sábado, 28 de janeiro de 2023

SANCHA e seu delírio


De uns tempos para cá, eu entrei num delírio que não rola saber sair – afirma Sancha ao seu gato. Delírio! Eis a palavra da hora. Depois de mais um dia de trabalho, ela acredita que vai morrer. Ela sente que é o fim. É irreal, surreal, mas as emoções não lhe deixam se separar dessa certeza. Ela vai morrer. Que loucura! Embora seja uma certeza natural, há um incomodo. Ela quer ser super, quer viver outras verdades, quer sair de todos os casulos, mas há o delírio: morrer, apagar, sumir. Eis a sua inimiga: a verdade. Como será? Perseguida, envenenada, assassinada, louca, acidentada? Como será? Sua imaginação não aceita meios termos. Ela voa nos ventos da irrealidade com prazer. Não é fácil rejeitar delírios cujo fundamento é o fim da dor. Não é simples ignorar a presença de outra realidade recheada de possibilidades de paz. Nessa realidade delirante, o mundo cheio de mudanças, cores intensas, ações libertadoras e solidão. Ops, solidão? Como assim? Sancha estranha e gato a ignora. Delírio e solidão? Não é assim que se morre. Ela não está paranoica: ela sabe quem são seus inimigos. Ela não se sente soberba: suas habilidades e profissionalismo estão num padrão de sucesso interessante. Ela não quer ser o centro de tudo: o mundo só gira se ela abrir espaço para outros serem o que forem, apesar da sua falta de paciência. Ela já foi mais ciumenta: hoje ela “finge demência” em vários sentidos para compor uma persona melhor. Seu delírio se concentra no fim de tudo, mas não encontra elo com o porquê ou com o como isso se dará. Sancha tem emoções, mas não tem ponto de contato que a faça agir. Sancha não se sente influenciada. Sancha é delírio e solidão. Sancha é uma humana em ascensão delirante, e isso não a fragmenta; isso a incomoda; e isso não é sua essência. Num mundo tomado de ansiedade e morte, morte é a coisa mais óbvia em “gente normal”. “Ufa, eu sou normal!” – grita. Enquanto acerta seus dias de vida, seu delírio é entender as mortes como fato da Natureza sem precisar pensar em visitas aos cemitérios. Mortes são as ausências, as ofensas, as negações, as repressões, os erros, os desmandos, os desânimos, os desencantos, os desinteresses, tudo aquilo que nos faz ignorar a perda do tempo sem quaisquer atitudes de vida. Sancha, sacode os ombros, ao estilo “tanto faz”, e segue delirante em sua solidão barulhenta e cheia de paradoxos prazerosos.

 

Prof.ª Ms. Claudia Nunes (06/11/2021)

As Moiras, a Srª Certeza Ruim e a Mente: inimigas da perfeição


E de novo a Sra Certeza Ruim ganha proximidade em minha vida. Como tenho dito inúmeras vezes “não aguento mais perder pessoas” ou “não entendo porque só posso ficar com a saudade”. Dizem que esta senhora é um processo natural, universal e inevitável, ainda assim nós, os bobos humanos, não estamos preparados para enfrenta-la. Tudo bem. Em tese e com muita filosofia quântica, é o que devemos aceitar. Só que também sabemos que a mente humana não suporta uma avalanche quase ininterrupta de desaparecimentos, em cuja realidade estabelece-se o vazio interno e externo, sem se perder em brumas disformes ou comportamentos melancólicos. Não há tempo para recomposições, respirações menos ofegantes ou a bendita falácia da resiliência; há só o susto e a dor dos dias seguintes sem um alguém. É o tempo para sentir e viver emoções turbulentas e desconhecidas sem piedades ou pieguices. De novo, e mais uma vez, estou vivendo o assalto da vida feito por esta senhora, dona de um bordel louco e nada privado. Perceberam? Estou rebelde e revoltada. Minha palavra de ordem hoje em dia é ESFORÇO. Esforço para viver.

Hoje, nova noite de silencio interior porque nada na minha área da linguagem cerebral forma sentido quanto ao que passo ou ao que precisarei passar amanhã, junto a uma amiga que dirá adeus ao irmão querido. O que é isso? Uma seleção nada natural. Tempo em que nos encapamos com dor e tristeza porque afinal “a vida é assim mesmo”. E a mente, junto com a triste senhora, sorri de nossa dependência e insegurança. Ambas se alegram com nossas infantilidades e ignorâncias. Ambas ignoram o sentido da palavra sofrimento ou luto. Como parceiras das Moiras, elas se juntam para cortar o fio da vida ao seu bel prazer. Que sinistro!

De novo, fico pensando em pessoas e em suas mentes. A morte do outro é dura. A morte de um outro muito especial é a loucura do meu tempo. É o momento da morte de tempos, das memórias, dos imaginários, das representações, das alegrias. É a morte de uma grande história de crescimento e de aprendizado. Nós seguimos perdendo blocos de vida ao longo do tempo ou blocos de tempo ao longo da vida? Não sei...

No tabuleiro da vida, mais uma peça se perde e não há reposição. É nisso que a mente se perde e isto reverbera em nossos submundos protegidos. Ao mesmo tempo, é a dor da perda e da revelação; é a dor da exclusão e da pura verdade. Não há fuga. A mente pode até construir uma outra rotina normalmente com muitos vícios, procrastinação, desanimo, ansiedade e depressão; mas não há fuga. É uma realidade esburacada sendo consertada com material frágil e errado. E a dor segue seu fluxo. O que fazer? A mente é nossa parceira de vida inteira e se alimenta de tudo o que nos acontece. O que fazer?

No meu caso, só há uma resposta: SORTE advinda de SORTEIO mesmo!

É contar com um desenvolvimento pessoal de sorte; assim como é sorte chegarmos a determinadas idades. É a Sorte de ter uma história consistente com qualquer mínimo poder de resiliência. Sorte de saber o que fazer com as brincadeiras horrorosas que a inimiga mente fará. Sorte de saber respirar com novas nuances quando a louca dor chegar. Sorte de ter afetos que encapem nossa vida de palavras positivas ou ações de fé e paz. Sorte de saber viver um novo dia sem parte de sua história e mesmo assim agradecer. Sorte de se acreditar alguém de sorte...

Seres superiores não me dizem mais nada.

Só tenho a certeza da SORTE advinda de uma roleta russa administrada pelas Moiras, a Sra Certeza Ruim e a Mente.

Só tenho a certeza da SORTE realmente inimiga da perfeição.

Cansada...

 

Prof.ª Ms. Claudia Nunes (01/11/21)

Pensando consciência com Damásio


Lendo Damásio e pensando em consciência. É um desafio. Em tempos pandêmico, é um enorme desafio ter consciência de si e controlar a crueldade da mente. O sistema nervoso funciona bem com hábitos. E hábitos tem dupla personalidade: são confortáveis e degradantes. Eles nos fazer conhecer e pensar adequadamente, mas como trabalham sob a égide do piloto automático, eles oferecem mil obstáculos para nossos desejos de mudança. Mudar é quebrar hábitos e, em terreno confortável, quebrar o processo e investir no desconhecido é amedrontador. Do hábito ao desejo de mudança: a consciência.

