De uns tempos para cá, eu entrei num
delírio que não rola saber sair – afirma Sancha ao seu gato. Delírio! Eis a
palavra da hora. Depois de mais um dia de trabalho, ela acredita que vai
morrer. Ela sente que é o fim. É irreal, surreal, mas as emoções não lhe deixam
se separar dessa certeza. Ela vai morrer. Que loucura! Embora seja uma certeza
natural, há um incomodo. Ela quer ser super, quer viver outras verdades, quer
sair de todos os casulos, mas há o delírio: morrer, apagar, sumir. Eis a sua
inimiga: a verdade. Como será? Perseguida, envenenada, assassinada, louca,
acidentada? Como será? Sua imaginação não aceita meios termos. Ela voa nos
ventos da irrealidade com prazer. Não é fácil rejeitar delírios cujo fundamento
é o fim da dor. Não é simples ignorar a presença de outra realidade recheada de
possibilidades de paz. Nessa realidade delirante, o mundo cheio de mudanças,
cores intensas, ações libertadoras e solidão. Ops, solidão? Como assim? Sancha estranha
e gato a ignora. Delírio e solidão? Não é assim que se morre. Ela não está
paranoica: ela sabe quem são seus inimigos. Ela não se sente soberba: suas
habilidades e profissionalismo estão num padrão de sucesso interessante. Ela
não quer ser o centro de tudo: o mundo só gira se ela abrir espaço para outros
serem o que forem, apesar da sua falta de paciência. Ela já foi mais ciumenta:
hoje ela “finge demência” em vários sentidos para compor uma persona melhor.
Seu delírio se concentra no fim de tudo, mas não encontra elo com o porquê ou
com o como isso se dará. Sancha tem emoções, mas não tem ponto de contato que a
faça agir. Sancha não se sente influenciada. Sancha é delírio e solidão. Sancha
é uma humana em ascensão delirante, e isso não a fragmenta; isso a incomoda; e
isso não é sua essência. Num mundo tomado de ansiedade e morte, morte é a coisa
mais óbvia em “gente normal”. “Ufa, eu sou normal!” – grita. Enquanto acerta
seus dias de vida, seu delírio é entender as mortes como fato da Natureza sem precisar
pensar em visitas aos cemitérios. Mortes são as ausências, as ofensas, as
negações, as repressões, os erros, os desmandos, os desânimos, os desencantos,
os desinteresses, tudo aquilo que nos faz ignorar a perda do tempo sem
quaisquer atitudes de vida. Sancha, sacode os ombros, ao estilo “tanto faz”, e
segue delirante em sua solidão barulhenta e cheia de paradoxos prazerosos.
Prof.ª
Ms. Claudia Nunes (06/11/2021)
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