Da minha janela,
muitos idosos vão e vem. Idosos. Esta é uma realidade inesquecível. Idosos são
aqueles que sobreviveram ao tempo e suas agruras e frescuras. Segundo Beauvoir
(2018) afirma que este “é um fenômeno biológico, acarreta consequências psicológicas
e tem uma dimensão existencial, pois modifica a relação do sujeito com o
tempo”. Ao observar seus movimentos não vejo seus decantados problemas. Eu vejo
pessoas cujas singularidades representam seu tempo, tal e qual, os jovens, as
crianças e os adultos, agora, com mais calma.
Lá vão pessoas
recheadas de experiências, de histórias, de sabedorias, de certezas e de medos.
Não há mais organismo natural. Aliás depois do nascimento, não temos nada de
natural: somos o que vivemos e vivenciamos. Todas as dimensões humanas estão
conectadas, interligadas e funcionando em parceria. Isso é muito louco! Apesar
dessa minha certeza, sempre que leio ou escuto o assunto ‘idoso’, tenho a
sensação de um mundo à parte. Sinto como se em algum momento, somos assolados
por uma grande surpresa: a idade avançada. E daí em diante, os comportamentos
mudam. Alguns mais compreensíveis, outros mais irascíveis; uns sem noção do que
fazer, outros ajustando a vida para absorver a surpresa. E o idoso sendo
tratado como uma entidade à parte da sociedade literalmente.
Nós devemos
prestar atenção a Beauvoir (2018), “o que chamamos a vida psíquica de um
indivíduo só se pode compreender à luz de sua situação existencial”. Nós
devemos prestar atenção a todos ao longo de seu tempo de vida apesar de
quaisquer transtornos ou disfunções. Ninguém muda depois dos 60 anos. O corpo e
a mente vão mudando ao longo da vida e, após os 60 anos, PODE haver uma
degeneração mais veloz do organismo. E quando falamos de organismo, nós nos
referimos a junção da experiencia emocional, cognitiva e corporal que formam a
realidade do ESTILO DE VIDA. “Não basta descrever de maneira analítica os
diversos aspectos da velhice: cada um deles reage sobre todos os outros e é
afetado por eles; é no movimento indefinido desta circularidade que é preciso
apreendê-la” (BEAUVOIR, 2018). Entenderam?
Mais do que nunca
devemos entender que precisamos pensar o idoso e a cidade / a família como veio
importante a manutenção da própria cidade / família. Ou pensar o idoso como
partícipe contínuo da produtividade social, principalmente, no item cultura e
lazer. “A velhice, enquanto destino biológico, é uma realidade que transcende a
história, não é menos verdade que este destino é vivido de maneira variável
segundo o contexto social” (BEAUVOIR, 2018).
Qual é a realidade
brasileira? Apesar da presença de uma literatura enorme e profunda: qual é a
realidade brasileira, quando nos referimos ao idoso ou à qualidade de vida de
um idoso? Tenho lido muitos estudos orientais e realmente, minha resposta é:
dramática! Quais soluções ou ferramentas são criadas e oportunizadas ao idoso
para viver em bem-estar básico? De novo só penso na palavra ‘dramática’.
De outra maneira
(ainda estou na janela), respostas a essas questões dão o tom das inseguranças
mentais observadas nos idosos. Seus medos não advêm apenas da consciência da
idade, mas pelas experiências e memórias negativas de outrem (amigos, colegas,
vizinhos, familiares ou nem tanto), ao longo da vida. Eles receiam o descarte,
o esquecimento, a demência, a injustiça e a violência que outros sofreram e
criam, em seus sistemas emocionais, o pior suspense do mundo: o que farão comigo se... Por que isso?
Porque nossa sociedade vive assustada com a presença do idoso. E assustada,
essa sociedade faz o mais fácil: superprotege ou descarta ou violenta. Há um
desejo de terminar logo com esse ‘trabalho’.
Na maioria dos
casos, o idoso perde força no núcleo familiar, tem podado seu ir e vir,
assemelha-se a um sofá (mudo e parado) e não tem respeitadas suas vontades e
desejos. Por que será? Vida em espiral veloz. Idoso representa para o outro uma
parada na velocidade do tempo (da vida) para poder escutar, atender e
respeitar. “Tanto ao longo da história como hoje em dia, a luta de classes
determina a maneira pela qual um homem é surpreendido pela velhice; um abismo
separa o velho escravo e o velho eupátrida, um antigo operário que vive de
pensão miserável e um Onassis” (Beauvoir, 2018). Ou seja, a visão sobre o idoso
funda-se na filosofia do hiato. Não devemos pensar dicotomicamente; devemos nos
aprofundar na fenda, na separação, no susto, no que separa o idoso da sociedade
produtiva ‘do nada’.
Pensemos na
questão de Beauvoir (2018): “A velhice não é um fato estático; é o resultado e
o prolongamento de um processo. Em que consiste esse processo? Em outras
palavras, o que é envelhecer?”. Eu respondo: a palavra de ordem é MUDANÇA. Não
há adjetivação de bom ou ruim; favorável ou desfavorável; não há julgamento; é
só mudança mesmo. E mudar é a lei da vida. Só a inércia alimenta a morte. Então
para terminar e fazer pensar, mais Beauvoir (2018):
ð
“É
no seio do empreendimento de viver que se estabelece a hierarquia das idades, e
o critério é muito mais incerto”.
ð
“Todo
organismo tende a subsistir”.
ð
“No
homem, o próprio corpo não é natureza pura”.
ð
“Não
se falará de envelhecimento enquanto as deficiências permanecerem esporádicas e
forem facilmente contornadas”.
ð
“Cada
um dará uma resposta diferente, segundo sua tendência a valorizar mais as
aptidões corporais ou as faculdades mentais, ou um equilíbrio entre umas e
outras”.
ð
“Definir
o que é para o homem progresso ou regressão supõe que se tome como referência
um determinado fim; mas nenhum é dado a priori, no absoluto”.
ð
“A
velhice não poderia ser compreendida senão em sua totalidade; ela não é somente
um fato biológico, mas também um fato cultural”.
Prof.ª
Ms. Claudia Nunes (27/08/2021)
Referência:
BEAUVOIR, Simone. A Velhice (Preâmbulo).
3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2019, p.13-17. (Recurso digital –
Biblioteca Áurea)
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