quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Professora e a plataforma vazia


Estou diante da plataforma de aprendizagem remota para o Ensino Médio. Depois de tantos anos, o Ensino Médio segue acontecendo em ambiente virtual. Eu, como professora, estou em observação e observando. Eu e eles estamos em aprendizagem, nada espontânea.

Depois que o mundo mudou, diante das tecnologias virtuais, um vírus rompeu a ligação ‘de sempre’ do humano com sua cultura pessoal. Foi um rompimento drástico e a saúde mental foi muito abalada. Que estranho! Que angústia! Mesmo assim, eu tenho que desenvolver jovens, de comunidade, a se interessarem pelos estudos a ponto de conquistarem seus sonhos.

Há uma desarticulação com o cotidiano anterior e uma rearticulação em ambientes novos, com dinâmicas novas. Todos tem seus elãs seifados, mas também reconstituídos de outro jeito. A teia da aprendizagem tem novos nós, costuras, caminhos e dificuldades. Os sentidos, tão importantes, para o assimilação e desenvolvimento da memória, da linguagem e da atenção, estão com várias interrupções. É hora de aprender novas estratégias que podem ressignificar a saúde mental de jovens e professores. Hoje estou mais preocupada com os jovens.

Lendo o livro “Mindshift’, aceito a dificuldade de trabalharmos (nós, professores) percepções que ajudem a esses jovens a desenvolver uma consciência maior de si mesmos e ações inovadoras sobre suas próprias emoções e decisões. Nós precisamos evoluir emocional e educacionalmente; e precisamos aprender com o tempo virótico a ‘ser gente’, de novo. Nossos jovens AINDA precisam de muita atenção às suas emoções, construídas em seus contextos, de certa maneira desajustados, disfuncionais, ou mesmo, violentos.

Mais do que tecnologias digitais, hoje, nós precisamos nos reorganizar mentalmente, além de sabermos tirar proveito de aspectos comportamentais ‘de sempre’ e inadequados. O ‘de sempre’ oferece a realidade dos obstáculos internos que precisam ser superados basicamente para sobreviver. E nossos jovens tem dificuldade quanto a isso, aliás sempre tiveram.

Ao olhar meu entorno, percebo que a ênfase da aprendizagem está nas tecnologias virtuais, esvaziando e ampliando as relações humanas. Paradoxo, ambiguidade e complexidade, tudo ao mesmo tempo agora. E o sistema nervoso? E saúde emocional? E o contexto social? Velha máxima: todos precisamos de estímulos, inspiração, habilidades e uma tomada de decisão adequada. Não se pode APENAS ficar no campo das idéias.

O alcance da capacidade de aprender e mudar é bem mais amplo do que se imagina. Eis o processo de reinvenção e ressignificação. Simples capacidade de persistir em tarefas difíceis. Simples? Não é não... Mesmo nos dias atuais, os jovens precisam ser ensinados pelo exemplo, pela experiencia ou pelo contato direto a ter atenção, esforço e foco. Não há mudança de comportamento sem uma tomada de decisão radical sobre quem se quer ser ou o que se quer conquistar. E a decisão radical pode vir diante de uma situação radical e inesperada, ou diante da oportunidade de ouvir alguém bacana ou de acessos importantes a sua formação.

Ai eu me pergunto, olhando aquela plataforma de ensino vazia: qual é a realidade deles? Quais qualidades construíram ao longo da vida? Quais são suas perspectivas? A sociedade é cruel: oferece pouco e quer demais. É a responsável pela instituição das grandes inseguranças, dos medos e dos riscos, quase inconsequentes. Eles vivem batalhas constantes. “O que vou fazer da vida?” é sua pergunta mais angustiante.

Adolescente em vida efervescente, divertida, sem grandes responsabilidades, experimentando aventuras diversas, mas antes da maioridade, tendo que tomar decisões difíceis e fora do seu campo de prazer ou perspectiva. Pior: eles são desencorajados em tempo integral, pelos tantos estigmas com que se defrontam. Mudar é uma ação comportamental que exige resiliência, autocontrole e muita reflexão: será que eles estão preparados? Eu acredito que não. O mundo não é mais tão cognitivo; ele exige padrões emocionais para que se construam processos cognitivos mais adequados, empáticos e longevos.

Em nível imaginativo, o mundo é um espaço a ser conquistado; mas, em nível real, os jovens não tem prática. É a prática, em parceria com os exemplos, que reforça o certo e o errado; que motiva; que gera reforço positivo; que desafia; que provoca novas ações proativas; que constitui memórias mais positivas; etc.

O mundo tem porosidade mínima para absorver tantos jovens, sonhos e necessidades, eu sei, mas como somos seus mediadores (com limitações), nós temos grande responsabilidade em criar, não um mundo cor de rosa ou paralelo, mas um mundo possível de se viver, junto às diversas habilidades que podemos fortalecer e ampliar. É acreditar que estes jovens tem limitações, mas estas não são determinantes, pelo menos não deveriam. Estes jovens tem talentos e não precisam se repetir dentro de um contexto ‘de sempre’ ou do imaginário alheio.

Hoje, olhando aquela plataforma cheia de atividades diferenciadas, mas vazia de resultados ou retornos, eu pensei que a ideia de retorno às aulas deve ser eivada de ações que experimentem alterações nas atividades de vida diária desses jovens, como se fossem compromissos que precisam ser realizados para que percebam que podem ser mais do que dizem que são, ou que imaginam a partir do que dizem que são.

Pensando assim, listei alguns compromissos realistas como:

ð  Silenciar o celular e o computador por 12h ou 24h.

ð  Sentar e escutar uma playlist de 20 músicas inteiras, de preferencia de olhos fechados.

ð  Sair, andar pelo bairro e listar 10 coisas novas que viu durante a caminhada.

ð  Esticar o corpo no chão no fim da tarde por 2h.

ð  Ligar para três pessoas que não fala há uma semana.

ð  Escrever as impressões sobre o dia na hora de dormir.

ð  Tirar um tempo para respirar profundamente e pensar coisas boas para todos.

ð  Começar algo que adia há muito tempo, sem medo.

ð  Fazer exercício sem restrição e com liberdade.

ð  Pensar em seus problemas e crie uma atitude resiliente.

ð  Ser romântico e mais harmônico com os outros.

Aprender algo novo às vezes significa dar um passo para trás e voltar a ser um novato. Mas pode ser uma aventura emocionante, para nós, professores!

 

Prof.ª Claudia Nunes (08.06.2021)

 

Referência:

OAKLEY, Barbara. Mindshift: mude seu padrão mental e descubra do que você é capaz. Rio de Janeiro: BestSeller, 2020. [recurso eletrônico].

 

 

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