Um tempo dos sentidos aguçados. Um
tempo de descobertas, mas sem tato: sem com-tato. Mesmo assim é a arte nossa
arma de sobrevivência. Com a saúde mental desnivelada, os sentidos não
convergem adequadamente, logo estamos em uma aventura de vida na escuridão do
amanhã. Por isso, nós precisamos da
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de olhar: a visão
é o sentido mais desenvolvido do ser humano, ainda que passemos maior parte do
tempo vivendo dentro de diferentes telas. Internet é ambiente do distraível e
do descartável. Segundo Miralles e Garcia (2019), para viver experiências Ichigo-Ichie, é necessário recuperar a
capacidade de voltar a ver a vida com os olhos. Em tempos de TICs para
sobrevida, nós olhamos, mas não vemos. Nós estamos desatentos a quaisquer
coisas fora do ângulo de 90º. Nós enfraquecemos o liame da conexão e perdemos a
vontade do contato. Nós não reconhecemos diferentes e diferenças. Nós temos
lentes monoteístas e sem refletores. Nós, então, precisamos recuperar a visão;
captar mais belezas existentes no mundo; limpar a toxicidade das rotinas e de
algumas relações; e caminhar por nossas emoções e lugares como autoconhecimento
e como poder de visão qualificada. Não é possível que sejamos noite para
sempre. Então largue o celular e reaprenda a observar para onde seus passos lhe
levam. Apesar de termos capacidade de atenção limitada, o mundo é uma imensa galeria de arte cujos detalhes merecem nosso
respeito.
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de tocar: O poeta
Paul Valéry (apud Miralles e Garcia, 2019) dizia que “o mais profundo é a
pele”. Em pandemia, o ‘com-tato’ está suspenso por tempo indeterminado. É o
tato, o grande provocador de sensações mais emocionais, é uma necessidade
humana essencial, apesar de nem nos darmos conta. É o sentido que avoluma a
presença de alguns hormônios como a ocitocina
(felicidade) que desperta sentimentos de afeto e confiança, e reduz, por
exemplo, a pressão arterial. Tanto o tato, quanto o seu complemento, o abraço,
previnem reações e enfermidades. Segundo Miralles e Garcia (2019), considera-se que quatro abraços por dia
bastariam para favorecer a saúde emocional e física de alguém. O toque gera
informações como ‘calma’, ‘estou aqui’, ‘cuidado’, ‘cala a boca’, ‘não precisa’,
logo há um relaxamento geral do organismo: menos dor de cabeça, mais qualidade
do sono e das relações; mais motivação, animo e empatia; etc. Para Miralles e
Garcia (2019), se quisermos incluir os
cinco sentidos em nossos momentos únicos, vale a pena exercitarmos regularmente
o tato. Seja sincero e intenso ao tocar coisas e pessoas; sinta com verdade
as diferentes temperaturas perpassando sua pele; experimente caminhar descalço em superfícies que não oferecem
risco de ferimentos – madeira, grama, terra limpa (desperte a sensibilidade
da sola dos pés; o peso do corpo e o movimento). O tato é um sento que faz
parte de nossa celebração da vida.
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de saborear: como
a neurociência, a gastronomia ganhou popularização; logo, o paladar está em
destaque. É sempre uma experiência única. Das papilas gustativas à memória, nós
vivemos experiências e emoções sempre novas. Somos inspirados a busca de uma
atenção plena, também junto a outros sentidos, para identificar quais alimentos
estamos comendo. Pelo paladar aguçamos outros sentidos. Nós devemos comer o que
for sem que nada ocupe nossa mente neste momento. É deixar de lado projetos, prazos, preocupações, listas de
afazeres, medos, dores, ira, passado e futuro. Ao decidir se alimentar, dê
atenção ao que decidiu incluir em seu organismo: feche os olhos, cheire com
calma e coma devagar. Sabor tem relação com nosso estado de espírito. O sentido do paladar teve suas origens em
uma função essencial para a sobrevivência do ser humano, pois permitia aos
homens primitivos conhecer características de alimentos que nunca tinham
provado. (MIRALLES e GARCIA, 2019). Assim,
o doce indicava alimentos capazes de fornecer energia; o salgado, alimentos
ricos em sais minerais essenciais para o organismo; o amargo e o ácido
constituíam avisos de que o alimento que se pretendia comer podia ser perigoso.
(2019)
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de cheirar: Preste
atenção: o ser humano consegue reconhecer
até dez mil cheiros diferentes, mas a maioria das pessoas conta com pouco mais
de dez adjetivos para defini-los. Quando nos referimos ao cheiro, nos
referimos ao invisível, logo estamos no campo da memória. Há uma ligação direta
entre narinas, sistema límbico e particularmente o lobo da ínsula. É a hora do
insight, do dejavú e das lembranças mais antigas e afetivas. É o invisível que
lhe transporta para outro tempo amortecido (grupo de neurônios de alguma
maneira subutilizados). É o invisível trazendo o ‘de repente’ que emociona.
Pensem em uma epifania. É o invisível reconsiderando e reconhecendo nossa
essência menos pulsante. Segundo Miralles e Garcia (2019), o olfato seria nossa
máquina de transporte no tempo. E segue: mais
do que os outros sentidos, ele é capaz de nos remeter ao passado, resgatando
momentos Ichigo-ichie, porque os aromas abrem caminho até o hipocampo e a
amígdala, ambos relacionados ao aprendizado e às emoções. É o sentido mais
ligado ao paladar e se constitui nosso
sentido com maior poder de recordação. Se você quiser mais harmonia,
experimente três óleos essenciais, a saber: Pinho
para reduzir o estresse. Lavanda para acalmar o sono. Menta para obter
concentração.
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de ouvir/escutar? Arte
requer habilidade. Habilidade requer decisão diária de executar algo belo e/ou
harmônico. Escutar é uma arte. Escutar é processar o que escuta, dando
significado e realmente compreendendo, sem julgamento ou influência do que
imagina ser o certo. Escutar é entender e ter uma atitude proativa. Além de
falar, escutar é fazer silencia de si para que o outro possa ser o que
precisar. Conexão, compartilhamento, respeito, proximidade, empatia e atitude,
palavras que circulam o sentido do escutar. Hoje em dia, escutar é estar em
sintonia com diferentes energias com paciência e atenção. Escutar se traduz em
uma mensagem: ‘conte comigo’. Enquanto o outro fala, respire, ofereça sua
atenção e experimente um diálogo sem críticas. Escutar nos traz pistas sobre o que a outra pessoa está necessitando e
isso só se consegue quando realmente focamos nossa atenção no que ela está
dizendo e em seu comportamento. Em muitos casos, para escutarmos com
atenção, nós precisamos fechar os olhos paa abrir os ouvidos. É uma forma de
desconexão cerebral para conexão integrativa de informações outras e a
percepção da presença de outras realidades que precisam ser pensadas e, às
vezes, vividas. Feche os olhos, escute e explore novas emoções.
Atenção
aos sentidos. Todos, sem exceção, são as reais janelas da alma.
Prof.ª Claudia
(24.06.2021)
Referencia:
MIRALLES,
Francesc e GARCIA, Hector. Ichigo-Ichie:
a arte japonesa de transformar cada instante em um momento precioso. Rio de
Janeiro: Sextante Editora, 2019.
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