Hoje falamos em resiliência, empatia e autoconhecimento, mas nossas memórias (experiências emocionais e cognitivas), base da nossa autoconsciência, resistem às mudanças mesmo com o reconhecimento de que estamos numa trajetória de perdas, angustias, tristezas e fracassos. Segundo Damásio, a consciência é fruto da necessidade básica de nos mantermos vivos, as vezes de forma automática, as vezes de maneira complexa. Nós precisamos estar atentos a certos cuidados básicos evitando a presença de emoções toxicas crônicas, a vivência de perigos exagerados, a excessiva introdução de alimentos e tempo demais em relações pessoais ou profissionais que não signifiquem mais nada. Difícil? Muito!

De acordo com Damásio, os seres humanos são muito complexos: além de precisarem manter a vida de uma forma simples, eles têm que se adaptar a um ambiente cheio de dificuldades para obter energia e se expõem a inúmeros perigos e oportunidades. Então para pulverizarmos os desafios negativos, nós devemos desenvolver sistemas complexos de imaginação, criatividade e planejamento. E assim, surge a consciência.

Primeiro é preciso sentir e reconhecer quem se é com tudo o que se experimentou na vida. É o que o senso comum diz como “encarar o medo”. É a consciência que faz com que não nos identifiquemos com um robô, uma máquina manipulável.

Nesta perspectiva, nós temos a capacidade de guiar a imaginação e conduzir a criatividade para o bem-estar, o pensamento estratégico, a escuta sensível, o entendimento da dor e do sofrimento, e enfim respeitar os outros. Ao saber quem somos podemos nos diferenciar do outro e entender a intensidade e extensão do que vivem. Interessante? Sim! Mas o grande desafio hoje é saber resolver os conflitos internos, principalmente quando os hábitos (mesmo os tóxicos) são confortáveis e seguros.

Superar a rotina emocional e se jogar no desconhecido, em muitos casos, exige ajuda profissional intensa. Você se conhece realmente? Como encara seus desafios? De acordo com Damásio, quando conhecemos os mecanismos que acionam a ansiedade, a tristeza e a alegria, podemos entender melhor como somos e podemos minimizar certos desafios / conflitos. Ou seja, quando admitirmos que nossa razão é influenciada e reconfigurada pelas emoções, nós poderemos nos tornar mentes melhores.

 

Prof.ª Ms. Claudia Nunes (17.10.2021)

 

Referencias:

DAMASIO. O Mistério da Consciencia.

Revista SuperInteressante. http://cultcarioca.blogspot.com.br/2012/01/antonio-damasio-entrevista-origem-da.html?spref=fb Visto em 16.10.21.

 

Inspiração: chave da superação


Um mundo sem inspiração? Onde encontrar inspiração? Inspiração advém de vontades ou de exemplos e ganha força em nossa predisposição. É preciso predisposição para aceitar e trilhar a inspiração. Não há regras fixas, apenas a ação rotineira de se predispor. E ação rotineira está no campo da disciplina.

Inspiração é a chave dos ajustes necessários à vida mais produtiva ou ao menos animada. Primeiro passo: saber o que está funcionando e aprofunda-lo / qualifica-lo com prazer. Partir do que não funciona não adiantará: perguntas erradas, respostas mais erradas ainda. Segundo passo: saber o que ou quem nos inspira realmente. Ainda que estejamos em zonas sombrias emocionais, a escuridão pode ser iluminada pelo nosso autoconhecimento, experiencia e vontade. Então a inspiração sempre estará à espreita.

No mundo sombrio dos impactos mais fumegantes (as perdas repentinas), nós sofremos rupturas doloridas, mas estas, quando percebidas claramente, devem ser controladas pela inspiração, algo que fixe nossa mente num território de esperança e de possibilidades. É a hora em que devemos trocar a palavra ‘problema’ por ‘desafio’; é a hora em que desafiamos o modo como vivíamos ou percebíamos o funcionamento do mundo; e é hora de se reaprender a respirar para voltar à mesa de jogo, sem alguns jogadores parceiros.

Um mundo sem inspiração? Não sabemos. Um mundo sem inteligência emocional e empatia é o percebido. Ai a inspiração se esconde. Somos capazes de realizar tudo que sonharmos, a questão é prestar atenção ao jogo da vida e ser um pouco estratégico para não nos perder. A mente é muito fluida e ela nos escapa quando o chão é movediço e desconhecido. Então inspiremo-nos com força e vontade.

O que pode ser significativo? O que pode agregar valor? “Comece pelo porquê” é um livro inspirador para o nosso momento. Não somos perfeitos, somos humanos e singulares; e por isso nossa projeção social, por exemplo, deve ser dar pela inspiração e do porquê.

O que pode nos tirar da curva, depois de perdas que independeram de nossa vontade? A inspiração. Aquilo que nos acalenta o coração e entra em comunhão com nossa vontade. Aquilo que fortalece até mesmo propósitos esquecidos.  É aquilo que lhe dá motivo para agir. Então aja! Surfe na primeira onda que passar e aja! Abra sua mente, fortaleça seu corpo e lembre: a inspiração não lhe tira o chão, ela lhe amplia em meio às multidões.

Inspiremo-nos todos os dias!

 

Prof.ª Ms. Claudia Nunes (12/10/2021)

 

Referencia:

SINEK, Simon. Comece pelo porquê: como grandes líderes inspiram pessoas e equipes a agir. Rio de Janeiro: Sextante, 2018. [recurso eletrônico]

O IDOSO da minha janela


Da minha janela, muitos idosos vão e vem. Idosos. Esta é uma realidade inesquecível. Idosos são aqueles que sobreviveram ao tempo e suas agruras e frescuras. Segundo Beauvoir (2018) afirma que este “é um fenômeno biológico, acarreta consequências psicológicas e tem uma dimensão existencial, pois modifica a relação do sujeito com o tempo”. Ao observar seus movimentos não vejo seus decantados problemas. Eu vejo pessoas cujas singularidades representam seu tempo, tal e qual, os jovens, as crianças e os adultos, agora, com mais calma.

Lá vão pessoas recheadas de experiências, de histórias, de sabedorias, de certezas e de medos. Não há mais organismo natural. Aliás depois do nascimento, não temos nada de natural: somos o que vivemos e vivenciamos. Todas as dimensões humanas estão conectadas, interligadas e funcionando em parceria. Isso é muito louco! Apesar dessa minha certeza, sempre que leio ou escuto o assunto ‘idoso’, tenho a sensação de um mundo à parte. Sinto como se em algum momento, somos assolados por uma grande surpresa: a idade avançada. E daí em diante, os comportamentos mudam. Alguns mais compreensíveis, outros mais irascíveis; uns sem noção do que fazer, outros ajustando a vida para absorver a surpresa. E o idoso sendo tratado como uma entidade à parte da sociedade literalmente.

