quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Tempos de variados sentidos


Um tempo dos sentidos aguçados. Um tempo de descobertas, mas sem tato: sem com-tato. Mesmo assim é a arte nossa arma de sobrevivência. Com a saúde mental desnivelada, os sentidos não convergem adequadamente, logo estamos em uma aventura de vida na escuridão do amanhã. Por isso, nós precisamos da

 

ð  Arte de olhar: a visão é o sentido mais desenvolvido do ser humano, ainda que passemos maior parte do tempo vivendo dentro de diferentes telas. Internet é ambiente do distraível e do descartável. Segundo Miralles e Garcia (2019), para viver experiências Ichigo-Ichie, é necessário recuperar a capacidade de voltar a ver a vida com os olhos. Em tempos de TICs para sobrevida, nós olhamos, mas não vemos. Nós estamos desatentos a quaisquer coisas fora do ângulo de 90º. Nós enfraquecemos o liame da conexão e perdemos a vontade do contato. Nós não reconhecemos diferentes e diferenças. Nós temos lentes monoteístas e sem refletores. Nós, então, precisamos recuperar a visão; captar mais belezas existentes no mundo; limpar a toxicidade das rotinas e de algumas relações; e caminhar por nossas emoções e lugares como autoconhecimento e como poder de visão qualificada. Não é possível que sejamos noite para sempre. Então largue o celular e reaprenda a observar para onde seus passos lhe levam. Apesar de termos capacidade de atenção limitada, o mundo é uma imensa galeria de arte cujos detalhes merecem nosso respeito.

 

ð  Arte de tocar: O poeta Paul Valéry (apud Miralles e Garcia, 2019) dizia que “o mais profundo é a pele”. Em pandemia, o ‘com-tato’ está suspenso por tempo indeterminado. É o tato, o grande provocador de sensações mais emocionais, é uma necessidade humana essencial, apesar de nem nos darmos conta. É o sentido que avoluma a presença de alguns hormônios como a ocitocina (felicidade) que desperta sentimentos de afeto e confiança, e reduz, por exemplo, a pressão arterial. Tanto o tato, quanto o seu complemento, o abraço, previnem reações e enfermidades. Segundo Miralles e Garcia (2019), considera-se que quatro abraços por dia bastariam para favorecer a saúde emocional e física de alguém. O toque gera informações como ‘calma’, ‘estou aqui’, ‘cuidado’, ‘cala a boca’, ‘não precisa’, logo há um relaxamento geral do organismo: menos dor de cabeça, mais qualidade do sono e das relações; mais motivação, animo e empatia; etc. Para Miralles e Garcia (2019), se quisermos incluir os cinco sentidos em nossos momentos únicos, vale a pena exercitarmos regularmente o tato. Seja sincero e intenso ao tocar coisas e pessoas; sinta com verdade as diferentes temperaturas perpassando sua pele; experimente caminhar descalço em superfícies que não oferecem risco de ferimentos – madeira, grama, terra limpa (desperte a sensibilidade da sola dos pés; o peso do corpo e o movimento). O tato é um sento que faz parte de nossa celebração da vida.

 

ð  Arte de saborear: como a neurociência, a gastronomia ganhou popularização; logo, o paladar está em destaque. É sempre uma experiência única. Das papilas gustativas à memória, nós vivemos experiências e emoções sempre novas. Somos inspirados a busca de uma atenção plena, também junto a outros sentidos, para identificar quais alimentos estamos comendo. Pelo paladar aguçamos outros sentidos. Nós devemos comer o que for sem que nada ocupe nossa mente neste momento. É deixar de lado projetos, prazos, preocupações, listas de afazeres, medos, dores, ira, passado e futuro. Ao decidir se alimentar, dê atenção ao que decidiu incluir em seu organismo: feche os olhos, cheire com calma e coma devagar. Sabor tem relação com nosso estado de espírito. O sentido do paladar teve suas origens em uma função essencial para a sobrevivência do ser humano, pois permitia aos homens primitivos conhecer características de alimentos que nunca tinham provado. (MIRALLES e GARCIA, 2019). Assim, o doce indicava alimentos capazes de fornecer energia; o salgado, alimentos ricos em sais minerais essenciais para o organismo; o amargo e o ácido constituíam avisos de que o alimento que se pretendia comer podia ser perigoso. (2019)

 

ð  Arte de cheirar: Preste atenção: o ser humano consegue reconhecer até dez mil cheiros diferentes, mas a maioria das pessoas conta com pouco mais de dez adjetivos para defini-los. Quando nos referimos ao cheiro, nos referimos ao invisível, logo estamos no campo da memória. Há uma ligação direta entre narinas, sistema límbico e particularmente o lobo da ínsula. É a hora do insight, do dejavú e das lembranças mais antigas e afetivas. É o invisível que lhe transporta para outro tempo amortecido (grupo de neurônios de alguma maneira subutilizados). É o invisível trazendo o ‘de repente’ que emociona. Pensem em uma epifania. É o invisível reconsiderando e reconhecendo nossa essência menos pulsante. Segundo Miralles e Garcia (2019), o olfato seria nossa máquina de transporte no tempo. E segue: mais do que os outros sentidos, ele é capaz de nos remeter ao passado, resgatando momentos Ichigo-ichie, porque os aromas abrem caminho até o hipocampo e a amígdala, ambos relacionados ao aprendizado e às emoções. É o sentido mais ligado ao paladar e se constitui nosso sentido com maior poder de recordação. Se você quiser mais harmonia, experimente três óleos essenciais, a saber: Pinho para reduzir o estresse. Lavanda para acalmar o sono. Menta para obter concentração.

 

ð  Arte de ouvir/escutar? Arte requer habilidade. Habilidade requer decisão diária de executar algo belo e/ou harmônico. Escutar é uma arte. Escutar é processar o que escuta, dando significado e realmente compreendendo, sem julgamento ou influência do que imagina ser o certo. Escutar é entender e ter uma atitude proativa. Além de falar, escutar é fazer silencia de si para que o outro possa ser o que precisar. Conexão, compartilhamento, respeito, proximidade, empatia e atitude, palavras que circulam o sentido do escutar. Hoje em dia, escutar é estar em sintonia com diferentes energias com paciência e atenção. Escutar se traduz em uma mensagem: ‘conte comigo’. Enquanto o outro fala, respire, ofereça sua atenção e experimente um diálogo sem críticas. Escutar nos traz pistas sobre o que a outra pessoa está necessitando e isso só se consegue quando realmente focamos nossa atenção no que ela está dizendo e em seu comportamento. Em muitos casos, para escutarmos com atenção, nós precisamos fechar os olhos paa abrir os ouvidos. É uma forma de desconexão cerebral para conexão integrativa de informações outras e a percepção da presença de outras realidades que precisam ser pensadas e, às vezes, vividas. Feche os olhos, escute e explore novas emoções.

 

Atenção aos sentidos. Todos, sem exceção, são as reais janelas da alma.

 

Prof.ª Claudia (24.06.2021)

 

Referencia:

MIRALLES, Francesc e GARCIA, Hector. Ichigo-Ichie: a arte japonesa de transformar cada instante em um momento precioso. Rio de Janeiro: Sextante Editora, 2019.

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