sábado, 28 de janeiro de 2023

O IDOSO da minha janela


Da minha janela, muitos idosos vão e vem. Idosos. Esta é uma realidade inesquecível. Idosos são aqueles que sobreviveram ao tempo e suas agruras e frescuras. Segundo Beauvoir (2018) afirma que este “é um fenômeno biológico, acarreta consequências psicológicas e tem uma dimensão existencial, pois modifica a relação do sujeito com o tempo”. Ao observar seus movimentos não vejo seus decantados problemas. Eu vejo pessoas cujas singularidades representam seu tempo, tal e qual, os jovens, as crianças e os adultos, agora, com mais calma.

Lá vão pessoas recheadas de experiências, de histórias, de sabedorias, de certezas e de medos. Não há mais organismo natural. Aliás depois do nascimento, não temos nada de natural: somos o que vivemos e vivenciamos. Todas as dimensões humanas estão conectadas, interligadas e funcionando em parceria. Isso é muito louco! Apesar dessa minha certeza, sempre que leio ou escuto o assunto ‘idoso’, tenho a sensação de um mundo à parte. Sinto como se em algum momento, somos assolados por uma grande surpresa: a idade avançada. E daí em diante, os comportamentos mudam. Alguns mais compreensíveis, outros mais irascíveis; uns sem noção do que fazer, outros ajustando a vida para absorver a surpresa. E o idoso sendo tratado como uma entidade à parte da sociedade literalmente.

Nós devemos prestar atenção a Beauvoir (2018), “o que chamamos a vida psíquica de um indivíduo só se pode compreender à luz de sua situação existencial”. Nós devemos prestar atenção a todos ao longo de seu tempo de vida apesar de quaisquer transtornos ou disfunções. Ninguém muda depois dos 60 anos. O corpo e a mente vão mudando ao longo da vida e, após os 60 anos, PODE haver uma degeneração mais veloz do organismo. E quando falamos de organismo, nós nos referimos a junção da experiencia emocional, cognitiva e corporal que formam a realidade do ESTILO DE VIDA. “Não basta descrever de maneira analítica os diversos aspectos da velhice: cada um deles reage sobre todos os outros e é afetado por eles; é no movimento indefinido desta circularidade que é preciso apreendê-la” (BEAUVOIR, 2018). Entenderam?

Mais do que nunca devemos entender que precisamos pensar o idoso e a cidade / a família como veio importante a manutenção da própria cidade / família. Ou pensar o idoso como partícipe contínuo da produtividade social, principalmente, no item cultura e lazer. “A velhice, enquanto destino biológico, é uma realidade que transcende a história, não é menos verdade que este destino é vivido de maneira variável segundo o contexto social” (BEAUVOIR, 2018).

Qual é a realidade brasileira? Apesar da presença de uma literatura enorme e profunda: qual é a realidade brasileira, quando nos referimos ao idoso ou à qualidade de vida de um idoso? Tenho lido muitos estudos orientais e realmente, minha resposta é: dramática! Quais soluções ou ferramentas são criadas e oportunizadas ao idoso para viver em bem-estar básico? De novo só penso na palavra ‘dramática’.

De outra maneira (ainda estou na janela), respostas a essas questões dão o tom das inseguranças mentais observadas nos idosos. Seus medos não advêm apenas da consciência da idade, mas pelas experiências e memórias negativas de outrem (amigos, colegas, vizinhos, familiares ou nem tanto), ao longo da vida. Eles receiam o descarte, o esquecimento, a demência, a injustiça e a violência que outros sofreram e criam, em seus sistemas emocionais, o pior suspense do mundo: o que farão comigo se... Por que isso? Porque nossa sociedade vive assustada com a presença do idoso. E assustada, essa sociedade faz o mais fácil: superprotege ou descarta ou violenta. Há um desejo de terminar logo com esse ‘trabalho’.

Na maioria dos casos, o idoso perde força no núcleo familiar, tem podado seu ir e vir, assemelha-se a um sofá (mudo e parado) e não tem respeitadas suas vontades e desejos. Por que será? Vida em espiral veloz. Idoso representa para o outro uma parada na velocidade do tempo (da vida) para poder escutar, atender e respeitar. “Tanto ao longo da história como hoje em dia, a luta de classes determina a maneira pela qual um homem é surpreendido pela velhice; um abismo separa o velho escravo e o velho eupátrida, um antigo operário que vive de pensão miserável e um Onassis” (Beauvoir, 2018). Ou seja, a visão sobre o idoso funda-se na filosofia do hiato. Não devemos pensar dicotomicamente; devemos nos aprofundar na fenda, na separação, no susto, no que separa o idoso da sociedade produtiva ‘do nada’.

Pensemos na questão de Beauvoir (2018): “A velhice não é um fato estático; é o resultado e o prolongamento de um processo. Em que consiste esse processo? Em outras palavras, o que é envelhecer?”. Eu respondo: a palavra de ordem é MUDANÇA. Não há adjetivação de bom ou ruim; favorável ou desfavorável; não há julgamento; é só mudança mesmo. E mudar é a lei da vida. Só a inércia alimenta a morte. Então para terminar e fazer pensar, mais Beauvoir (2018):

ð  “É no seio do empreendimento de viver que se estabelece a hierarquia das idades, e o critério é muito mais incerto”.

ð  “Todo organismo tende a subsistir”.

ð  “No homem, o próprio corpo não é natureza pura”.

ð  “Não se falará de envelhecimento enquanto as deficiências permanecerem esporádicas e forem facilmente contornadas”.

ð  “Cada um dará uma resposta diferente, segundo sua tendência a valorizar mais as aptidões corporais ou as faculdades mentais, ou um equilíbrio entre umas e outras”.

ð  “Definir o que é para o homem progresso ou regressão supõe que se tome como referência um determinado fim; mas nenhum é dado a priori, no absoluto”.

ð  “A velhice não poderia ser compreendida senão em sua totalidade; ela não é somente um fato biológico, mas também um fato cultural”.

 

Prof.ª Ms. Claudia Nunes (27/08/2021)

 

Referência:

BEAUVOIR, Simone. A Velhice (Preâmbulo). 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2019, p.13-17. (Recurso digital – Biblioteca Áurea)

 

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