Nós devemos prestar atenção a Beauvoir (2018), “o que chamamos a vida psíquica de um indivíduo só se pode compreender à luz de sua situação existencial”. Nós devemos prestar atenção a todos ao longo de seu tempo de vida apesar de quaisquer transtornos ou disfunções. Ninguém muda depois dos 60 anos. O corpo e a mente vão mudando ao longo da vida e, após os 60 anos, PODE haver uma degeneração mais veloz do organismo. E quando falamos de organismo, nós nos referimos a junção da experiencia emocional, cognitiva e corporal que formam a realidade do ESTILO DE VIDA. “Não basta descrever de maneira analítica os diversos aspectos da velhice: cada um deles reage sobre todos os outros e é afetado por eles; é no movimento indefinido desta circularidade que é preciso apreendê-la” (BEAUVOIR, 2018). Entenderam?

Mais do que nunca devemos entender que precisamos pensar o idoso e a cidade / a família como veio importante a manutenção da própria cidade / família. Ou pensar o idoso como partícipe contínuo da produtividade social, principalmente, no item cultura e lazer. “A velhice, enquanto destino biológico, é uma realidade que transcende a história, não é menos verdade que este destino é vivido de maneira variável segundo o contexto social” (BEAUVOIR, 2018).

Qual é a realidade brasileira? Apesar da presença de uma literatura enorme e profunda: qual é a realidade brasileira, quando nos referimos ao idoso ou à qualidade de vida de um idoso? Tenho lido muitos estudos orientais e realmente, minha resposta é: dramática! Quais soluções ou ferramentas são criadas e oportunizadas ao idoso para viver em bem-estar básico? De novo só penso na palavra ‘dramática’.

De outra maneira (ainda estou na janela), respostas a essas questões dão o tom das inseguranças mentais observadas nos idosos. Seus medos não advêm apenas da consciência da idade, mas pelas experiências e memórias negativas de outrem (amigos, colegas, vizinhos, familiares ou nem tanto), ao longo da vida. Eles receiam o descarte, o esquecimento, a demência, a injustiça e a violência que outros sofreram e criam, em seus sistemas emocionais, o pior suspense do mundo: o que farão comigo se... Por que isso? Porque nossa sociedade vive assustada com a presença do idoso. E assustada, essa sociedade faz o mais fácil: superprotege ou descarta ou violenta. Há um desejo de terminar logo com esse ‘trabalho’.

Na maioria dos casos, o idoso perde força no núcleo familiar, tem podado seu ir e vir, assemelha-se a um sofá (mudo e parado) e não tem respeitadas suas vontades e desejos. Por que será? Vida em espiral veloz. Idoso representa para o outro uma parada na velocidade do tempo (da vida) para poder escutar, atender e respeitar. “Tanto ao longo da história como hoje em dia, a luta de classes determina a maneira pela qual um homem é surpreendido pela velhice; um abismo separa o velho escravo e o velho eupátrida, um antigo operário que vive de pensão miserável e um Onassis” (Beauvoir, 2018). Ou seja, a visão sobre o idoso funda-se na filosofia do hiato. Não devemos pensar dicotomicamente; devemos nos aprofundar na fenda, na separação, no susto, no que separa o idoso da sociedade produtiva ‘do nada’.

Pensemos na questão de Beauvoir (2018): “A velhice não é um fato estático; é o resultado e o prolongamento de um processo. Em que consiste esse processo? Em outras palavras, o que é envelhecer?”. Eu respondo: a palavra de ordem é MUDANÇA. Não há adjetivação de bom ou ruim; favorável ou desfavorável; não há julgamento; é só mudança mesmo. E mudar é a lei da vida. Só a inércia alimenta a morte. Então para terminar e fazer pensar, mais Beauvoir (2018):

ð  “É no seio do empreendimento de viver que se estabelece a hierarquia das idades, e o critério é muito mais incerto”.

ð  “Todo organismo tende a subsistir”.

ð  “No homem, o próprio corpo não é natureza pura”.

ð  “Não se falará de envelhecimento enquanto as deficiências permanecerem esporádicas e forem facilmente contornadas”.

ð  “Cada um dará uma resposta diferente, segundo sua tendência a valorizar mais as aptidões corporais ou as faculdades mentais, ou um equilíbrio entre umas e outras”.

ð  “Definir o que é para o homem progresso ou regressão supõe que se tome como referência um determinado fim; mas nenhum é dado a priori, no absoluto”.

ð  “A velhice não poderia ser compreendida senão em sua totalidade; ela não é somente um fato biológico, mas também um fato cultural”.

 

Prof.ª Ms. Claudia Nunes (27/08/2021)

 

Referência:

BEAUVOIR, Simone. A Velhice (Preâmbulo). 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2019, p.13-17. (Recurso digital – Biblioteca Áurea)

 

CUIDADOS PALIATIVOS, uma dúvida e eu


Cuidados paliativos. Cada vez que eu ouço isso lembro de minha mãe. Luta por qualidade de vida e não por saúde não é fácil para os filhos. Em todo lugar para onde olhamos, a morte aguarda com seu olhar cínico de “eu vencerei”. No processo, nós precisamos criar um mantra: viver os momentos e lutar por um fim sem dor e em paz. Quase um ano depois e eu ainda me pergunto: fiz tudo que eu podia? Não surfo nessa dúvida com frequência, mas ela sempre surge quando me distraio da rotina profissional, lugar para onde vou ferrenhamente quando sinto que emoções conflituosas ou dúvidas sem resposta irão frequentar minha mente.

Cuidados paliativos, eis o que se deve fazer quando a Sr.ª Certeza Ruim chega sem convite e nos faz realizar a “escolha de Sofia”.

Cuidados paliativos, nova onda de conteúdo que observo em minha rede social, e que, segundo Cicely Saunders, médica britânica, pioneira nos cuidados paliativos, é uma abordagem que visa colocar o paciente com uma doença incurável no cerne do cuidado, respeitando até o último momento os seus desejos e a sua individualidade.

Quase um ano depois, é assim que sigo construindo meu olhar sobre tudo que passei. Nunca a dúvida me deixará, mas sempre a certeza de que fiz o meu melhor precisa ser a linha-mestra dos próximos capítulos de minha vida. Não estou só. Nunca me sinto só. Sou tudo e todos que passaram em minha existência e por isso tudo e todos merecem respeito. Daí cuidados paliativos para mim, para ela e para todos é o CONFORTO do tempo.

