir sem vivê-lo ao relento do bate
pernas cheios de responsabilidades e cegos. Em casa, o vírus nos provoca muitas
reflexões e perspectivas. É doloroso. Em casa, o jogo da humildade: brincar com
filhos; conversar com os mais velhos; limpar armários e a casa; remexer e lavar
roupas aparentemente limpas; descobrir o sentido de família, dos objetos
descobertos e outras possibilidades de ser. É doloroso, o tempo da memória
essencial. Não há rotina; não nos reconhecemos; não sabemos o que fazer. Em
casa, muita comida, muitas crianças, alguns idosos e a luta intensa entre o que
sei e o que posso fazer. É crescimento e areia movediça. É não ter tempo para
mentiras ou ignorâncias, ainda que haja um propósito bem conhecido:
sobrevivência. Em casa, nós vivemos a caverna platônica, hoje, com as
informações de fora: puro desgoverno, alguma impaciência e grande torcida pela
luz do sol outra vez. Não há discussão, argumento, relativização. Isolados,
somos nossa primitividade e nossa essência. Isolados só nos resta imaginar e
ver o tempo passar como Carolina, ou Aurélia, ou mesmo Capitu. Só nos resta
engolir em seco e criar coragem para matar o tempo, controlar instinto e montar
um esquema psíquico em que ‘ninguém largue a mão de ninguém’ ou atravesse o
reino do lado de lá sem luta. Há um vírus passeando pelo mundo e nós
recuperando nossa humanidade. Luta vigorosa: vírus biológico e vírus homem.
Gandhi, um dia, disse: “seja a mudança que você quer ver no mundo”. Como o
mundo parou, o planeta agradece. Pessoas querida, relaxem, respirem, leiam,
aprendam, acessem, conheçam, arrumem, meditem, se exercitem, vejam, escrevam,
conversem, brinquem, brinquem e brinquem. Aproveitem o tempo de vírus e ajustem
suas humildades, orgulhos, prepotências, amores, histórias, medos, valentias,
possessividades, positividades e liberdades. Não somos hospedeiros de uma
toxina em surto, pura e simples. Somos moradas da inteligência, da força e da
superação, com um pouco de esquizofrenia. Somos adaptação e mutação.
Aproveitem!!!
Profª
MSc Claudia Nunes (19.03.20 – 5º dia em casa com mamy)
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