Cuidados paliativos é compreender a presença da Sr.ª Certeza Ruim, trabalhar emoções e atitudes em tempo real, fazer as escolhas adequadas, agir com naturalidade, quando possível, e ir criando defesas para diminuir o sofrimento da perda. Difícil? É sim e muito. Quando estudamos cuidados paliativos, vamos compreendendo (o gerúndio cabe porque é preciso tempo para viver sob esse olhar) que morrer é tão importante quanto nascer e, por isso, até o fim, qualidade é fundamental.

Cuidados paliativos então observa a pessoa muito além da doença. Há ações fundamentais a serem realizadas, mesmo depois que as intervenções médicas não são mais possíveis. E nesse tempo, vamos pensando na vida: a que passou e a que será. É a finitude da vida e a presença da Sr.ª Certeza Ruim que sacode a rotina dos planos adiados. É comum pensarmos que teremos o amanhã com todos os que conhecemos e mesmo com todos com quem crescemos. Ledo engano! Quando a porta da vida é escancarada pela chegada da Sr.ª Certeza Ruim, o essencial até então perde força e importância.

Por um período curto ou longo, nós lutamos contra a novidade incomoda e o sorriso tosco da Sr.ª Certeza Ruim. E é um tempo que, ou desabamos emocionalmente e nos tornamos dependentes de outros, ou assumimos a realidade com tudo dentro: dores, medos, decisões, invasões, opiniões, erros e muito carinho e paciência. São emoções que moldam nossos sentimentos, pensamentos e atitudes. Eu optei pelo segundo movimento, ainda que tenha muito medo do escuro... do escuro de tudo. E foi um tempo de expiação de tudo. Eu tive tempo para me jogar no campo mais sentimental possível e ser outra pessoa. O sorriso da Sra Certeza Ruim ganhou um sentido mais positivo: “você está indo bem...”. No fim, uma fala e os cuidados paliativos. E Sr.ª Certeza Ruim, de pé, pronta para sair levando um bem precioso demais: minha mãe.

Com cuidados paliativos, há o tempo de outra ressignificação e operacionalização daquilo que é a essência de cada um:  cuidados físicos adequados, controle dos sintomas, apoio psicológico e espiritual e segurança. É o tempo em que eu fico sentada, olhando os movimentos de outros, cuidando com todo carinho, atenção, delicadeza e respeito. É a dignidade que, no fim, eu não pude mais realizar, mas oferecer, junto a outros profissionais.

Realmente, diante da notícia da realização de cuidados paliativos, o luto começa forte. E o luto é luta feroz contra tudo o que ignoramos para sobreviver. Mas também é hora de uma mudança de olhar sobre como viveremos a ação da irônica Sr.ª Certeza Ruim. Pelo que observei e vivi: é a hora da proteção; de diminuir o tom da dor; de aceitar ajudas diversas; de criar levezas internas; de oferecer vida com qualidade, principalmente emocional; de não sabotar sentimentos incômodos; de falar ‘pelos cotovelos’; de acreditar no plano de cuidados oferecidos; de respeitar desejos / pedidos; e de pensar em como viver com mais uma cadeira vazia na cozinha.

Lendo sobre cuidados paliativos, alguns mencionam “kalotanásia” conhecida como a ‘boa morte’: conjunto de ações para que o processo de morrer seja o mais suave e sereno possível e que promove a consciência da morte, controla sintomas desagradáveis, respeita o desejo dos pacientes e promove a sua autonomia até o fim. Assim eu fiz. Assim lembrei que ela sempre falou e pediu. Mas confesso que, para a ‘boa morte’, eu ainda preciso de muita maturidade, pois a dúvida permanece: “fiz tudo o que podia ou devia?”. Segue o baile...

 

Prof.ª Ms. Claudia Nunes (22.08.21)

 

Referências

https://www.uol.com.br/vivabem/reportagens-especiais/cuidados-paliativos-como-eles-ajudam-paciente-a-ter-qualidade-de-vida/#page20

Imersão mais responsável


Mundo moderno. Evolução e revolução nas sociedades. Tecnologias digitais nas mãos de todos e transformando os sentidos, os pensamentos, as atitudes e as emoções. Funções cerebrais em grande e veloz plasticidade. Prejuízo? Talvez disfunção porque, em velocidade, os erros são mais comuns. Erros emocionais cognitivos, físicos e relacionais. Atenção, memória e linguagem em um looping funcional. Consequência: terceirização de ações habituais como refletir antes de agir; pesquisar em múltiplos objetivos e com várias técnicas; ter cuidados com a escrita ou ter maior conhecimento sobre o uso das palavras. Cada vez mais a informação não está na ‘ponta da língua’. O conhecimento e traquejo tecnológico resolve esse ‘problema’. Ai pergunto? Como será construída nossa memória e, mesmo, nossa reserva intelectual, no futuro? Não sei. Só sei que precisamos pensar bem nisso entre nossos pares. Pensar e agir com rapidez. Para usar as tecnologias é preciso a presença do humano. Do aspecto humano que possa gerenciar as informações com discernimento e sensibilidade. E máquinas sensíveis ao momento ou situação particular ainda faz parte da ficção científica. Então cabe a nós AGORA, criar estratégias para criar repertórios internos que nos capacitem a buscar dentro de nós mesmos, quando necessário, todas as respostas para os desafios da vida. Talvez possamos mediar o processo com as tecnologias, afinal são RECURSOS positivos a nossa própria sobrevivência e formas de adaptação, mas ainda não dá para delegar a estes recursos o poder de saber escolher e decidir nossa vida diária. Ainda não temos uma máquina capaz de imitar a capacidade humana em TODA a sua complexidade. As tecnologias podem ajudar a atenção, a memória e a linguagem a encontrar e usar informações; mas ainda precisamos do humano para saber como e o que fazer com esta mesma informação. Esta é uma necessidade humana. Sabe o que é prejudicial mesmo? O excesso. O excesso de tempo de imersão em ambiente virtual, pois ai sim há a ampliação do isolamento e o desgaste na saúde mental, além do aprofundamento do funcionamento do sistema de recompensa (vício). Cuidado com a flexibilidade cognitiva que você se oferece em ambiente virtual pelo enorme prazer que ele pode gerar.

 

Prof.ª Ms. Claudia Nunes (19.07.2021)

quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

CALMA, um segredo mágico


A calma. Onde compramos? É tão difícil que só pode ser algo para ricos. Estou olhando pela janela e pensando: como se tem calma? Mil livros com receitas de bolo; com respostas mágicas; com estratégias perfeitas; e ainda assim CALMA é objeto de luxo. Às vezes, nós optamos por observar pessoas para saber o que fazer. Mas sabemos que todos tem seus problemas. Logo calma é uma fachada. Calma como disfarce, interessante. Calma não vem de ninguém. Calma vem do autoconhecimento. Calma vem do reconhecimento de que ritmo interno nós construímos em nós mesmos. Calma é uma arma secreta que reconhecemos e guardamos para momentos mais sérios. Sempre há uma cacofonia em nossas mentes criando opções menos harmônicas: é a falta de calma. O alheio nos persegue e nos cega. Logico que devemos viver em grupo, mas a calma é muito particular e devemos defende-la com unhas e dentes. Sua presença gera estranheza, desconforto e irritação nos outros. Outros sem condição de criar sua própria calma e viver sua própria vida. Se eles não a tem, como nós a temos? Nós então devemos sambar entre monólogos barulhentos e nervosos; e dialogar com nossas experiências com calma. Não é fácil! Nossa calma é o silencio que os outros não sustentam. É um constrangimento que revela suas incompetências emocionais ou descontrole sentimental. E nós devemos nos sustentar. Calma é sobrevivência depois de quaisquer tormentas. Levante os olhos do chão, livro ou celular, e aumente seu nível de consciência sobre si e o mundo: outra realidade se apresentará e a calma será sua capa protetora. Descubra que, apesar de quaisquer coisas, a calma é sua descoberta mágica sobre suas decisões diárias. Quer saber um segredo? A calma fortalece. Calma! Respire!

 

Prof.ª Ms. Claudia Nunes (19.07.2021)

INSTINTO: uma ferramenta do silêncio


Uma palavra, um gesto, um silencio. Garganta travada. É a pior experiencia da vida e o maior aprendizado do mundo. Sabemos que há realidades paralelas e estas se apresentam quando um evento distorce a realidade habitual. A calma se esparrama e se dilui. Eis o silencio do ‘de sempre’. Eis a presença do irracional. Eis outra dinâmica para engrenagem sensorial. Estamos boiando em muitas realidades e com sentimentos desequilibrados. É preciso entender isso. Não descarte! Entenda! Faça como os animais: levante as orelhas! Palavra de ordem: instinto. No silencio, conexões importantes e leituras de mundo mais realistas. Instinto, em meio ao caldeirão de barulhos e luzes do mundo moderno, é uma excelência. Silencio e conexão com o presente, o olhar, os movimentos e as intenções. Cuidado com as intenções. Instinto é prestar atenção a outros sentidos como tato e paladar. Instinto e o silencio é viver sem filtros e assim mesmo ter a capacidade de se adaptar e decidir. Qual é o seu maior silencio? O que lhe distrai do ‘de sempre’? O que muda sua forma de ‘ser gente’? Que estratégia usa para ter paz? Instinto, silencio e senso de calma, apesar de, são instrumentos de bem-estar. Atenção às performances dos seus sentidos diante de outros barulhos e novos silêncios. E afaste-se, descole-se, desligue-se, inclusive de si mesmo, para se re-centrar no mundo, depois e com permissão total à liberdade. Todo excesso excede, logo aja para sua sobrevivência mental. Respire!

 

Prof.ª Ms. Claudia Nunes (18.07.2021)


Aceite o barulho do silêncio...


Para viver uma vida moderninha, temos que aceitar os silêncios. Silencio é uma luz no fim do túnel e uma sombra na noite escura. Nosso olhar é ativado por muitas cores e sons; mas é o silencio que fala mais alto. Cores e sons berrantes são monstros e obstáculos que nos atravessam sem nosso controle; e o silencio pode nos proteger / defender. Dentro do tempo, os sentimentos, as estações e os devidos silêncios. Bom ou ruim? Não há qualidade, pois ambas são necessárias. Silencio e relaxamento são para poucos: é preciso ouvi-los. Não tem jeito. O momento do silencio só é real se soubermos delimita-lo e vive-lo. É o espaço entre o barulho e o barulho. É meio de caminho. É suspensão dos sentidos, pelo menos, para se viver um pensamento e uma atitude. É um começo de uma nova vida. É fácil? Não! No mundo moderno, o silencio é estranheza e uma prisão: nós precisamos, mas não sabemos faze-lo. Ele é livre: surge no inesperado. E o inesperado acontece quando tudo é como é. No silencio do absoluto, o incomodo do tempo. Inútil agitar-se para provar algo, correr atrás de sucessos ilusórios ou tentar agarrar a cauda dos cometas. É respirar, saborear a brisa e recuperar a calma perdida. E só lembrando: silencio é o barulho que negamos em tempo integral. Não seja distraído. O silencio é outra maneira de atravessar nossos sentidos e, por isso, é um animal à espreita. Cuidado!

 

Prof.ª Ms. Claudia Nunes (18.07.2021)

TELA da responsabilidade e do exemplo


Tempo. Tela. Tempo de tela. Suporte de imagem e de vida. Hora de bem-estar e de sobrevivência. Tempo de aprendizado. Hoje muito se pode pensar sobre as diferentes telas e o tempo que podemos imergir. Todos os olhares se voltam para as crianças e os adolescentes. Será um tempo permissivo ou positivo? Cognição disfuncional ou mais hábil?

Em tempos de pandemia, as telas recrudesceram nossa vontade de superação, aprendizagem, convivência e contato. Antes vistas como territórios dos riscos e dos prejuízos, elas seguem ‘salvando’ nossa sociedade da aridez das emoções mais depressivas, ansiosas ou agressivas. Pense bem: podia ser pior.

Hoje pouco pensamos na exposição, pensamos em salvação. Ainda assim, o EXCESSO é a tônica das discussões. Ainda assim, para crianças em desenvolvimento, é preciso LIMITES. Ainda assim é necessário que pais ou responsáveis, agora mais em casa, tenham disponibilidade para limitar os acessos, oferecendo outras atividades mais lúdicas ou intelectuais aos seus filhos.

Mais do que limite, a palavra de ordem é CONTROLE. É essa falta que gera problemas nas funções cerebrais, nos comportamentos físicos, nas formas de pensar e nas emoções. E o EXCESSO não é bom para ninguém. Quando pensamos que todos formam a sociedade, devemos reconhecer que todos são afetados pelo excesso de imersão e a falta de limites. Alguns pensam em reduzir o tempo junto às tecnologias; mas é preciso flexibilizar o tempo junto a outras atividades.

Em tempos pandêmicos, todos precisamos de várias atividades para manter a saúde mental, a imaginação e a criatividade. De novo, uma palavra comum para isso: sobrevivência. Estamos outra vez falando sobre a responsabilidade dos responsáveis e da escola no desenvolvimento infantil, principalmente quando o COM-TATO socializador não pode ser realizado.

Cada faixa etária precisa de organização para o acesso e uso das diferentes telas, jogos e atividades lúdicas. Que tempo, tela, jogo ou atividade acontecerá num dia ou na semana das crianças e dos adolescentes dependem da dinâmica e do interesse familiar. Em algumas leituras, nós encontramos tempos de tela recomendados como:

ð  Crianças entre 6 e 10 anos: no máximo 2 horas por dia;

ð  Adolescentes entre 11 e 18 anos: até 3 horas diárias e aconselha-se nunca “virar a noite”.

 

Mas o melhor é observar seus jovens e determinar ações mais adequadas, como por exemplo: comer com a família; acessar jogos depois dos deveres de casa; tempo de acesso à noite; incentivar saída com amigos ou visitas à familiares; brincar na rua; ler; fazer uma atividade física ou esporte. E principalmente, quando puder, pais ou responsáveis devem estar junto nos jogos, brincadeiras ou atividades intelectuais.

 

Responsável, você é a melhor tela para seus filhos!

 

Prof.ª Ms. Claudia Nunes (01.07.2021)

TEMPO DE TELA: limites necessários


Muitos pensamentos tem passado pela minha mente nesses tempos pandêmicos. Um desses pensamentos refere-se ao uso de mídias digitais em sala de aula. Mesmo antes da pandemia, nós, professores, já convivíamos com as mídias digitais ligadas ao nosso planejamento, à nossa dinâmica em sala e às atividades ‘em casa’. Com a pandemia, de hora para outra, algo tão normalizado na vida dos mais jovens, teve que ser aprendido para que continuássemos desenvolvendo aprendizagem. Agora de casa, nós, professores, tínhamos outra dinâmica de ensino muito mais virtualizada.

Nosso contato real foi suspenso. Nosso contato virtual era uma questão de sobrevivência. Não foi fácil! De pronto, as diferenças sociais ficaram claras. Tanto professores, quanto alunos não tinham noção das tantas dinâmicas e acessos que teríamos que aprender para realizar tarefas comuns à sala de aula. Professores e alunos não tinham preparo para isso. Preparo tecnológico demanda tempo, dinheiro e disponibilidade.

Quando a Internet chegou aos nossos lares, a ideia era dar tempo para outras atividades mais afetivas, familiares e de lazer, só que ocupamos o tempo com mais responsabilidade e trabalho. Hoje é a mesma coisa. O vírus exige ‘ficar em casa’, mas ‘em casa’, nós, professores, temos que dar conta do ensino-aprendizagem, apesar das inseguranças e incertezas do uso correto das mídias digitais.

O avanço tecnológico gerou mudanças sociais e cognitivas. Todos fomos afetados por ela, ainda que alguns mais sortudos tenham mais equilíbrio emocional e se dêem limites para o tempo de imersão. Há fatores de risco para todos. Pessoas até a adolescência estão entrando cada vez mais cedo em contato com as telas; adultos tem cada vez mais receio de usá-las por pura falta de tempo. E as diferenças sociais seguem se ampliando. É a hora maior da união e do diálogo entre pais e professores para entenderem as novas dinâmicas de vida e da escola, e assim elencarem ações mais adequadas para seus jovens aprendentes. É a hora de ignorar saudosismos, entrar numa luta em conjunto e mudar os rumos da prosa. Não há o que fazer.

Antes, durante ou depois da pandemia, fatores pertinentes aos possíveis prejuízos nos processos de aprendizagem continuaram acontecendo e/ou foram recrudescidos. Será que a violência doméstica diminuiu? Será que os contextos ficaram menos tóxicos ou barulhentas? Será que as famílias se tornaram menos disfuncionais? Não! O que aconteceu foi que a pandemia alimentou esses aspectos e desgovernou o conforto do cotidiano familiar na ausência da escola, vista como deposito de crianças. Ou seja, além de tudo o que descrevi acima, há o fechamento das escolas e a necessidade de todos imergirem nas telas para sobrevivência e manutenção da saúde mental. É mais um aspecto que esclarece (de clarear) todos os outros.

Estamos lidando com aprendizagens telemáticas que minimizem prejuízos cognitivos, alterações de comportamento e diferentes males do neurodesenvolvimento, mesmo reconhecendo COMO SEMPRE que há diferenças sociais sérias.

Sigo pensando...

 

Prof.ª Ms. Claudia Nunes (01.07.2021)

 

 

quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

A procura da AUDÁCIA perdida


Audácia é o atrevimento que o medo nunca espera.

(Claudia Nunes)

 

AUDÁCIA, elemento que gera coragem para enfrentar as dificuldades cotidianas. É a chamada hora da verdade. É aquele impulso que nos desperta para outros caminhos, outras crenças, outras formas de sentir e agir. Sempre há aquela hora em que é preciso arriscar. Sem medo do olhar alheio, nós sempre temos a hora em que todos os esforços refletem uma atitude e uma conquista. Mas nos dias atuais, cadê a audácia?

O medo é o dono da nossa respiração; impõe barreiras fortes (angústia, ansiedade, insegurança, dúvida); e nos distancia de nossos sonhos e desejos. O medo escapou do seu cerquinho e alcançou espaço demais, em nosso cotidiano. Então cadê a audácia ou a inspiração?

Em vários estudos científicos, nós sabemos que temos uma capacidade de adaptação incrível, mas percebe-se uma crosta psicológica que interrompe nossos insights mais aventureiros. Nós estamos resistentes... duramente resistentes... e extremamente umbilicais. Como nos descascar? Como nos libertar? Como reaprender a voar?

Nos tempos atuais, quando pensamos em mobilizar recursos internos para criar atenção, foco e concentração em busca de objetivos prazerosos, as adversidades imaginadas, por antecedência, nos paralisam. É a hora do engodo, do disfarce, da negação. Não sabemos mais pontuar a vida em areia movediça, em pequenos desequilíbrios, ou em experimentações ‘fora do padrão’. Sem perceber, nós estamos nos perdendo e formando novos seres ‘mecânicos’ e chatos. Como mudar o rumo “dessa prosa”?

Em livros e mais livros sobre desenvolvimento pessoal, a motivação à reconquista da audácia perdida está em saber investir no próprio bem-estar e, para isso, o autoconhecimento é a senha. E, nessa linha, saber gerenciar estresse e ansiedade é o primeiro passo. É algo mais profundo do que apenas “correr risco’: é revitalizar a si mesmo com ferramentas confortáveis e conhecidas.

A busca da audácia perdida se dá na memória que nós visitamos a fim de agir com estratégias afinadas, com as tantas habilidades e conhecimentos, que descobrimos ao longo desse processo. Importante então

ð Saber parar e respirar para reorganizar o pensamento (dormir bem, também serve);

ð Anotar todas as necessidades e responsabilidades (de preferência semana a semana);

ð Tomar decisões calmamente (talvez um pouco cada dia);

ð Experimentar agir ou pensar sem suas crenças de sempre (só um pouquinho...);

ð Entender o momento de procrastinação, mas não ficar nele tempo demais;

ð Assumir seus atos e loucuras (bom demais!);

ð Acreditar em seu direito de ser vulnerável;

ð Se afastar do seu cotidiano ou de sua rotina, vez por outra.

 

Quem tem pouca tolerância ao risco, cujo comportamento é guiado pelo receio, tem uma baixa propensão para o sucesso. A escolha não está entre o sucesso e o fracasso; está entre escolher o risco e lutar pela grandeza, ou não arriscar nada e ter a mediocridade como certa. Por isso, quando, vagarosamente, nós decidimos sentir, pensar e agir de outro jeito, nós criamos um ambiente de exercício de nós mesmos, num mundo que antes nos metia medo. É nesse processo que vencemos medos, ansiedades, incertezas; e diminuímos o nível das reclamações. É nesse processo que o erro, as decepções e as perdas vão se transformando em aprendizado.

Audácia é uma atitude de sobrevivência às noites de vida suspensa.

 

Prof.ª Claudia Nunes (30.06.2021)

 

SANCHA e o espírito da tristeza


“A tristeza não é nada além de um buraco entre dois jardins” (Khalil Gibran)

 

Um momento de tristeza. Que coisa estranha. Um momento de apagão da positividade e entrada num mundo cinza e nebuloso: a tristeza. Sabemos que devemos passar por tudo e ter emoções múltiplas cuja ideia é nos adaptar, desenvolver e qualificar. Mas as emoções mais sombrias e paralisantes não são boas de digerir ou viver. É algo que desregula nossas ações e decisões. É um momento silencio e de encontro com um alguém estranho. A realidade tem pequenos colapsos e fica sem graça. Tristeza nos tira do prumo e do rumo por um tempo. É assim que Sancha se sente hoje: triste. Seus pensamentos estão sem ritmo. É tudo e nada ao mesmo tempo. Mas ela não quer sair da tristeza. Ela precisa se acostumar: há vida também na tristeza. Ela precisa se controlar e controlar seus sentidos. Ela quer aprender, pois sabe de onde vem sua tristeza. Ela só queria despertar para ela mesma sendo outro ela mesma. O tempo era escorregadio. Existia o bendito livre-arbítrio. Só que ela quer aprender sobre o que é inevitável: a tristeza. Respirando profundamente, ela reconhece que, além de ser uma das seis emoções básicas (medo, felicidade, repulsa, surpresa e raiva), a tristeza pode explicitar baixa autoestima, insegurança, cansaço, solidão, angústia e/ou dor. Nada de excepcional. Ela faz parte do equilíbrio emocional, mas é perigosa quando sentida ininterruptamente. Logico que a vida não é ‘mar de rosas’; ela está mais para ser um caminho parabólico e íngreme; mas para que reconheçamos o que é alegria, depois passar pela angustia ou frustração, ou seja, a tristeza. É o decantado processo de adaptação e é parte do nosso desenvolvimento fisiológico e emocional. Sancha estava se conhecendo e refletia sobre isso: ela tinha um lado melancólico em vida. Sancha se sentia moída e dolorida: será que alimentava essa tristeza? Ela não tinha culpas ou orgulhos. Ela não tinha grande forte pela imaginação sinistra. Mas as resultantes de sua vida tinham certo gosto de comida queimada. De olhos fechados, ela pensava: para se livrar da tristeza, a única opção era ser ela mesma. Nada ricamente trabalhado nos detalhes mas algo com que ela pudesse conviver e sonhar, sem neuroses. Tudo o que lhe aconteceu a afetou negativamente; ela dava voltas por soluções inusitadas; ela se sequestrava por covardia; mas também fantasiava por um futuro super brilhante. Difícil, vago, difícil, inútil. Ela precisava ser fiel aos desejos, recuperar a vontade de encontrar o sol, decidir por novos caminhos, ter mais convicções e outros propósitos, mesmo carregando as tristezas da vida. Sem romper o ciclo de pensamentos, Sancha abre os olhos, olha seu espaço e levanta: “Hora de me alimentar de paz e sorrisos. Minha vida e meu corpo merecem. Não tenho mais idade para deixar o tempo passar sentar pensando na ‘morte da bezerra’. Fui!”.

 

Prof.ª Claudia Nunes (28.06.2021)

 

Um semestre de luta contra ladrões de energia


E o tempo passou. Em uma casa vazia de movimento, Sancha refletia sobre sua vida nos últimos 6 meses. Do fundo do poço emocional, ela alcançava pequenos sucessos, apesar dos medos e dúvidas. Nesse tempo, quantas situações, armadilhas e sustos. Semestre de vazios, silêncios e algumas doses extras de vinho tinto. A vida entrou na banalidade de um vento sem responsabilidade. Ela tinha consciência de tudo, mas tudo era vazio demais. Na mente, decisões e revoluções; no corpo, instabilidades, prejuízos, ansiedade e pequenos mal-estares. Sancha não sabia como resolver isso. Corredor, cozinha, sala, quarto, banheiro, ela era um espírito em busca de luz e movimento, dentro de uma rotina esquizofrenica. Movimento era sua palavra de ordem; mas ele estava parado, em sua porta cerebral, sem convite para entrar e fazer sua faxina interna.

Às 4h da manhã, Sancha olhava sua janela, sua rua, o frio, o silencio e a fumaça do seu café. O que fazer? Da estante, alguns livros espiritualistas. Da estante, algumas possibilidades. Da estante, sua sobrevivência. Sancha espalha os livros no chão, segue lendo alguns trechos e rompendo sua casca temporal com ideias mais positivas:

 

- Não reclame. Aceite e tenha atitude.

- Não aceite o lixo alheio: escute, entenda e ajude sem envolvimentos.

- Não alimente egocentrismos desnecessários.

- Não mexa na tempestade alheia se não puder dar conta até o final.

- Não deixe suas contas (financeiras e emocionais) para depois.

- Não deva nada a ninguém, se puder.

- Não faça promessas que não vá cumprir.

- Não perca a humildade: se necessário, mude de opinião, desculpe-se, renegocie, ofereça alternativas.

- Não caminhe apenas por seus interesses: ouça os outros e delegue tarefas.

- Não deixe de se oferecer prazeres diferentes: simplesmente descanse.

- Não cometa irresponsabilidades consigo mesmo ou sem corpo.

- Não viva ou aceite desordens: arrume e arrume-se.

- Não descarte dar atenção à sua saúde: vá ao médico.

- Não procrastine por tempo indeterminado.

- Não ignore situações tóxicas: tome alguma atitude de controle e qualidade.

- Não adie demais seus sonhos e objetivos: estresse causa problemas psíquicos e físicos.

- Não aceite tudo: resignação tem limite.

 

            Sancha respira, coloca a roupa de ginástica e vai caminhar na praça do bairro.

 

Prof.ª Claudia Nunes (25.06.2021)

 

Tempos de variados sentidos


Um tempo dos sentidos aguçados. Um tempo de descobertas, mas sem tato: sem com-tato. Mesmo assim é a arte nossa arma de sobrevivência. Com a saúde mental desnivelada, os sentidos não convergem adequadamente, logo estamos em uma aventura de vida na escuridão do amanhã. Por isso, nós precisamos da

 

ð  Arte de olhar: a visão é o sentido mais desenvolvido do ser humano, ainda que passemos maior parte do tempo vivendo dentro de diferentes telas. Internet é ambiente do distraível e do descartável. Segundo Miralles e Garcia (2019), para viver experiências Ichigo-Ichie, é necessário recuperar a capacidade de voltar a ver a vida com os olhos. Em tempos de TICs para sobrevida, nós olhamos, mas não vemos. Nós estamos desatentos a quaisquer coisas fora do ângulo de 90º. Nós enfraquecemos o liame da conexão e perdemos a vontade do contato. Nós não reconhecemos diferentes e diferenças. Nós temos lentes monoteístas e sem refletores. Nós, então, precisamos recuperar a visão; captar mais belezas existentes no mundo; limpar a toxicidade das rotinas e de algumas relações; e caminhar por nossas emoções e lugares como autoconhecimento e como poder de visão qualificada. Não é possível que sejamos noite para sempre. Então largue o celular e reaprenda a observar para onde seus passos lhe levam. Apesar de termos capacidade de atenção limitada, o mundo é uma imensa galeria de arte cujos detalhes merecem nosso respeito.

 

ð  Arte de tocar: O poeta Paul Valéry (apud Miralles e Garcia, 2019) dizia que “o mais profundo é a pele”. Em pandemia, o ‘com-tato’ está suspenso por tempo indeterminado. É o tato, o grande provocador de sensações mais emocionais, é uma necessidade humana essencial, apesar de nem nos darmos conta. É o sentido que avoluma a presença de alguns hormônios como a ocitocina (felicidade) que desperta sentimentos de afeto e confiança, e reduz, por exemplo, a pressão arterial. Tanto o tato, quanto o seu complemento, o abraço, previnem reações e enfermidades. Segundo Miralles e Garcia (2019), considera-se que quatro abraços por dia bastariam para favorecer a saúde emocional e física de alguém. O toque gera informações como ‘calma’, ‘estou aqui’, ‘cuidado’, ‘cala a boca’, ‘não precisa’, logo há um relaxamento geral do organismo: menos dor de cabeça, mais qualidade do sono e das relações; mais motivação, animo e empatia; etc. Para Miralles e Garcia (2019), se quisermos incluir os cinco sentidos em nossos momentos únicos, vale a pena exercitarmos regularmente o tato. Seja sincero e intenso ao tocar coisas e pessoas; sinta com verdade as diferentes temperaturas perpassando sua pele; experimente caminhar descalço em superfícies que não oferecem risco de ferimentos – madeira, grama, terra limpa (desperte a sensibilidade da sola dos pés; o peso do corpo e o movimento). O tato é um sento que faz parte de nossa celebração da vida.

 

ð  Arte de saborear: como a neurociência, a gastronomia ganhou popularização; logo, o paladar está em destaque. É sempre uma experiência única. Das papilas gustativas à memória, nós vivemos experiências e emoções sempre novas. Somos inspirados a busca de uma atenção plena, também junto a outros sentidos, para identificar quais alimentos estamos comendo. Pelo paladar aguçamos outros sentidos. Nós devemos comer o que for sem que nada ocupe nossa mente neste momento. É deixar de lado projetos, prazos, preocupações, listas de afazeres, medos, dores, ira, passado e futuro. Ao decidir se alimentar, dê atenção ao que decidiu incluir em seu organismo: feche os olhos, cheire com calma e coma devagar. Sabor tem relação com nosso estado de espírito. O sentido do paladar teve suas origens em uma função essencial para a sobrevivência do ser humano, pois permitia aos homens primitivos conhecer características de alimentos que nunca tinham provado. (MIRALLES e GARCIA, 2019). Assim, o doce indicava alimentos capazes de fornecer energia; o salgado, alimentos ricos em sais minerais essenciais para o organismo; o amargo e o ácido constituíam avisos de que o alimento que se pretendia comer podia ser perigoso. (2019)

 

ð  Arte de cheirar: Preste atenção: o ser humano consegue reconhecer até dez mil cheiros diferentes, mas a maioria das pessoas conta com pouco mais de dez adjetivos para defini-los. Quando nos referimos ao cheiro, nos referimos ao invisível, logo estamos no campo da memória. Há uma ligação direta entre narinas, sistema límbico e particularmente o lobo da ínsula. É a hora do insight, do dejavú e das lembranças mais antigas e afetivas. É o invisível que lhe transporta para outro tempo amortecido (grupo de neurônios de alguma maneira subutilizados). É o invisível trazendo o ‘de repente’ que emociona. Pensem em uma epifania. É o invisível reconsiderando e reconhecendo nossa essência menos pulsante. Segundo Miralles e Garcia (2019), o olfato seria nossa máquina de transporte no tempo. E segue: mais do que os outros sentidos, ele é capaz de nos remeter ao passado, resgatando momentos Ichigo-ichie, porque os aromas abrem caminho até o hipocampo e a amígdala, ambos relacionados ao aprendizado e às emoções. É o sentido mais ligado ao paladar e se constitui nosso sentido com maior poder de recordação. Se você quiser mais harmonia, experimente três óleos essenciais, a saber: Pinho para reduzir o estresse. Lavanda para acalmar o sono. Menta para obter concentração.

 

ð  Arte de ouvir/escutar? Arte requer habilidade. Habilidade requer decisão diária de executar algo belo e/ou harmônico. Escutar é uma arte. Escutar é processar o que escuta, dando significado e realmente compreendendo, sem julgamento ou influência do que imagina ser o certo. Escutar é entender e ter uma atitude proativa. Além de falar, escutar é fazer silencia de si para que o outro possa ser o que precisar. Conexão, compartilhamento, respeito, proximidade, empatia e atitude, palavras que circulam o sentido do escutar. Hoje em dia, escutar é estar em sintonia com diferentes energias com paciência e atenção. Escutar se traduz em uma mensagem: ‘conte comigo’. Enquanto o outro fala, respire, ofereça sua atenção e experimente um diálogo sem críticas. Escutar nos traz pistas sobre o que a outra pessoa está necessitando e isso só se consegue quando realmente focamos nossa atenção no que ela está dizendo e em seu comportamento. Em muitos casos, para escutarmos com atenção, nós precisamos fechar os olhos paa abrir os ouvidos. É uma forma de desconexão cerebral para conexão integrativa de informações outras e a percepção da presença de outras realidades que precisam ser pensadas e, às vezes, vividas. Feche os olhos, escute e explore novas emoções.

 

Atenção aos sentidos. Todos, sem exceção, são as reais janelas da alma.

 

Prof.ª Claudia (24.06.2021)

 

Referencia:

MIRALLES, Francesc e GARCIA, Hector. Ichigo-Ichie: a arte japonesa de transformar cada instante em um momento precioso. Rio de Janeiro: Sextante Editora, 2019.

Nada nunca é igual

  Nada nunca é igual   Enquanto os dias passam, eu reflito: nada nunca é igual. Não existe repetição. Não precisa haver morte ou decepçã...